Privatização da Praia Morena revolta benguelenses

Privatização da Praia Morena revolta benguelenses

As construções nas praias da província de Benguela têm vindo a roubar ao cidadão o seu direito ao lazer e usufruto desse espaço público. Foi assim na Baía Azul, o mesmo sucedeu na Baía de Santo António e, agora, chegou a vez de “vedar” a outrora bela Praia Morena.

Por: Zuleide De Carvalho

A privatização das praias benguelenses tem muito que se lhe diga. Pelo que se ouve do povo, desse muito, quase nada é de bom. Resume-se em clamores de indignação, injustiça e, acima de tudo, insurreição.

Onde antes os amantes de praia tinham imensa areia para tomar agradáveis banhos de sol, para saborear deliciosos piqueniques, para relaxar nos intervalos de refrescantes mergulhos, estão a ser erguidas infra-estruturas de cimento e betão. Largos metros do areal se estendiam para jogar futebol, voleibol, para caminhadas e corridas à beira-mar, para os grupos praticantes de capoeira, para fazer yoga, para os pequenos ou grandes luaus que se organizavam…

No Pequeno Brasil, parcela da Praia Morena, tudo isto está a desaparecer porque o direito à praia foi vetado. Por quem e porquê, não se sabe. Pois, nenhuma autoridade veio a público dizer.

Assim, estabelece-se uma nova era nas praias históricas da província de Benguela, uma era em que “apenas os ricos têm acesso à praia”. Esta situação, denunciada pelas vedações feitas no espaço público, revolta os benguelenses. Beneficiam-se “elites” à custa da esmagadora maioria Um jovem benguelense que aproveitava um Sábado de praia enquanto ainda pode, mostrou o seu desagrado quanto à mais recente empreitada a ser erguida no Pequeno Brasil, que vedou os últimos metros livres do espaço.

É “um atentado”, categorizou. Pois, “antes, era uma ocupação pública, em que as pessoas faziam as suas actividades, escolares” inclusive, salientou o munícipe. Com os edifícios empresariais construídos nos últimos dois anos, o Pequeno Brasil “agora, se tornou privado.” Portanto, “a maior parte das actividades que a juventude fazia, as crianças”, já não poderão ser realizadas, queixou-se.

Um factor que causa ainda mais transtorno aos munícipes benguelenses é o facto de a obra actual nem sequer estar identificada. Não se sabe o que aí irá surgir nem para que fim. Assim, o cidadão Catumbela acusa a Administração Municipal de Benguela de agir incorrectamente.

Por não ouvir as opiniões dos mais prejudicados antes de autorizar o projecto e, por não informar o que será construído. Catumbela acha que “isto está mal.” Desaprova a edificação de estabelecimentos elitistas naquela área porque, “o povo sentia- se à vontade” na Praia Morena, “agora, o espaço já é pouco, não temos caminho para passar.”

Preocupado, o jovem suspeita que não tarda e, para ir-se à praia, ter-se-à de pagar. Triste, pensa que, para chegar esse infausto dia “não falta muito”, lamentou. Paulo Arone, outro munícipe aborrecido, defende que a insistência em privatizar-se o Pequeno Brasil, na Praia Morena, “tira o espírito da convivência entre os próprios cidadãos”. Querendo ver justiça, denunciou: “as pessoas que têm mais dinheiro estão a ocupar os nossos espaços de lazer”.

Situação revoltante, pois a praia é de todos, é também de “nós pobres”, não apenas dos ricos. Para além da usurpação de um bem público, Paulo salientou que essas novas infra-estruturas contribuem para o aumento da poluição na zona, uma vez que, com o seu funcionamento, “o ar não é o mesmo”.

O que ditam a arquitectura e ambientalismo O engenheiro ambiental Isaac Sassoma, considera que as edificações de betão, logo, de carácter definitivo, erguidas na Praia Morena recentemente, são “um crime ambiental”. Na sua área académica, universalmente, a configuração e demais especificidades das diferentes praias ditam que tipo de edifícios e materiais deverão ser usados nas construções temporárias a erguer.

Todavia, em Benguela isto é sucessivamente desrespeitado. Com estas obras na areia, “estaremos a ferir as boas práticas do plano da orla costeira, acarretando vários problemas sociais, culturais e ambientais”, realçou o ambientalista, violando um direito público, de acesso à praia.

Conhecendo bem estas questões de “desordenamento” do território no litoral de Benguela, tendo feito já investigações documentadas a respeito, o arquitecto Felisberto Amado declarou que reprova essas empreitadas, quer por motivos profissionais quer pessoais.

Olhando para a Praia Morena, que já foi um dos maiores ícones de beleza natural da província de Benguela, hoje, o que o arquitecto vê é uma “anarquia, o não cumprimento de regras urbanísticas”, acusou. Não foi consultado enquanto cidadão ou no papel de arquitecto pois, se quem de direito o tivesse feito, Felisberto diria claramente que reprova essas construções na areia que têm “sido uma guerra com os benguelenses”.

Unidos, os benguelenses jamais serão vencidos’

Um Benguelense gritou “basta”, na manhã de Sábado, 27 de Janeiro de 2018, na sua página do Facebook, com a publicação de 17 fotos sobre a vedação do Pequeno Brasil e um texto de consciencialização.

O jornalista e jurista chamou a população da sua província a unir-se em prol desta causa e lutar para impedir a privatização da Praia Morena. Desde então, a sociedade civil está a organizar-se para vencer.

A escritora Paula Russa orgulha- se por ser benguelense. Vivendo na cidade das acácias rubras há quase seis décadas, afirma carregar Benguela na alma e no coração. Logo, apelou: “acabem com a vandalização do que é público.”

O seu repúdio quanto ao empreendimento em vias de ser erguido no Pequeno Brasil, subiu de tom na entrevista que concedeu, ao prometer: “querem guerra, vão ter guerra”, estando disposta a arcar com qualquer consequência. “É uma autêntica falta de respeito ao cidadão!”, enfatizou a também professora Paula Russa, analisando as construções anárquicas que invadiram e dominaram as praias de Benguela.

O Pequeno Brasil é um lugar do qual guarda doces memórias. Daí que, transtornada, a escritora expôs a sua indignação face a terceira construção privada no local, em cerca de dois anos.

“Nunca pude imaginar que, esta, que é a praia do povo que vive aqui no bairro ao lado, um dia fosse ser usurpada por meia dúzia de indivíduos que nem sei quem são”, lastimou. Indo ao cerne da questão, a docente questionou: “quem disse que na areia da praia é para construir?” A seu ver, “culpadas não são essas pessoas”, os proprietários dos projectos, “culpados são quem os autoriza”. Com profunda desaprovação, a letrada enunciou: “não bastou usurparem o Santo António, que hoje não tem espaço para se estar, as casas estão umas em cima das outras, virou praia de quem tem lá casa”.

Apoiando o movimento contra a privatização da Praia Morena, Paula Russa anunciou: “eu estou aqui em nome do cidadão de Benguela! Estou aqui em nome teu, meu e de toda essa gente que aqui está.”