Poly Rocha: O comandante vencedor

Poly Rocha: O comandante vencedor

O nosso interlocutor é Poly Rocha, vencedor da última edição do Carnaval de Luanda, pelo grupo União Recreativo Kilamba. Entretanto, o seu nome já antes tivera entrado na galeria dos vencedores, quando representava o União Sagrada Esperança. É com este jovem comandante que OPAÍS conversou, sobre os meandros do seu percurso como carnavaleiro.

POR: Jorge Fernandes

Vem de uma família de ilhéus, todavia, ao que sabe, nunca chegou a dançar com a prata da casa (União Mundo), mas ficou conhecido pelo Sagrada Esperança, embora já não esteja vinculado a esse grupo. Como é que tudo começa?

Pois. A história é bastante complexa, pelo facto de quando muito mais jovem não ter tido interesse algum pelo Carnaval. Não gostava, muito menos me sentia envolvido. Muito porque o Carnaval ainda é muito estigmatizado, no sentido de muita gente ainda o considerar como uma festa pagã, de pobres, para pessoas baixas, enfim. Nas décadas de 1980 e princípios de 1990 também era assim que eu, infelizmente, pensava. Apesar de na companhia de familiares, algumas vezes irmos ver o nosso grupo desfilar na Marginal, ainda assim não me sentia comovido.

O que é que lhe motivou então?

No ano 2000, fui convidado para integrar o União Operário do Rangel e, não sei por que carga de água, aceitei. Por ironia do destino, fui logo indicado como comandante, e lá fiquei até ao ano 2002. Mesmo adquirindo essa experiência e já no activo, mesmo assim não dava tudo de mim para estar mais por dentro. Desse período, até ao ano 2005, em que deu abertura o Sagrada Esperança, andei parado. Continuava indeciso, pelo que apenas aceitei no ano seguinte. E aí fiquei até 2015, altura em decidi deixar o grupo porque tinha outras perspectivas para continuar e era, por isso, necessário que abandonasse o grupo e rumasse para um outro desafio, que era deixar de dançar, pois a minha intenção era tornar-me num crítico sobre Carnaval, com a experiência até então ganha podia muito bem contribuir para o melhoramento e engrandecimento do nosso Carnaval.

O que é que aconteceu, de facto, pois vimo-lo em curto espaço de tempo como integrante de um outro grupo, em que muitos deles eram dissidentes do Sagrada Esperança e aparece também na posição de comandante, tendo inclusive ganho no primeiro ano (2015)?

Falo por mim. O que terá motivado os outros a deixar o grupo, cada um deles sabe das suas razões. Entretanto, posso enumerar alguns dos meus motivos. Um deles foi o facto de ter, antes, tomado a decisão de não mais dançar o Carnaval. Sou bastante dedicado às coisas que faço, e quando as faço é para que sejam muito bem-feitas. E, por causa desse meu perfeccionismo, algumas das minhas coisas tinham que ser deixadas de parte, para dedicar- me de corpo e alma ao entrudo. Como tal, toda a pessoa que trabalha bem espera obter um bom resultado, que não passa apenas pela victória, que é consequência do trabalho, mas até quando trabalhar por amor à camisola? Foram alguns desses questionamentos que me levaram a reflectir.

Não disse ainda exactamente o principal motivo que o levou a sair e muito menos a integrar o Recreativo Kilamba e não do Kilamba, como erradamente se está a chamar?

Exactamente. Vou lá chegar. O nome é uma homenagem ao Centro Recreativo Kilamba, mas é bom dizer que não temos qualquer vínculo com a casa, embora estejamos abertos para eventual parceria. E muito menos somos do Kilamba “Centralidade”, mas do Nelito Soares, o nosso bairro e casa de cultura que muito faz para o desenvolvimento das artes. O grupo é constituído por ex elementos do Kiela, Sagrada Esperança e do Tunessa.

Prosseguindo…

A outra coisa, como já disse atrás, era me tornar crítico carnavalesco um desiderato que hei-de cumprir quando definitivamente abandonar as pistas e ficar nos bastidores. Não o fiz antes porque não fica bem enquanto comandante, pois as minhas análises podem ser vistas como parciais e não é o que pretendo. Em todo o caso, já havia alertado antes o grupo de que quando ganhássemos por duas vezes consecutivas havia de abandonar o grupo, e isso aconteceu precisamente em 2014 e 2015. Inclusive, nesse último ano, apareci como comandante de apoio, pois estava a passar o meu testemunho ao novo comandante, e, ao ganhar, senti que já devia deixar o grupo, embora já tivesse essa pretensão desde muito antes. Também estou consciente de ter havido rumores e especulações sobre a minha saída, foram falácias, mas o certo é que a decisão foi muito pessoal, por algumas razões já aqui afloradas. Daí que reitero: saí por livre e espontânea vontade, e sinto-me honrado por ter contribuído para o desenvolvimento do grupo e o ter deixado na mô decima.

E o que o fez mudar de opinião e integrar o União Recreativo Kilamba?

Depois de ter deixado o grupo, e já consciente de que não dançaria mais. Fui contactado por algumas pessoas amigas, algumas delas dissidentes do Sagrada, a me darem a conhecer que estavam a criar um grupo e que gostavam do meu contributo. Obviamente, neguei inicialmente, mas depois de várias tentativas dei a mão e decidi arriscar, apesar de muitas interrogações pelo facto de ter que começar do zero novamente, uma vez que já havia construído uma estrada com o meu então grupo, enfim, acautelei vários prós e contras e ainda assim arrisquei e decidi embalar nesse novo desafio.

Quer com isso dizer que não é o mentor do grupo União Recreativo Kilamba?

Não foi, de maneira alguma, minha iniciativa, pois o grupo tem um conselho de direcção e eu não faço parte como presidente, nem como vice, embora pertença à direcção. Como ia dizendo, os companheiros estavam tão engajados e quase que fiquei sem muitas alternativas, daí que aceitei. Inteiramo-nos sobre os procedimentos, isso ainda em 2015, competimos na liguilha (concurso de apuramento para classe B e os desclassificados da A), depois de termos concorrido, conquistamos o primeiro lugar (primeira victória) e no ano seguinte fomos para classe B. nesta classe, depois de muito afinco, logramos também o primeiro lugar, isso em 2016. Ascendemos para classe A no ano seguinte e conseguimos o segundo lugar, ficando logo a seguir ao União Mundo da Ilha. Este ano foi o inverso, conquistamos o primeiríssimo lugar, enquanto ao Mundo, por dois, pontos coubelhe o segundo lugar.

Estão há pouco menos de três anos enquanto grupo, embora a maior parte dos integrantes viesse de outros grupos já “calejados”, com bastante experiência acumulada. Qual é o trunfo para este sucesso?

O que lhe podia dizer, numa só palavra, é organização. Nós trabalhamos com a devida antecipação e primamos em fazer bem e melhor, apesar das nossas dificuldades. O dinheiro que é pago aos vencedores é apenas um terço daquilo que nós investimos. Só para ter uma ideia, gastamos cerca de 14 milhões de Kwanzas e o vencedor recebe apenas três. É uma gota no oceano. Dançamos não por dinheiro, mas porque sentimos que o Carnaval é uma mistura de artes combinadas. Temos artes plásticas, dança, teatralização, música, enfim. É uma manifestação que começa apenas no dia do desfile e nem termina com o anúncio dos vencedores.

Tem a pretensão de um dia vir a ser crítico de Carnaval. Se tivesse a oportunidade de mudar alguma coisa no Carnaval de Luanda, o que é que mudaria?

Objectivamente, tudo. As políticas antiquadas, a organização, é preciso lembrar que os grupos precisam de tempo de preparação. Duas semanas antes de o desfile receber- se os subsídios de apoio é um erro tremendo. Precisamos de aliar sempre o tradicional ao moderno, mas sem perder de vista a base e a essência da cultura angolana.

Percurso

Poly Rocha provém de uma família de carnavalescos, mas foi com o grupo Sagrada Esperança que ficou conhecido na arena carnavalesca de Luanda. Nesse grupo em que ingressou como comandante em 2006, conquistou diversos títulos, sendo três deles da classe A. A trajectória vitoriosa começa em 2009, quando atinge o 3º lugar, a mesma proeza que alcança no ano seguinte. Já em 2011, conquista o 1º lugar e posteriormente o 2º e o 3º, nos dois anos subsequentes. Já em 2014 e 2015 alcança, consecutivamente, o 1º lugar, tanto em adultos como na classe infantil. Mudando de ares, já abraçando um novo desafio, desta feita o Recreativo Kilamba, a nova revelação do Carnaval luandense, fundado a 27 de Julho de 2015, sob o seu comando alcançou a primeira grande vitória este ano, um feito que pretendem manter nas próximas edições.