Casimiro Congo: “Foi sempre uma má solução resolver o problema de Cabinda com bastão”

Casimiro Congo: “Foi sempre uma má solução resolver o problema de Cabinda com bastão”

O Padre Casimiro Congo, actual secretário da Educação de Cabinda, afirmou, em entrevista ao OPÁIS, que as revoltas nesta província são permanentes, só que as pessoas têm medo de sair à rua. E, ao longo desse tempo todo, ao invés de se ouvir os cidadãos, dividiu- se ainda mais cada um deles, deixando a região mais vulnerável aos conflitos e contestações

POR: entrevista de Domingos Bento
fotos de Domingos Bento

Para Casimiro Congo é necessária a implementação de novos métodos inclusivos e participativos para a resolução dos conflitos na província. Naquela parcela do território nacional existe e sempre existiram problemas, mas as formas de resolver foram sempre com apelo à força e divisões, o que não permitiu, até ao momento, encontrar uma efectiva solução. De acordo com o actual secretário da Educação local, as revoltas em Cabinda são permanentes, só que as pessoas têm medo de sair à rua. Isso tem permitido que os cidadãos vivam oprimidos, com medo e inseguros. E, ao longo desse tempo, ao invés de se ouvir as pessoas, dividiu-se ainda mais, deixando a província mais vulnerável aos conflitos e contestações.

À semelhança de outras partes do país, o académico afirmou que em Cabinda existem também pessoas que pensam. Angola não se pode resumir às ideias que vêm de Luanda. Por isso, defende que é importante encontrar a maneira mais humana de se abordar os problemas, aspecto que faltou sempre por causa da existência de grupos de indivíduos que dividiram profundamente aquela que é tida como a província mais a Norte de Angola. “Eu penso que se conseguiu uma coisa aqui em Cabinda: é pôr cada um no seu lado. Há elementos que nos dividiram profundamente. Neste aspecto prefiro fazer a minha caminhada e ver no que posso contribuir para normalização política de Cabinda”, atestou, tendo acrescentado que “é preciso fazer mais alguma coisa para resolvermos o problema de Cabinda. “É indiscutível que a questão geográfica seja tida em conta. É preciso encontrar medidas de ordem económica e política”. Para o também activista político e social, encontrar sempre aspectos em que o homem, seja salvaguardado de forma a permitir que as coisas avancem, é importante. “Tenho dito e vou continuar a afirmar que foi sempre uma má solução tentar resolver o problema de Cabinda com bastão.

Por exemplo, fiquei muito triste com a posição judicial que se tomou do Movimento de Independência de Cabinda (MIC). Houve força, quando devia-se, serenamente, chamálos ao diálogo, ouvir as suas pretensões. É importante encontrar a maneira humana de se abordar os problemas. E isso faltou sempre, por isso é que as revoltas são permanentes”. Numa altura em que o país regista uma maior abertura do poder político, Casimiro Congo, que é tido como uma das vozes mais críticas da província, ressaltou a necessidade de se ouvir e congregar todas as forças vivas, de forma a se encontrar uma solução efectiva para Cabinda e para outras regiões do país onde ainda assiste-se grandes níveis de assimetrias sociais. “Eu estou em Cabinda e tenho uma percepção diferente da dos que estão em Luanda. Sou académico e tenho uma percepção diferente daqueles que não são. E o que vejo é que o Presidente João Lourenço está interessado em tratar todos os angolanos por igual. Está determinado a fazer com que o Governo responda pelas suas próprias responsabilidades e que o partido inspire o Governo porque ganhou as eleições. Isso vai melhorar a performance de todos”, frisou.

Se me quiserem tirar, então que tirem. Mas me ajoelhar nunca farei

No seu entender, ao contrário do que muitos pensam, que a sua nomeação para o cargo de secretário provincial da Educação foi de forma a silenciá-lo, Casimiro Congo acredita que seja um sinal claro da vontade do actual Governo de tratar todos por igual. Tal como esclareceu, já não tem idade para se calar, nem tem nada a perder. “Estou aqui, se me quiserem tirar, então que tirem. Mas me ajoelhar nunca, é uma questão de consciência. Eu fui sempre das pessoas que mais criticou o país. Essa minha posição permanece porque Angola é um lugar onde devemos encontrar espaços para toda a gente. E as pessoas caladas nunca vão conseguir gerir, nem encontrar espaços para todos”. Questionado se antes já havia recebido convites para ocupar um cargo público, o académico respondeu que sim, mas que não havia aceitado porque compreendia que era uma forma de o silenciar. “Já houve convites neste sentido, mas sempre pensei que fosse uma maneira de me calar. É assim que penso. E guardo sempre essa minha profunda liberdade pessoal. A mim ninguém vai silenciar. Quando eu notar isso vou-me embora”, atestou. Para o clérigo, o mais importante não é as pessoas serem nomeadas para cargos públicos, e sim saberem responder com a necessidade da mudança, sobretudo no actual contexto em que está-se a valorizar o mérito e a competência dos cidadãos. “Agora é olhar para quem não é e quem é competente, quem é capaz de inspirar as mudanças em Angola. É que estar num cargo para ter apenas um carro, um salário e outras benesses não interessa. É preciso ir para a frente. E eu acredito profundamente que não vai ser necessário usar o bastão ou forças militares para gerar a coesão nacional. A saída está apenas em meter o homem no centro”.

Responsabilizar altas figuras ajuda a normalizar a sociedade

Casimiro Congo diz ainda ser contra a teoria da caça às bruxas e da detenções de pessoas. Mas assegura que essa fase que o país está a viver, de responsabilizar altas figuras do Estado, vai garantir a normalização da vida social. Para ele, é importante que se encontre perspectivas em quem todos os cidadãos possam viver na sociedade com igualdade. As pessoas estão a confundir o Presidente da República com os titulares do poder judicial, por isso acredita que não seja João Lourenço quem está a mandar prender as altas figuras do aparelho governativo, mas sim a liberdade que as instituições hoje adoptaram. “E isso vai gerar liberdade para muitos de nós que antes não tivemos espaço”. “Todos temos os mesmos direitos e deveres. Felizmente, há uma figura que está a levar avante essa questão, que é o Presidente João Lourenço. Agora não são os nomes que vão contar para Angola, mas sim o que cada um de nós fizer. Não conta de onde você vem e o que você é. Mas conta o que você pode fazer pelo país. E nesse aspecto eu acredito que, mesmo para a questão de Cabinda, devemos afrontar os problemas como povo que somos”, reforça.

Eliminação do ensino noturno por ser improdutivo em Cabinda

Relativamente ao sector que dirige, Casimiro Congo deu a conhecer que haverá, nos próximos tempos, mudanças sérias para garantir e gerar mais qualidade no sistema de ensino. Conforme avançou, apesar da insuficiência de salas de aulas a nível da província, uma das medidas a ser implementada a curto prazo será a eliminação, paulatinamente, do ensino nocturno, porque, no seu entender, não tem produzido bons alunos. “O que temos visto é que os ‘alunos da noite’ não vão às aulas, dirigemse noutros locais. Já fizemos a estatística e vimos que os alunos nocturnos são muito mal preparados. Com máfias, da direita à esquerda, vão passando com diplomas falsos, e nós não podemos continuar com isso”. Porém, de forma a compensar alguns dos alunos que poderão ficar fora do círculo académico com o fim do ensino nocturno, o responsável assegurou que está prevista, para o próximo ano lectivo, a construção de 32 novas escolas a nível dos quatro municípios da província. Outra preocupação prende-se com a dupla efectividade e a luta contra o “garimpo” no ensino. De acordo com Casimiro Congo, no próximo ano os colégios a nível da província serão obrigados a ter 90 por cento do seu pessoal para desincentivar a fuga de professores vinculados no Estado.

“Há colégios que vivem às expensas do Governo. A lei é clara, eu não posso admitir que um professor que é pago pelo Estado esteja mais de 80 por cento do seu tempo no colégio onde recebe 20 à 30 mil Kz e na escola pública, onde recebe 100, 200 à 300 mil nem sequer lá põe os pés”. Por outro lado, o também docente universitário falou sobre a recente medida de proibição de cabelos postiços nas escolas de Cabinda, afirmando que é uma acção que visa defender as jovens mulheres de eventuais patologias e infecções acarrectadas por estes acessórios. Essa medida foi implementada porque muitas adolescentes que usavam cabelos postiços queixavam-se de alergias a meio da aula. “Sei que esta medida mexeu com a sensibilidade de muita gente. É normal. Quando se desinstala alguma coisa e se propõe alguma medida não podemos ter todos a mesma maneira de pensar. Agora, há princípios e normas de que não podemos fugir. Entretanto, quando implementámos esta medida pensámos na saúde das nossas jovens mulheres”, finalizou.