Criminosos “instalam” medo no bairro Catintom

Criminosos “instalam” medo no bairro Catintom

O aumento da criminalidade, associado a casos de violência sexual contra raparigas, instaurou o medo generalizado entre os moradores do bairro Catinton, distrito urbano da Maianga, em Luanda.

As megas e micro operações que têm sido levada a cabo pela Polícia Nacional, de um tempo a esta parte, não têm sido suficientes para devolver o sentimento de segurança aos habitantes do Catinton. Os assaltos a residências são direccionados e os alvos previamente seleccionados. Das 17 horas até às 22 horas, as pessoas já ficam com o “coração na mão”. Ninguém quer andar sozinho, muitos se recolhem cedo. Se for menina corre o risco de ser violada e se for homem de ser esfaqueado. Até nos óbitos assaltam. João António, morador deste bairro, disse, a OPAÍS, que a criminalidade aumenta a cada dia que passa porque há pouco patrulhamento na zona durante a noite, e quando tal ocorre cinge-se apenas à entrada do mercado que dá nome ao bairro.

“A Polícia esquece-se de que os problemas estão no interior dos bairros. Aqui há assaltos todos os dias e a Polícia nunca aparece na hora certa. Muitas vezes fico sem saber qual é o trabalho que ela faz”, desabafou, em tom de desespero. No seu ponto de vista, o facto de alguns supostos marginais que se encontravam internados nas cadeias, a cumprirem penas de prisão efectiva, terem beneficiado da Lei de Amnistia de 2015, também contribuiu para o aumento da criminalidade nessa circunscrição. As constantes falhas no fornecimento de energia eléctrica é, no entender dos munícipes, outro factor impulsionador de tais acções, uma vez que sem iluminação pública os agentes da ordem enfrentam inúmeras dificuldades para se movimentarem pelo bairro no período da noite, sempre que os munícipes clamam por ajuda. “Entendo que os agentes da Polícia são seres humanos e que enfrentam dificuldades para entrar em determinada zona sem transporte. Por outro lado, acho que o Governo deve melhorar as condições básicas dos munícipes deste bairro, porque estamos a sofrer”, frisou. Entretanto, reconheceu que se dá o contrário naqueles casos em que ocorrem situações pontuais de briga entre os membros de grupos rivais de supostos marginais.

Jovens vistos como o maior problema do bairro

Filomena Daniel, moradora do bairro há mais de 10 anos, presume que a maior parte dos jovens do bairro optou por práticas de acções ilícitas devido à falta de oportunidade de emprego. Com o agravante de os pais não contribuírem para eles corrigirem a sua trajectória. “Os jovens aqui têm sido o nosso grande problema. Alguns preferem roubar por não desempenharem nenhuma actividade lícita. Muitos começam a beber e a fumar muito cedo. Fazem isso por falta de trabalho e estudos”, esclarece. A nossa interlocutora afirmou que não prevê um futuro promissor para os jovens, considerados como a força motriz da sociedade, uma vez que a sua parca ocupação, académica ou laboral, minimiza as possibilidade de contribuírem no desenvolvimento do país. “Não sei que futuro vai ter este país, se a nossa juventude continuar assim”, declarou. À semelhança do seu vizinho, Filomena Daniel sublinhou que a criminalidade está a aumentar e, caso não forem desenvolvidas acções para inverter o quadro, poderá atingir os níveis registados nos últimos três ou quatro anos, em que não dormiam em condições. “Ainda na semana passada, por volta das 17h:00, um menino tirou a vida a outro numa brincadeira. Eles usam faca, garrafa, catanas… Algumas vezes não necessitam de arma de fogo para matarem, mesmo com arma branca eles matam”, disse. Já Adelino Muringa apontou apenas o aumento de residências como uma das poucas transformações que ocorreram no bairro nos últimos 18 anos em que aí reside, o resto mantém-se constante. “Com o passar do tempo, só registámos a substituição de administradores que pouco ou quase nada têm feito a favor dos munícipes. O actual, no meu ponto de vista, também não faz nada”.

“Rio Catinton” aflige moradores

O “rio Catinton”, nome atribuído a uma vala de drenagem a céu aberto que corta o bairro, é um dos principais problemas que aflige os moradores. Segundo contam, um jovem de 26 anos foi encontrado morto ainda no mês passado, integrando, assim, a lista de indivíduos que aí perderam a vida. “Só no mês passado três crianças perderam aí a vida, por distracção dos familiares. Há capim à volta e por cima do rio. O que leva as crianças, muitas vezes, a pensar que é uma área plana que dá para brincar”, contou. Já a ponte que o atravessa, tem sido o local predilecto dos marginais para a prática de delitos. Felisberto Neto disse que a partir das 18 horas ninguém consegue passar pela ponte a pé. Se a pessoa quiser chegar ao outro lado com vida ou com os seus pertences é obrigado a chamar um táxi.

O munícipe Manuel Afonso afirmou que, por causa do rio, é difícil passar um mês sem que algum membro da sua família ou da vizinhança sofra de paludismo. Todos os meses alguém vai ao hospital e a primeira coisa que acusa é paludismo, porque o rico é o principal foco do bairro. Quando chove, a situação torna- se pior, porque a água do rio transborda, arrastando o todo lixo até às residências. Para ele, os dirigentes deviam sair mesmo das suas salas climatizadas para presenciarem o sofrimento do povo. “Viver neste bairro é difícil, mas também não temos alternativa. Não é vontade nossa. A própria Administração ignora o nosso problema com sucesso. Nós só queríamos ter um muro para desviar a água”, afirmou. Por essa razão, pedem aos dirigentes da Saúde para que mandem um carro de fumigação pelo menos duas vezes por semana, a fim de acudir à população do mosquito.

Supostos marginais punem denunciantes

Os apelos constantes das autoridades no sentido de a população denunciar os supostos prevaricados, com a promessa de que as suas identidades não serão reveladas, está a ter efeito contrário. De acordo com o nosso interlocutor, dias depois de os criminosos serem detidos, fruto das denúncias dos munícipes, alguns são soltos porque os próprios pais pagam para tal. Pelo que, tudo continua na mesma e não há segredo entre a Polícia e a população. “Os próprios bandidos conhecem quem os denunciou e quando saem vêem com toda a força para cima das nossas famílias. Por isso, muitos não conseguem denunciar o filho do vizinho envolvido em delito, porque depois sofre represálias. É complicado”, dizem os moradores. Segundo contam, existem áreas neste bairro em que não se recomenda a circulação no período do dia de desconhecidos, porque são assaltados e os que mostram resistência durante o acto chegam a ser esfaqueados. Relataram que na semana passada quatro pessoas foram esfaqueadas e uma delas perdeu a vida.

Outra coisa que inquieta os moradores são os indivíduos, vulgo “caenches”, alegadamente provenientes do Congo Democrático, que se encarregam da cobrança diária de 150 Kwanzas aos vendedores. “Eles levam todos os dias sacos e sacos de dinheiro que cobram nas vendedoras do mercado”, frisou. “Eles fazem muito dinheiro. A própria Polícia recebe uma percentagem desse dinheiro que não vai para os cofres do Estado. Por dia, a gestora do mercado chega a facturar perto de 50 milhões de Kwanzas. O mercado é grande e todos pagam, desde camionistas até aos donos dos armazéns”, rematou a nossa fonte. Por certo, parece-nos que nesta apreciação há milhões a mais, não obstante essa suspeita basear-se no facto de a gestão do mercado ter saído das mãos do Estado para as de uma empresa, supostamente com ligações a um dos ex-administradores do distrito. Na esperança de obter mais informações sobre o assunto, OPAÍS contactou a direcção do mercado, mas recusaram falar. Já Francisco Alexandre, do Gabinete de Comissão e Imagem da Comissão Administrativa da Cidade de Luanda, explicou, a OPAÍS , que existem dois mercados no Catinton, o maior é da responsabilidade da sua instituição, mas está sob gestão privada, e o outro, o menor, situado no lado oposto, é privado. “Neste as pessoas pagam os seus impostos”, frisou.

Munícipes propõem solução

Felisberto Neto, militar, descreveu os marginais altamente perigosos como sendo menores de 18 anos. No seu ponto de vista, as Forças Armadas Angolanas deviam ser requisitadas, para trabalhar em conjunto com a Polícia Nacional para acabar com esse fenómeno de criminalidade. “Há muitos miúdos aqui no bairro, filhos de pessoas conhecidas, que são bandidos. Quando saem da cadeia gabamse de que os pais sempre irão soltá-los, e se apontares o dedo o pai vem para cima de ti, a dizer que não gostas do filho dele. Estou cansado com essa situação”, desabafou.