O Caminho do ensino passa por uma cooperação sem preconceitos

O Caminho do ensino passa por uma cooperação sem preconceitos

Ainda está ao rubro as diversas opiniões sobre a possibilidade de cooperação ao nível do ensino com a suposta vinda de docentes cabo- verdianos. Inicialmente também me alarmei com o ‘rumor’, mas pelos ‘cacimbos’ que carrego, preferi não engrossar o exército dos ‘seguidores de vento’. Indignaram- me algumas intervenções feitas por respeitadas individualidades que mais me pareceram fomentar tendências xenófobas que opacaram os seus argumentos de razão. Sinceramente, sem medo de errar, acredito que mais de 50% da nova ‘elite’ de graduados com formação superior terá sido discípulo de algum professor expatriado.

POR: Miguel Filho

Portanto, a história do Sistema de Ensino angolano está prenhe de muitas páginas escritas por estrangeiros, tenham sido eles imigrantes, refugiados ou cooperantes. Num dos momentos mais sensíveis da nossa história como país, em 1978, desembarcou em Angola um contingente de professores cubanos da Brigada Che Guevara, na qual encontravam-se jovens com 18 anos acabados de completar. Estes foram colocados em escolas que leccionavam desde a 5ª à 8ª classe, nas cidades e algumas zonas periurbanas. A esses professores não lhes foi dada qualquer formação em português, mas trabalharam com os parcos meios que tiveram.

Naquela altura e sob orientação de um modo de produção comunista a consciência social era de solidariedade e partilha. Paralelamente, jovens angolanos, mobilizados por Brigadas da JMPLA denominadas Dangereux disponibilizaram-se a leccionar com kalashnikovs às costas, em comunas do interior. Nessa época, a palavra universidade era de outra galáxia porque a maioria dos intelectuais frequentava entre o 1º e o 3º ano do Liceu. Sob uma ideologia comunista, lançou-se uma campanha, desde a alfabetização, cursos acelerados de professores à organização dos cursos médios profissionais, embora estivesse coartada a possibilidade de livre escolha dos cursos e em muitos casos a formação nem sempre correspondeu às expectativas socioprofissionais da maioria dos alunos.

Recordo-me que em 1979 já os INE (Instituto Normal de Educação), vocacionados para a formação de professores, para a formação de docentes do Ensino de Base Regular e Pré-Escolar estavam instalados em pelo menos 10 províncias. Muitos destes graduados preencheram o ISCED (Instituto superior de Ciências da Educação) da Universidade Agostinho Neto, cuja sede era o Lubango. Na década de 80, face à relativa explosão escolar e ao défice de professores para o ensino médio e superior, assistiu-se a aterrizagem massiva de professores búlgaros e vietnamitas, também disponíveis para a labuta em condições difíceis.

“Até 1989/90, o ingresso nos IMN era feito através de uma Comissão Executiva Nacional de Encaminhamento (CENE), que se baseava no aproveitamento dos alunos e nas necessidades e prioridades relativas à falta de técnicos especializados nos diferentes domínios. Para além dos critérios gerais, os estudantes encaminhados para a docência não podiam ter notas negativas nas disciplinas nucleares, nomeadamente, em Língua Portuguesa, Matemática e História” (Filipe Zau, 2011). Os que terminavam o INE só lhes era atribuído o Certificado de conclusão do curso, depois de trabalharem, como professor, dois anos em localidades indicadas pela Delegação Provincial de Educação. Em todos esses anos, o Ministério da educação formou docentes em número suficiente para cobrir o subsistema de ensino não universitário. Gradualmente se foram degradando as condições laborais e diminuindo o poder de compra do salário, induzindo a migração de muitos professores para outros ofícios em busca de melhores condições sociais, consequentemente, abriu-se espaço para que trabalhadores de outras instituições fossem aos IMN, apenas para obter habilitações literárias.

ESTADO ACTUAL DA EDUCAÇÃO

O Sistema de ensino angolano encontra-se a um nível de exigência que nos obriga a ombrear com as melhores instituições da região, se virmos o número de graduados e pós-graduados formados nas mais diferentes instituições do mundo. Há necessidade de se repensar a actual Reforma Educativa ou seja reencaminhá-la. Repensar no sentido lato, envolvendo outras experiências de êxito, sem quaisquer complexos. Uma reforma educativa necessita de estabilidade e coerência, que guie e conduza a uma melhor educação, construir um consenso forte em educação é crucial para que um sistema tenha êxito e uma base social que o suporte. As críticas à educação são fáceis de proferi-las, na condição de ‘treinadores de bancada’, porém, nada prova de que nós, críticos, faríamos melhor, se fossemos os indicados, se tivermos em conta que os actuais Secretários de Estado dos subsistemas de ensino são jovens bem formados e com ‘cartas’ dadas no sector há mais de 30 anos.

Ouvindo a réplica do Secretário de Estado para o Ensino Geral, sobre a cooperação com cabo Verde, realçou a necessidade docente que o país tem em determinadas áreas, aventando a possibilidade de cooperação com distintos países. Não vi matéria para tormentos porque até os países mais desenvolvidos pugnam pelo intercâmbio docente, sem que tal, limite o ingresso de novos professores nacionais. A negação de culturas diferentes geralmente traz em sua essência o ódio, a animosidade, o preconceito, embora este possa provir também de outras raízes, como opiniões preconcebidas sobre determinados grupos ou colectividades, por pura falta de informação sobre eles; motivações políticas e outros tantos factores.

A esses fenómenos sociais costumam chamar-se xenofobia. No seu sentido mais restrito, a xenofobia tem como principal sintoma um medo descomedido e desequilibrado do desconhecido. Deste ponto de vista, ela é considerada uma doença, causada por uma ansiedade de teor significativo. As pessoas que apresentam traços tenazes de terror irracional e passam a evitar situações que consideram arriscadas podem, inclusive, ser susceptíveis a uma crise de pânico. Os angolanos devem aplaudir, sem complexos, todo o tipo de solidariedade porque nenhum país prospera caminhando a solo, seja no ensino ou em outras áreas de desenvolvimento.

A educação em Angola encontra-se em estado crítico, não se está garantindo às crianças e jovens o seu direito à educação gratuita, laica, obrigatória e sobretudo de qualidade. É responsabilidade de cada um de nós – alunos, professores, pais de família, autoridades, sindicatos, ONG e fundações que assumamos a nossa responsabilidade como actores da comunidade educativa. Para isso, necessitamos conhecer a fundo o estado da educação no nosso país e as possibilidades de resgatar a tão almejada qualidade de ensino. As situações preconceituosas vivenciadas nas instituições de ensino são recorrentes e complexas, exigindo que o professor receba formação que o habilite a lidar com cada caso e conte com políticas de gestão permanentes voltadas a combater a discriminação de forma ampla.

ONDE ESTÁ O PROBLEMA DA FALTA DE PROFESSORES

Com o fim da guerra, reabilitaram-se as estradas que permitiram a deslocação de pessoas, no entanto, pelas difíceis condições laborais e atrasos salariais nas zonas rurais, os professores migraram para as cidades. Alguns realizam, diariamente, viagens de ida e volta às escolas localizadas há mais de 50 quilómetros, sem quaisquer compensações salariais. Por isso, há que aumentar gradualmente a verba da educação no OGE. Há que promover a política de inclusão dos antigos gestores e cientistas nacionais do ensino para reflectir o encarrilamento de uma Reforma educativa mais consensual.

O ingresso de 200 mil professores implicaria o aumento de mais de 15 mil milhões de Kwanzas aos cofres do Estado que comparado com o orçamento atribuído à educação por alguns países vizinhos, é irrisório. Mas, será que temos este número de professores para resgatar a qualidade no ensino? Estarão as administrações locais preparadas para gerir a retenção dos professores no meio rural e evitar a ‘fuga’ para as cidades? Os parceiros dos órgãos de tutela têm a árdua tarefa de honrar a sua defesa em prol dos seus associados, mas há que recordar que o egoísmo não deve vingar, na hora de pensar o país, como um todo. A ansiedade tende a proporcionar desconforto ao nível do pensamento e toda a situação é percepcionada como perigosa, existindo muitas vezes uma generalização negativa do contexto.