Sem tecto e com pavor de perderem o segundo filho

Sem tecto e com pavor de perderem o segundo filho

A primeira filha do casal não resistiu às condições a que estava sujeita e morreu aos oito meses. Armando e Teresa estão à espera de outro filho e receiam que o pior venha a acontecer novamente.

Armando Domingos e Teresa Sampaio (de 28 e 30 anos de idade) calcorreiam as ruas de Luanda, principalmente na zona baixa da cidade, à procura de um lugar para se abrigarem e satisfazerem as necessidades vitais para qualquer ser humano. Armando diz que vive na rua desde os seus 13 anos e sempre conseguiu sustentar-se com os parcos recursos que arrecada lavando carros. Os seus pais já faleceram e nunca foi apoiado pelos seus familiares, razão por que não faz questão de procurar por eles. Há seis anos, na época com 22, conheceu a sua mulher, Teresa, nas ruas do Kinaxixi, onde passava a maior parte do tempo. Juntos, já enamorados, rumaram para a rua Rainha Ginga, a escassos metros do Hotel Epic Sana, bem defronte ao prédio da empresa diamantífera De Beers, onde vivem há 4 anos.

O recinto em que vivem durante o dia serve de estacionamento de viaturas topo de gama de todos os preços e gostos, pertencentes aos funcionários de diversas instituições públicas e privadas sediadas nessa avenida. Há ainda quem aproveite o espaço para lavá-las, tando recorrendo ao Armando como aos seus colegas. No local, paira no ar um cheiro nauseabundo vindo das fezes e de outros tipos de lixo. É neste espaço que o casal vive, onde tudo que têm é uma colcha, um cesto e uma panela que é partilhada com outros lavadores de carros. Sempre que chove, abrigam-se debaixo de prédios. “Mas não podemos dormir muito porque o morador que acorda cedo corre sempre connosco”, conta Armando. A alimentação depende do que Armando consegue na lavagem de carros e é confeccionada sobre madeiras ou troncos de árvores secas recolhidas nas ruas.

Fruto do amor que os une, Teresa ficou concedida e, no final de nove meses de gestação, mesmo passando a noite ao relento, deu à luz a uma menina que, por falta de imunidades suficientes para ligar com as péssimas condições de habitabilidade acabou por ficar gravemente doente. Os pais, aflitos, acorreram ao hospital Josina Machel, mas, apesar dos esforços prodigados pela equipa médica não resistiu, tendo sucumbido aos oito meses de idade. Tal situação não os impede de sonhar em constituir uma família e levarem uma vida “normal”, e, tanto assim é, que Teresa encontra- se novamente à espera de um filho, no quinto mês de gestação. Todavia, o casal vive apavorado com a possibilidade de o pior voltar a acontecer, caso não consigam um local melhor para cuidarem do pequeno que está a caminho, pelo que clama pelo apoio da sociedade.

Para o banho e para as necessidades menores, fizeram uma cabana de papelões e chapas. Já as necessidades maiores fazem a alguns metros depois, próximo duma pequena lixeira que se situa no mesmo espaço. Teresa apresenta-se como uma mulher vaidosa e, apesar das vicissitudes porque passa, está sempre com os lábios pintados e com o cabelo endireitado. Diz que a única coisa que deseja é voltar a trabalhar. “Eu trabalhava na Ilha com uma senhora, ajudando a vender comida, mas depois que a Administração destruiu as barracas ficamos sem negócio”, declarou. A jovem, proveniente do Moxico, veio parar a Luanda com 3 anos de idade, transportada por uma tia que não vê há anos, segundo contou. Embora esteja concebida, disse que o seu maior desejo, de momento, é conseguir um trabalho para ajudar a sustentar a família que está prestes a ganhar um novo membro.

Castigados pela Polícia

Segundo o casal, desde que se instalaram na Rainha Ginga, têm sido “presa fácil” dos efectivos da Polícia Nacional que, na calada da noite, recolhe-os, alegadamente sem motivo aparente, para efectuarem limpeza nas esquadras das redondezas. Armando diz já ter perdido a conta das vezes que foi levado para limpar os quartos de banho, quintal e corredores de estabelecimentos policiais. “Algumas vezes outros jovens que lavam carros também dormem aqui e quando a Polícia chega fogem logo. Eu, como estou com a minha esposa e consciente que não fiz nada, mantenho-me quieto”, disse o jovem. Nas ocasiões em que Teresa também foi levada, deveu-se ao facto de se opor à atitude dos agentes para impedir que levassem o seu amado. No entanto, nos últimos tempos tem sido poupada por causa da gravidez que carrega. “No estado de gravidez já fui levada uma vez pelos polícias da 4ª Esquadra, aqui da Ingombota. Mas acabaram por nos largar sempre porque não cometemos nenhum crime”, rematou.