Ganhar a vida atado a cordas

Ganhar a vida atado a cordas

A equipa de reportagem de OPAÍS viveu, por alguns instantes, a experiência de se ficar suspenso por uma corda. Não para limpar fachada de um edifício ou fixar iniciais ou a logomarca de uma empresa, mas para entrevistar aqueles que vivem correndo riscos nas alturas

POR: Paulo Sérgio
fotos de Daniel Miguel

Ter a vida suspensa por duas cordas que, alegadamente, suportam mais de 200 toneladas, em edifícios de dois a cerca de 30 andares é o desafio que diariamente dezenas de jovens enfrentam para garantir o sustento de suas famílias. Uma das cordas chama-se linha de vida (a que suporta o peso do escalador ou alpinista) e a outra é a alternativa. Ambas garantem a sua segurança no ar. Presos a estas cordas, num dos edifícios de dois andares do Condomínio Alpha Escritórios, em Talatona, Luanda, jornalistas de OPAÍS falaram com Santos Kitongo, 28 anos, dos quais, seis sustentando a sua família com o dinheiro que arrecada dessa actividade. Para afugentar o medo que se apossou do repórter, transmitindo -lhe confiança, Santos Kitongolargou as cordas e, fixando os seus pés na parede, abriu os braços.

“Estamos seguros. Pode largar. Estas cordas suportam toneladas”, disse o jovem. A sua total confiança de que estava seguro, explicou, assentava no facto de ter sido ele próprio a amarra- la a alguns dos pilares centrais do edifício (a partir do terraço) e a experiência adquirida pelas inúmeras vezes que realizou tal actividade ao serviço da empresa Prometeus. “Estou seguro. Fomos nós próprios que fizemos as nossas amarrações, no sistema de alpinismo”, frisou . Acrescentou de seguida que “se o ID falha (o objecto que fixa uma das cordas nas proximidades da cintura e funciona como volante), a chante (outro objecto que serve de suporte e não pode ficar a mais de cinco metros de distância do braço) pega e vice-versa”. Para si, a distância que nos separava do solo era quase ínfima, se comparada a de 25 andares do edifício do Banco Económico, o nº 8, da rua 1º Congresso do MPLA, na Ingombota, onde tem participado no trabalho de limpeza da fachada.

“É, até ao momento, o edifício mais alto em que participei na limpeza. A minha primeira experiência não foi fácil, mas, com determinação, o ser humano consegue tudo o que quiser”, frisou. Para serem admitidos neste emprego, os candidatos passam por um rigoroso teste de saúde e teste nas alturas, onde só os melhores alpinistas, segundo Santos Kitongo, são admitidos. Depois disso, os cuidados de saúde continuam. Anualmente, Santos Kitongo e os seus colegas são submetidos a exames médicos duas vezes por ano, a fim de se avaliar se continuam ou não aptos para escalar os edifícios que tentam “arranhar os céus” de Luanda, por via das entidades que recorrem aos serviços da sua empresa. “Temos direito a seguro de saúde e de risco. Tem sido uma boa experiência. Há muita adrenalina e, como qualquer outra profissão, também é cansativa”, afirmou.

Nó que assegura a vida

Antes de descer, a nossa equipa acompanhou a forma cuidadosa com que Nelson Bernardo João, outro alpinista, amarrava as cordas, sobre as quais desceria, num dos pilares centrais que suportam um dos seis edifícios do referido condomínio. De forma descontraída, contou que cada nó que fazem, nestas circunstâncias, representa a segurança de quem vai descer pela corda e a garantia de que regressará a casa do mesmo modo que saiu: em vida e bem de saúde. Disse ainda que, além da assistência médica garantida, anualmente beneficiam de uma a duas acções de formação sobre técnicas de alpinismo, como refrescamento. Inicialmente, havia sido contratado para exercer o serviço convencional de limpeza em instituições públicas e privadas, mas, com o passar do tempo, a sua empresa seleccionou alguns funcionários para actuarem neste ramo.

Passados cerca de dez anos, o alpinista considera esta profissão semelhante e relevante como qualquer outra, apesar dos riscos diários. “O medo que sentia no princípio desapareceu com o tempo. Para mim, hoje, essa profissão é como qualquer outra”, frisou. A sede do Banco de Poupança e Crédito (BPC), localizada no Largo Major Saydi Mingas, Marginal de Luanda, foi o primeiro edifício de 26 andares que os referidos alpimistas escalaram no encerramento do primeiro curso do género promovido pela sua empresa. Para se ter uma ideia, o prédio tem um total de 96,17m e comporta 26 andares, sendo 21 destinados a escritórios e os restantes cinco considerados pisos técnicos. Como acontece em qualquer formação, alguns reprovaram e outros, com o passar do tempo, abandonaram esta profissão. “Foi neste edifício, na época o mais alto da província de Luanda, onde fomos fazer a aula prática de enceramento do nosso curso de alpinismo”, recordou Nelson João.

Cuidados a observar

Os profissionais que exercem esta actividade, por razões de saúde devem observar alguns cuidados um dia antes, como, por exemplo, abster de perder noites , de consumir bebidas alcoólicas e de manter relações sexuais repetidas vezes, entre outros. “Obedecemos a estas regras para no dia seguinte estarmos em forma, a fim de conseguirmos realizar as nossas tarefas. Se um técnico estiver ressacado, ao estar aqui em cima, terá dificuldade para encarar a altura. Pode mesmo ter vertigens ou má disposição”. Apesar de contar actualmente com o apoio incondicional da sua mulher, conta que no princípio não foi fácil ela aceitar. Apontou o Hotel Presidente Meridien, num dos extremos da Avenida 4 de Fevereiro, em Luanda, como um dos edifícios mais altos que já limpou.

Este prédio tem uma estrutura arquitectónica, segundo dados sobre a sua construção, que se desenvolve a partir de dois volumes sobrepostos: sendo um paralelepípedo rectangular “deitado”, com quatro pisos, como um embasamento que prolonga a cércea dominante dos edifícios confinantes; e uma torre, também retangular, com vinte e cinco pisos, que se ergue sobre a cobertura da base, suspensa em pilotis. Para além de procederem à limpeza de exteriores de edifícios, os alpinistas têm sido frequentemente requisitados para participarem em operações de fixação de nomes ou logo-marcas de empresas, bem como para a fixação de publicidade em paredes de edifícios. Já realizaram tais actividades nas províncias de Malanje, Benguela, Huíla, Huambo, entre outras. “Também realizamos trabalho de pintura nas alturas”, realçou Nelson João. Quanto à alimentação, contou que, por vezes, fazem as refeições antes de subir, assim que descem sentem-se como se não tivesse saciado a fome. As equipas são constituídas por cinco, sete, até dez pessoas, em função do tamanho do edifício, o que influencia no tempo de duração da lavagem.

Preparando a aposentadoria

Entre os membros da equipa de sete cidadãos que vão lavar os sete edifícios de dois andares do referido condomínio, no período de 11 a 30 do corrente mês, está o senhor Gomes Paulino, de 45 anos, dos quais nove trabalhando nas alturas. O mais velho da equipa explicou que, durante a formação, foi informado de que esta actividade só pode ser exercida até aos 48 anos de idade. O seu maior temor, de momento, é ser encaminhado, dentro de três ou quatro anos, para uma das empresas públicas ou privadas onde os seus colegas se encarregam da limpeza de escritórios, por auferirem um salário inferior. Apesar de se terem recusado a revelar os seus salários, OPAÍS apurou, de outras fontes, que acrescidos os subsídios de risco, alimentação e transporte, a soma fica estimada em cerca de 100 mil Kwanzas. Sempre que forem efectuar a limpeza de um edifício que não faz parte do contrato, recebem um prémio de produtividade, designado de nota 5, que varia em função do tamanho do mesmo. Os nossos entrevistados foram unânimes a afirmar que nunca registaram qualquer acidente. A equipa de alpinistas abordada por OPAÍS é constituída por Gelson Costa, Santos Kitongo, Joaquim Kalefele, Gomes Paulino, Ricardo Kakupa e Nelson João.

Regalias

Subsídio de risco. Subsídio de alimentação. Subsídio de transporte.