Belarmino Jelembi: PR deve promover consensos sobre grandes lances no país

Belarmino Jelembi: PR deve promover consensos sobre grandes lances no país

Depois de considerar positivo o primeiro ano de governação de João Lourenço, num mandato de cinco anos, o director geral da ADRA sugere, em entrevista ao OPAÍS, “que o Presidente promova consensos para os grandes lances”.

Qual é a avaliação que faz do desempenho do Presidente da República, João Lourenço, um ano depois da sua investidura? Para avaliar o desempenho do PR João Lourenço temos que clarificar primeiro o que é que se poderia esperar dele, atendendo as circunstâncias em que assume o país…

Em que circunstâncias assume o país? Assume o país com uma população jovem carente de mudança, uma sociedade partidarizada, com uma concentração obscena da riqueza decorrente de monopólios, impunidade e um considerável descrédito do Estado a nível interno e internacional.

Mas, assume-o pacificado… Apesar disso, um país pacificado e com estabilidade política. Diante disso, João Lourenço poderia adoptar uma linha de mudança cosmética sem mexer no essencial, ou partir para uma ruptura mas na continuidade.

Falou em ruptura na continuidade? Isso significa romper com uma série de práticas que já todos conhecemos, mas assegurando a estabilidade do país. Há três áreas que me parecem vitais neste momento, nomeadamente a abertura da comunicação social e do espaço público, o respeito pelas instituições e a indução de nova política externa.

Em termos de política externa, o que se lhe oferece dizer? Em termos de politica externa vejo que estamos a passar da diplomacia do petróleo, onde a Sonangol era a rainha, para uma diplomacia “do país que funciona”, onde se procura apresentar um país atrativo pelas regras e potencialidades vastas.

Que país temos hoje? Parece-me ainda importante referir que os vários acontecimentos deste primeiro ano demostram que estamos a vivenciar o país a fazer uma curva muito apertada. E há o desafio de se fazer a curva com o controlo do volante, como diria um amigo.

O que é que de positivo e negativo teve o anterior Governo? Apesar de ser evidente o que foi de positivo e de negativo no consulado anterior, creio que a sociedade angolana precisa de tempo para avaliar o desempenho de José Eduardo dos Santos com distanciamento e objectividade.

Hoje, todos os males são imputados ao Governo do ex-Presidente da República, José Eduardo dos Santos… Hoje há males e problemas que tocam directamente a vida das pessoas e que são imputados à governação do antigo Presidente José Eduardo dos Santos, o que não permite discernimento para ver com lucidez o que foi positivo e o que foi negativo.

Esse discernimento sem lucidez traduz-se num novo medo? Alguns sectores sentem que elogiar algo de bom que tenha sido feito por José Eduardo dos Santos pode comprometer privilégios no novo tempo. Mas, se quer que eu diga, os erros, todos estamos a ver: uma profunda degradação moral da sociedade, desigualdades sociais gritantes e a fragilização das instituições…

Para si, quais foram os aspectos mais marcantes da governação de José Eduardo dos Santos? Mas há aspectos positivos que não nos podemos esquecer. A transição para paz em 2002, mas também a forma como publicamente se tem estado a comportar agora no fim de ciclo.

Como é que se tem comportado?

Eu não conheço o interior, nem os bastidores do MPLA, mas pelo que vejo desde fora, tirando aquele momento em parece que pretendia continuar na direcção do Partido, temos de reconhecer que não tem feito pronunciamentos públicos perturbadores à autoridade de João Lourenço.

Esse gesto significa muito… É importante valorizar isso, sobretudo num continente como o nosso, onde as saídas de líderes longevos acabam sendo sofríveis ou trágicas.

O novo PR elegeu o combate à corrupção e à impunidade como sendo o seu cavalo de batalha. Há neste momento alguns servidores públicos detidos… Tudo aponta para esta direcção. Há um ano atrás ninguém imaginava o que estamos a presenciar. Sobretudo porque o MPLA habituou a sociedade a prometer coisas e não cumprir, sobretudo no âmbito do combate à corrupção. Lembrar que já houve o slogan “Tolerância Zero”.

O que lhe dizem as constantes exonerações e nomeações de novos membros no aparelho do Estado?

Eu tenho a expectativa de que venha a ocorrer uma remodelação governamental. Mas, mais do que isso, um ajuste da estrutura do Executivo. Um ano depois, creio que João Lourenço, em consulta com a sociedade, deve ter noção de que estrutura precisa para enfrentar os desafios.

Qual será o desafio do Presidente da República em 2019?

É preciso entender que em 2019 João Lourenço deverá estar mais virado para o funcionamento do Executivo e para economia. Para que as pessoas nos municípios comecem a sentir, na vida prática, as alterações. Precisaremos de começar a ver a economia real a funcionar, até porque em 2020 teremos as autarquias locais e as pessoas nos municípios votam com base nos problemas concretos e não na alteração macro do país.

Que avaliação faz do IV Congresso que serviu de transição de liderança dentro do MPLA?

O Congresso do MPLA foi um evento importante, por várias razões: o MPLA conseguiu fazer a transição que parecia complicada e assumiu que deve estar na liderança das transformações em curso. Isso é muito importante.

Há quem diga que as alterações profundas de João Lourenço no seio do partido são uma ruptura com o passado.

O discurso de João Lourenço foi forte, mas foi na sequência do que tem vindo a fazer. Parece-me que as alterações procuram ser coerentes com a introdução de novas práticas. Se é verdade que se deve reconhecer ao MPLA o mérito em relação a vários aspectos da sociedade angolana, também é certo que deve assumir a responsabilidade por muitos males instalados no país.

Que responsabilidades refere?

Repare, em 2002, justa ou injustamente, a UNITA foi responsabilizada pela destruição do país. Hoje, em 2018, o MPLA assume o principal ónus da crise económica e da impunidade instalada. Portanto, para as mudanças anunciadas por João Lourenço, precisa-se firmeza e liderança da direcção do MPLA.

Essas mudanças começariam por onde?

Ele enumerou alguns inimigos públicos, mas os inimigos públicos não se combatem sozinho. Creio que vivemos um momento em que João Lourenço, nas condições de Chefe de Estado, deve promover ao que eu chamaria “consenso sobre os grandes lances do país”.

Em que sectores públicos começariam estes grandes lances?

Por exemplo, o fortalecimento do sector da Justiça, não pode um investigador experiente ganhar 20% do salário de um jovem da AGT(Agência Geral Tributária) no campo da descentralização administrativa, no âmbito da redistribuição da riqueza, no campo do funcionamento da comunicação social; na independência da gestão dos processos eleitorais, os mecanismos de regulação dos sectores; da despartidarização do Estado. Portanto, devem existir alguns temas, relativamente às auais as principais forças políticas e sociais credíveis têm de estabelecer entendimentos mínimos. O momento é este.