Política de linha dura ameaça exacerbar críticas à Arábia Saudita

Política de linha dura ameaça exacerbar críticas à Arábia Saudita

A arábia saudita quer calar as críticas a uma política externa de linha dura, mas o mortífero bombardeamento aéreo no Iémen e a crise diplomática com o Canadá aumentarão a pressão internacional sobre o Reino, avaliam alguns analistas.

Ao menos 29 crianças morreram na Quinta-feira num ataque aéreo atribuído à coaligação militar liderada por Riade, numa província controlada pelos rebeldes huthis no Norte do Iémen, o que provocou uma onda de reprovação e pedidos de investigação da ONU e até dos Estados Unidos, aliado da Arábia Saudita. A coaligação afirma que atacou um autocarro com “combatentes huthis”.“Esta guerra tem cada vez menos adeptos entre a comunidade internacional, especialmente no Congresso americano”, disse à AFP Sigurd Neubauer, especialista independente em países do Golfo, recordando que o conflito no Iémen em três anos provocou “a pior crise humanitária” do planeta. “Este tipo de ataque lamentavelmente tornou-se uma regra e não uma excepção”.

A coaligação foi acusada várias vezes de bombardear civis no Iémen desde o início de sua intervenção, em 2015, destinada a restabelecer o Governo expulso do poder pelos rebeldes huthis, apoiados pelo Irão. Os sauditas qualificaram o ataque de Quinta-feira de “operação militar legítima”, justificado-o como uma resposta ao lançamento de um míssil dos rebeldes no dia anterior contra a cidade saudita de Jizan, que matou uma pessoa. Mas diante das persistentes críticas internacionais, a coaligação anunciou na Sexta-feira a abertura de uma investigação. “Chega de desculpas!” – escreveu no Twitter Geert Cappelaere, director para o Médio Oriente e África do Norte do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). “O mundo precisa realmente de ver mais crianças inocentes mortas para deter esta cruel guerra do Iémen?”. “Grotesco, vergonhoso, indignante. Flagrante desprezo pelas regras da guerra quando um autocarro com crianças inocentes se torna num alvo”, disse o secretário- geral do Conselho Norueguês para os Refugiados, Jan Egeland.

“Calar as críticas”

A polémica sobre este mortífero bombardeamento ocorre após a ruptura diplomática do Reino com o Canadá esta semana. As autoridades sauditas, indignadas após a embaixada canadiana pedir publicamente a “libertação imediata” de militantes dos direitos humanos detidos no Reino, expulsaram o embaixador do Canadá, congelaram as relações comerciais e suspenderam as bolsas de estudos de cidadãos seus no país norte-americano. Esta reacção virulenta por uma declaração pode afectar os esforços de Riade para atrair investimentos externos, indispensáveis para o ambicioso projecto destinado a reduzir a dependência saudita do petróleo, segundo especialistas. A crise diplomática com o Canadá mostra como a Arábia Saudita do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman não tolera críticas, tanto internas como externas, destacam os analistas. “Os dirigentes sauditas não estão especialmente preocupados com a influência que possa ter o Canadá (…) e desejam calar as críticas por parte dos países europeus que possam surgir a respeito de outros temas”, segundo a consultoria de avaliação de risco Eurasia.

Descontentamento crescente

O Canadá lamentou que as potências ocidentais, em especial os Estados Unidos, vendam milhões de dólares em armas à coaligação liderada pela Arábia Saudita no Iémen. “Na ausência de uma posição forte dos Estados Unidos sobre os direitos humanos e os valores democráticos, os dirigentes árabes estão cada vez menos inclinados a tolerar os conselhos dos ocidentais sobre as reformas políticas”, avalia a Eurasia. “O Presidente (Donald Trump) fez das relações com Riade um elemento central da sua política para o Médio Oriente, mas o descontentamento é crescente no Congresso”, explicou à AFP Perry Cammack, da Fundação Regional para o Irão. “Entre o aumento das tensões diplomáticas com o Canadá e as atrocidades contínuas no Iêmen, é muito possível que o Congresso tente restringir de maneira significativa a intervenção americana no conflito iemenita”, segundo Cammack.