Fome não larga os habitantes de Lómia, no Caimbambo

Fome não larga os habitantes de Lómia, no Caimbambo

Depois de a localidade do município de Caimbambo, província de Benguela, ter merecido a atenção do Governo, que a abasteceu com alimentos, sementes e demais bens, em finais de 2017 e princípios deste ano, os moradores fazem contas apertadas para a estação do Cacimbo

POR:Alberto Bambi,Virgílio Pinto e Pascoal Manuel

O soba de Lómia, João Lulambo, revelou a OPAÍS que o que mais a população da sua localidade anseia é ver água a correr pelo rio local, para salvá-la da fome que anualmente assola a zona, sobretudo na estação seca, com o agravante de chegar até Dezembro. “A partir de Junho, vamos ter muita fome aqui, se não se fizer um esforço de desviar água para o nosso rio Lómia, que está próximo das nossas lavras, pois, a situação que acabámos de viver não é nova, só é a primeira vez que se escutou pela rádio e se viu pela televisão”, disse o ancião, que perdeu a conta da sua idade que acha estar para lá dos cem anos.

O decano, que se pronunciava em língua Umbundu, prontamente traduzida por Fernando João Cassissa, o seu filho mais novo que conta com 50 anos de idade, disse ter chegado à referida localidade em 1947, por mão dos colonialistas portugueses que o destacaram como capataz para controlar as cercas de sisal, então existente na área. Segundo o Velho Lulambo, como é respeitosamente tratado pelos aldeões, a comunidade de Lómia é das regiões do Caimbambo mais afectadas pela seca, ao ponto de não receber chuvas com regularidade mesmo quando o período é chuvoso, razão por que os habitantes da mesma se vêm a braços com a procura de alternativas para a subsistência.

Mesmo com as ofertas recentes, os cidadãos dessa localidade do Caimbambo submeteram-se a fazer apenas duas das três refeições requeridas por dia, para economizarem ao máximo e garantirem, ao menos, o sustento da primeira quinzena de Junho, conforme referiram a esta reportagem. “Mas não se deve passar a ideia de que somos preguiçosos e só vivemos à espera de quem nos dá comida. Pelo contrário, o povo daqui não gosta de pedir, e se fazemos isso é porque a situação chegou ao extremo”, observou o velho Lulambo, realçando que os seus conterrâneos eram notáveis cultores de cereais, principalmente do milho, massango e massambala, que são produtos básicos para a produção de farinha.

Hbitualmente, de Fevereiro a Abril, os moradores de Lómia fazem uma reserva de produtos agrícolas que, para além de garantir o sustento das famílias, também serve para a venda, soube este jornal do velho Lulambo, para quem se torna imperioso que as pessoas percebam a essência das dificuldades alimentares por que passam os nativos e outros residentes. “As poucas chuvas que caem em Lómia, começam quase no fim de Fevereiro e vão até Abril. É fácil perceber que preparamos a terra em Janeiro, enquanto aguentamos o último período de fome, e as culturas, umas demoram três e outras seis meses, então, a colheita pode acontecer no fim de Abril e em Maio, mas nós temos de comer todos os dias e descontar os custos custos com o material escolar, medicamentos e instrumentos agrícolas, além dos utensílios de cozinha, roupa, transporte, e outras necessidades, a partir das nossas produções”, esclareceu o soba.

Três rios podem ter água”

Para explicar, ao detalhe, sobre a grande pretensão dos moradores de Lómia, o Soba Lulambo recorreu às experiências por si testemunhadas no tempo colonial, adiantando que, quando se canalizava a água para a irrigação periódica e regular do sisal e de outros produtos que os portugueses queriam que fossem cultivados em Lómia e arredores, como o tomate, melancia, abóbora e certos arbustos com caules e folhas comestíveis e medicinais, os portugueses desviavam a água do rio Halo para o Cachitende e deste para a corrente fluvial da região da fome. “Hoje, é possível fazer isso sem grandes transtornos, porque assim os três rios podem ter água e a produção estaria garantida”, assegurou o soba que, apesar de estar consciente de que se trata de três rios intermitentes, referiu que a quantidade de água diminui consideravelmente do primeiro para o terceiro, que é teoricamente seco. Para os que se deslocam do município sede do Caimbambo para arredores de Lómia, rumo à comuna de Bambi, passam pela ponte dos quatro rios, posicionados de forma paralela, numa distância de menos de três quilómetros entre um e outro. Refira-se que o Governo instalou uma bomba de sucção de água subterrânea para atenuar o consumo e confecção de refeições.

Não foi só a manga verde, mas o mungo”

Outras mulheres aproveitaram a ocasião para desmitificarem a informação segundo a qual as mangas verdes teriam sido o único recurso da população durante o período de pobreza extrema, tendo realçado que uma erva daninha e por si denominada como mungo, é a que mais socorreu os aflitos habitantes de Lómia. “Não é só a manga verde que nos salvou, até foi mais a mungo, porque aqui na aldeia temos muito essa erva e podíamos comer fervida ou com funje, quando aparecesse um pouco de fuba”, detalharam Florinda Tchikava e Júlia Kawape, concedendo vantagem a este produto da natureza em detrimento da manga que era comida fresca, verde, e algumas vezes, fora de época. As senhoras que transformavam, de forma artesanal, a massambala em fuba, adiantaram que, em condições normais vendem galinhas e patos entre 400 e 700 Kwanzas, mas, quando a fome aperta fica-se pelo primeiro preço.

Quanto aos cabritos, são vendidos entre os cinco e três mil, não ficando acima deste último valor, nas fases críticas. Já o porco, normalmente orçado entre seis e oito mil, tem sido vendido naqueles mesmos preços num kit forçado que envolve dois animais (bode e porco). As senhoras lamentaram pelo facto, de nessa altura, registar-se uma correria para Lómia, por parte de dirigentes do município e outros forasteiros para adquirirem os animais a baixo preço, ao invés de se preocuparem mais com a solução dos seus problemas. “Até há uns que esperam mesmo essa época, para mandarem seus familiares ou trabalhadores comprarem porcos e cabritos”, pormenorizaram, tendo acrescentado que outros mais experimentados faziam-se acompanhar de produtos como peixe seco, fuba, arroz, sabão, óleo e sal, para permutá- los com os produtos locais.

“Boi não se vende à toa”

Pelo facto de a região ser um potencial criador de aves e gados suíno, caprino, ovino e bovino, foi interrogado se os mesmos não garantem alguma alternativa para minimizar a fome durante o cacimbo, o centenário esboçou um sorriso irónico, tendo, em seguida declarado que essa era a inquietação e impressão de todos os visitantes de Lómia. “Nós até temos aqui um mercado onde todos os dias se vende galinhas, patos, porcos e cabritos, mas o boi não se vende à toa, porque é herança de uma família que deve passar de geração em geração, é a nossa tradição”, referiu o soba, ao ponto de dizer que, na sua comunidade, um rapaz ou uma rapariga de 16 anos já podia ter o mesmo número de cabeças de gado. Nessa altura, sua esposa, Maria Vita, interveio, reforçando que as pessoas tinham que perceber que “os cabritos e os porcos não carregam charrua, nem carroças”. A idosa referiu-se ainda ao faco de as vacas garantirem o leite que, em tempo de fome, e o único acompanhante do funje de milho, massango massambala.

Administrador minimiza situação

Embora tenha recusado a prestar entrevista a O PAÍS, o administrador municipal do Caimbambo, José Kambiete, minimizou dizendo que a situação tinha ganhado um novo quadro, porque já caía chuva na zona e a população estava animada a cultivar. “Também é preciso dizer que a situação de Lómia afectou mais os órfãos, deficientes, velhos e crianças”, detalhou o administrador, que falava junto do 2º secretário municipal do MPLA, que acenava positivamente, enquanto ouvia o seu superior hierárquico. A conversa curta, que ocorreu na sede municipal do referido partido, terminou com a garantia do responsável máximo do município de que alguma coisa se estava a fazer, a fim de se evitar que os povos de Lomia revivam o quadro desolador.

com caules e folhas comestíveis e medicinais, os portugueses desviavam a água do rio Halo para o Cachitende e deste para a corrente fluvial da região da fome. “Hoje, é possível fazer isso sem grandes transtornos, porque assim os três rios podem ter água e a produção estaria garantida”, assegurou o soba que, apesar de estar consciente de que se trata de três rios intermitentes, referiu que a quantidade de água diminui consideravelmente do primeiro para o terceiro, que é teoricamente seco. Para os que se deslocam do município sede do Caimbambo para arredores de Lómia, rumo à comuna de Bambi, passam pela ponte dos quatro rios, posicionados de forma paralela, numa distância de menos de três quilómetros entre um e outro. Refira-se que o Governo instalou uma bomba de sucção de água subterrânea para atenuar o consumo e confecção de refeições.

Razão do Nome

A região de Lomia possui sete aldeias, designadamente Catala, Calupele, Caondyo e Cainambo, bem como Limbwata, cachima Vivo e Cainhandute, de acordo com o soba João Lumbala, que falou da sua responsabilidade por outras aldeias mais próximas da circunscrição que lidera. O soberano esclareceu que o nome dessa localidade se deve ao facto de ser uma zona de muito gado bovino. “Então, antigamente, quando as manadas passavam levantavam muita poeira, ao ponto de este pó obrigar os circunstantes a cobrirem os olhos ou arriscarem- se a uma doença ocular”, relatou o seculo, rematando que esta poalha, na língua africana local, se denomina lómia.