Stephen Hawking, uma lição de superação dos limites da vida humana

Stephen Hawking, uma lição de superação dos limites da vida humana

Os últimos dias foram marcados pela desaparição de um génio, admirado até pelos não estudiosos. Este escrito vem recordar Stephen Hawking por ser uma referência ímpar do século XXI, na hora de apelarmos a nossa consciência ou a do nosso próximo, em não desistirmos perante os desafios que se nos apresentarem os hipotéticos limites da vida humana.

POR:Miguel Filho

Quantos potenciais Stephen Hawkings deambularão pelas ruas das nossas cidades sem que alguma mão caridosa se estenda para que tenha uma oportunidade de ser mais útil à sociedade. Já dizia o conceituado jornalista Sala Neto, recordando os seus tempos em que ‘dava cartas’, intelectualmente, na escola Emídio Navarro e rejeitado, a posterior, uma oferta de trabalho numa recém-criada Sonangol, para iniciar como estafeta. Segundo o Salas, se naquela altura tivesse aceitado o posto, a probabilidade de crescimento na petrolífera lhe teria aberto outros horizontes intelectuais.

Concordamos todos que se Stephen Hawking tivesse nascido em Angola, o prognóstico que lhe fora dado, pelos médicos, de que não ultrapassaria os 24 anos de idade se teria cumprido e não passaria de mais um diminuído físico, cuja capacidade intelectual seria de todo desconhecida pela humanidade e com uma morte anunciada prematuramente. Assim em Angola e em muitos outros países, muitos génios se têm esfumado na indigência a que estão votadas as famílias, pelo tipo de governação ou por políticas de exclusão social que vincam simetrias capazes de coexistirem, no mesmo espaço-nação, alunos sem acesso à escola, com outros em escolas cuja propina mensal no ensino pré-escolar ultrapassa o rendimento anual da maioria das famílias. Assistimos a um febril desejo de ver os nossos descendentes com títulos de licenciatura, como se o simples ‘canudo’ representasse a única garantia de êxito profissional, mas quanto mais população universitária as instituições registam, mais nos convencemos que o pretendido ‘pensamento crítico e reflexivo’ se distancia entre as habilidades requeridas desse nível de escolaridade.

HÁ QUE DESPERTAR NOS ALUNOS O PENSAMENTO CRÍTICO E REFLEXIVO

Os movimentos estudantis são sempre viveiros de revoluções de toda índole, tanto sociais quanto científicos, talvez pela necessidade de descarga das energias próprias dessa faixa etária. Em Angola verifica-se uma tendência diferente ou a uma velocidade muito lenta. Pessoas há que consideram essa inércia, como consequência de um longo período de proibições de tudo, implicando a cultura da aceitação do ‘tudo’ porque “as ordens superiores” eram contra o livre arbítrio. Outros alegam o envolvimento da juventude escolar em programas governativos com elevado pendor partidário. O certo é que ninguém teve a iniciativa ou coragem de resgatar essa força activa do imobilismo a que fora hibernado. Sinto alguma dificuldade de identificar filosoficamente o comportamento da nossa massa estudantil, se considerarmos que o metafísico Dühring considerou que “o contraditório é categoria que só pode referir-se à combinação de pensamentos, mas de forma alguma à realidade”, quer dizer, na compreensão metafísica do desenvolvimento não há lugar para o aparecimento do novo: o desenvolvimento é adstrito aos limites do velho.

Já Lénin considerou “A dialéctica, no seu sentido exacto, é o estudo das contradições na própria essência dos objectos (…)”. Se a ciência admitisse tal concepção, chegaria à absurda conclusão de que a Terra e todo o mundo orgânico e inorgânico, existentes há milénios, são imutáveis. A “Teoria do Equilíbrio” afirma que é possível conciliar as contradições e equilibrar os contrários. No entanto, nos nossos tempos de escola, estudamos que a concepção dialéctico- materialista do desenvolvimento como luta entre os contrários é o único sistema científico de concepções que reflecte fielmente o quadro real do desenvolvimento do mundo objectivo. Assim sendo, qualquer que seja o fenómeno, objecto, processo da natureza, da sociedade ou do pensamento que estudemos, sempre descobriremos a luta entre forças, tendências, correntes, etc., opostas. Com mais ou menos filosofia, precisamos sermonear aos estudantes que não devemos esperar por um mundo de iguais, pura fantasia. Juventude é sinónimo de ousadia. Quem teme perder já está vencido. Somente se aproxima da perfeição quem a procura com constância, com sabedoria e sobretudo, com muita humildade.

Os jovens universitários não se devem escudar na mesmice de conhecimentos livrescos publicados há mais de 50 anos que tornam a ciência monótona e estanque. Se navegarmos nas obras muito solicitadas de Stephen Hawking pode ser que terminemos de ler o seu livro e continuemos sem entrar no imaginário do universo por ele visto, porque apesar das suas limitações físicas, pensava para além do raciocínio de um ser terrestre nos limites do Universo. Por exemplo, sobre a descoberta de Albert Einstein, em 1905, de que “o tempo não corre da mesma maneira em todos os lugares”. Se um relógio está parado (em repouso, diriam os físicos), seus ponteiros vão mais devagar em comparação a um relógio em movimento. Esse é um dado comum na física actual e está incorporado a toda a tecnologia contemporânea. Hawking não gastou esforços em áreas que a ciência já conquistou: a riqueza e a dramaticidade do seu relato deveram-se justamente ao facto de ele percorrer com destemor os limites nunca vistos e muito menos testados pelo homem. A isso, chama-se também bravura. Certamente que a realidade das nossas instituições de ensino é desencorajante, agravada de uma mentalidade política que não valoriza a investigação científica. Mas então, como promover o pensamento crítico reflexivo que impulsionará os nossos estudantes a pensarem para além do nosso horizonte? Dewey (1959), sobre as fases do acto de pensar, diz que: “Para pensar verdadeiramente bem, cumpre-nos estar dispostos a manter e prolongar esse estado de dúvida, que é o estímulo para uma investigação perfeita, na qual nenhuma ideia se aceite, nenhuma crença se afirme positivamente, sem que se lhes tenham descoberto as razões justificativas”.

FORMAÇÃO DE PROFESSORES COMO MEIO DE LIBERTAÇÃO DO INTELECTO

A verdadeira liberdade, em suma, é intelectual; reside no poder do pensamento exercitado, na capacidade de virar as coisas ao avesso, de examiná- las deliberadamente, de julgar se o volume e espécie de provas em mãos são suficientes para uma conclusão e, em caso negativo, de saber onde e como encontrar tais evidências. O movimento no sentido de encarar os professores como práticos reflexivos é também uma rejeição de reformas educacionais concebidas de cima para baixo que veem os professores apenas como implementadores de programas e de ideias formuladas por ‘experts’ em seus gabinetes, desconectados dos problemas do dia-a-dia de nossas salas de aulas. Essa ideia traz consigo o reconhecimento de que os professores possuem saberes, crenças, teorias que podem ser importantes para o aperfeiçoamento do ensino, para o seu desenvolvimento enquanto profissional da educação. Por isso, parafraseando Nóvoa (1992), destacamos que é a formação docente, processo contínuo, que se produz a profissão docente. É nesse contexto que acontece a profissionalização do professor.

No processo de formação “… os professores têm de se assumir como produtores de ‘sua’ profissão”. Nós professores, devemos evoluir no exercício docente para métodos de ensino que promovam a liberdade de pensamento do estudante. É imperioso o conhecimento das teorias pedagógicas contemporâneas para evitar mergulhar em métodos despersonalizados que nos conduzam, sem querer, ao método socrático de ensinamento, praticado à base de perguntas e respostas. A Educação Democrática de que sou adepto e promotor induz ao pensamento crítico reflexivo, tanto aos professores quanto aos alunos, é essencial e pode ajudar-nos, por exemplo, na identificação de problemas reais e potenciais; a tomar decisões sobre um plano de acção; a reduzir riscos de obter resultados indesejáveis; a aumentar a probabilidade de alcançar resultados benéficos e a descobrir maneiras de nos melhorarmos, de contribuir para o aprimoramento de nossa equipa e de nossa prática. Pensar ou reflectir criticamente pode a princípio, não ser uma actividade fácil, mas se de facto acreditarmos que esta atitude pode nos transformar enquanto pessoas e também profissionalmente, podemos fazer do pensamento crítico um exercício diário, o que certamente nos auxiliará a questionar a realidade, buscar e seleccionar respostas e alternativas e a criticar as nossas próprias ideias e as dos outros.