Crise “desfaz” casamentos

Crise “desfaz” casamentos

O número de casamentos celebrados em conservatórias de Luanda no ano passado e no primeiro semestre deste ano baixou em relação aos anos anteriores, como resultado da crise económica que o país atravessa, de acordo com alguns conservadores. todos aqueles que lucram com os casamentos, como os salões de festas, fotógrafos, hotéis, etc., sentem o impacto maior, com a redução de serviços contratados e adiamento de festas.

  • Texto de: Maria Teixeira
  • Fotos de: Virgílio Pinto

Que a crise económica tem afectado a economia, as famílias e as empresas nos últimos anos, isso já não é novidade. Assim, não ficaram de parte os serviços que dependem dos casamentos, uma vez que se sente uma baixa significativa, apesar da vontade de muitos casais de contrair o matrimónio,. OPAÍS andou por algumas conservatórias e lojas de registo da cidade capital para ter noção de quantos se casam e/ou deixam de se casar neste momento de crise e alguns conservadores afirmaram que houve um decréscimo nos casamentos, na ordem dos 40%. Lá se foram os anos em que muita gente se casava, como em 2007, 2008 e 2009.

Os dados da 3ª Conservatória, por exemplo, mostram que de Janeiro a Dezembro de 2017 estavam preparados para o matrimónio 865 casais, mas só conseguiram efectivar a celebração 821 (menos 44 casamentos). Já no Iº trimestre do presente ano estavam preparados para o enlace matrimonial 367 casais e foram realizados 188 casamentos.

O responsável, que não quis dar entrevista, confirmou o decréscimo resultante da crise, mas acredita que no mês de Dezembro, em função da bonança que se regista, normalmente o número aumenta. Já na 7ª Conservatória, no primeiro semestre do presente ano tiveram 1.179 celebrações civis, enquanto entre Janeiro e Junho de 2017 foram 1.277, numa clara evidência de decréscimo.

Para ajudar na comparação, o conservador apresentou-nos os dados do mesmo período, de 2014, antes da crise, que foram 1.209 casamentos; quando no primeiro semestre de 2015 ocorreram 1.202 casamentos. Rumamos para a loja do registo civil do Cassenda, que realizou, de Janeiro a Dezembro de 2017, 109 casamentos e no presente ano, no primeiro semestre os números estão nos 37 casamentos.

Segundo o conservador desta loja, inaugurada em 2014, houve uma redução enorme de realização de casamentos, mas, apesar disso nunca concretizaram nenhum caso de divórcio. Falando em divórcio, uma prática também comum quando há “crises nos casamentos”, contrariamente ao que prevíamos, as nossas conservatórias têm poucos registos deste tipo de casos.

Por um lado, os conservadores falam em um consenso por parte dos casais angolanos que faz com que, apesar de existir uma separação, não chegam às instituições de direito para efectivar o acto.

Assim, os números de divórcios que passam pelas conservatórias são ínfimos, em relação aos de casamento, embora se acredite que possam ser muito mais. Na 3ª Conservatória houve 23 divórcios no ano passado, e apenas sete no presente ano. Já na 7ª Conservatória, no ano passado realizaram 10 divórcios e, no presente, ainda não se registou um único caso.

Adiar para melhor planear os gastos

Alguns conservadores são unanimes em dizer que a crise económica fez com que diversos casais decidissem esperar mais um tempo para celebrar o matrimónio. Contam que, antes da crise, os casais agendavam a festa com seis meses de antecedência.

Com os orçamentos apertados, agora o tempo entre o planeamento e a realização chega a ser de um a dois anos. Por essas e outras razões, a jovem Ana Maria, enfermeira, e o seu parceiro, professor, disseram que para conseguirem organizar as despesas, optaram por adiar o agendamento do casamento e procurar por preços mais baixos dos serviços de que poderão precisar. “Para casar antes, ou agora, tínhamos de ter uma ‘boa poupança’.

Por conta disso, nós escolhemos uma data mais distante, de modo a dar tempo de pagar as coisas e planearmos melhor. Além disso, estamos a procurar fazer o essencial para a festa, sem muitas coisas com custos elevados”, disse, Ana Maria.

O casal perspectivava casarse em 2016, mas quando começaram a fazer os orçamentos viram que o alto preço das coisas não coincidia com o orçamento guardado para tal. Decidiram adiar para dois anos mais tarde, ou três anos.

A creditam que, passado este tempo, as empresas de buffet poderão oferecer produtos e serviços que se adequem ao seu bolso. O casamento deles está marcado para o princípio do ano que vem.

Casais preferem reduzir convidados

Dona Juliana, realizadora de festas de casamento e decoradora, afirma que neste ano os perfis dos clientes mudaram radicalmente. Ela, que também serve buffets, conta que, apesar da crise, a procura pelos serviços mantinha o ritmo normal nos últimos dois anos, mas as festas que eram para um número elevado de convidados ficaram mais reduzidas.

“Por causa da crise, alguns casais optam por cerimónias mais económicas, com menor quantidade de convidados. assim, de 300 convidados, passou para 150 convidados, bem como a diminuição nos serviços contratados em buffet.

os noivos agora estão mais criteiosos que antes. Hoje, eles analisam, pesquisam, procuram descontos, e demoram mais para agendar a cerimónia e o copo-de-água”, explicou. outro fenómeno ligado à crise é a opção por cerimónias de casamento mais baratas.

Segundo os donos de salões de festas, a despesa prevista pelos noivos caiu desde que começou a crise, em 2014. os noivos agora não deixam de parte os descontos quando o assunto é alugar salão de festas, coisa a que anteriormente não se procedia, como nos disse Sara albano, dona de um salão de festas na cidade de Luanda.

Em 2013, o custo médio de uma festa para 200 convidados era de um a dois milhões de kwanzas, pacote completo (buffet, decoração, música, salão, ect), mas agora pode chegar aos cinco milhões de kwanzas, um aumento que afugenta aqueles que precisam destes serviços. o aluguer dos salões de festas, a contratação dos dj’s, decoração do evento, o buffet, as bebidas e todos os outros serviços, além dos vestidos da noiva e o fato do noivo começa a custar quase o triplo do que era necessário há alguns anos.

A busca pela redução de custos do casamento levou a opções mais criativas e alguns casais optaram pelo casamento comunitário, nas igrejas.

Adiar para realizar o ‘casamento dos sonhos’
Flávio quitumba, de 29 anos, conheceu Guilhermina Fonseca, de 31 anos, num site de relacionamentos, o badoo, há 10 anos. Há dois anos têm vindo a fazer os preparativos para contraírem o matrimónio e coroar uma relação que, segundo Flávio, é a melhor coisa que lhe aconteceu na vida.

De lá para cá, o casal tem-se debatido com dificuldades para realizar o seu casamento, pois ambos viram os seus negócios reduzirem as receitas em mais da metade, por causa da crise económico-financeira. o que estava marcado para 12/12/2017, até ao momento não saiu.

Ainda assim resolveram apelar à ajuda dos familiares, porém, estes também estão a atravessar dificuldades financeiras. o fraco apoio familiar levou-os a adiar a realização do enlace matrimonial para Dezembro do corrente ano. Enquanto, o dia “D” não chega, Guilhermina diz que juntam cada centavo ganho e doado para a realização do sonho de ambos.

Guilhermina é empresária, tem um filho com Flávio quitumba, com quem vive maritalmente há um ano. outro casal, olga Pereira e antónio Massango, ambos de 30 anos, há 2 anos que planeiam se casar, para coroar os sentimentos que os unem, porém, a crise financeira tornou-se um calcanhar de aquiles para a realização deste desiderato. o jovem, Militar das Faa, conta que tudo o que tinham economizado ao longo deste tempo tornou-se insuficiente, em pouco tempo, pois os preços dos elementos básicos para a realização do matrimónio sofreram aumentos consideráveis.

A jovem olga Pereira, professora do ensino primário, conta que, por estes e outros motivos, resolveram, com muita tristeza, adiar a data do casamento, por tempo indeterminado. Para ela, o matrimónio é um momento único e muito especial, que precisa de ser melhor preparado e, “se for possível realizar a cerimónia dos seus sonhos, melhor”.