Reflexão

Reflexão

Enviesamento e omissões na 2.ª edição do diário de um exílio sem regresso de Deolinda Rodrigues

Por: Marcelo Sebastião

diário é o registo dos acontecimentos pessoais do seu autor “em cada dia da jornada através de um discurso variado, que combina a narração, a descrição, o monólogo (eventualmente o diálogo) e a efusão lírica.

O relato na 1.ª pessoa e o filtro da visão subjectiva conferem- lhe as principais marcas de literariedade”, segundo Paz e Moniz (2004:63). A narrativa intermitente do diário é objecto de estudo para a defesa de dissertação sobre Literatura do Eu ao curso de mestrado em Literaturas em Língua Portuguesa da Faculdade de Letras da Universidade Agostinho Neto, ano académico 2017-2018, por Marcelo Muzumbi, que advoga a publicação urgente de uma 3.ª edição do Diário de um Exílio Sem Regresso de Deolinda Rodrigues para substituir e retirar do mercado livresco a 2.ª edição.

Pois “uma parte importante da narrativa fragmentária apresenta omissões irresistíveis à crítica para a editora devido a alguns livros apresentarem defeitos. Houve menos atenção para quem foi incumbido à competência de passar a última lupa cristalina, antes de a obra ir à prensa”, asseverou o também licenciado em Língua e Literaturas em Língua Portuguesa pela mesma universidade pública.

Empenhado atentamente durante um estudo comparativo da 1.ª edição publicada em Luanda, pela chancela editorial Nzila, em 2003, à 2.ª edição, revista e aumentada, pela Mayamba editora, lançada na União dos Escritores Angolanos (UEA), em 2018, aquele candidato a mestre encontrou enviesamento e omissões da sequência do texto narrativo fragmentário nas páginas da 2.ª edição, obrigando-o a abandonar por não garantir uma organização coerente do conteúdo que por sinal serviria como demonstração à sua dissertação.

Nas páginas 141 de ambas as edições (cf. Rodrigues, 2003; Rodrigues, 2018) há uma nota do editor antecipar o leitor que, dali em diante, a diarista deixa de referir aos meses. O nosso interlocutor assinala que a omissão inicia na “entrada de sexta do dia 22, da 2.ª edição (vide, p. 160), em que o primeiro parágrafo não termina e sua continuação não é parte da anotação dos acontecimentos do dia 22 (vide, 2.ª edição, p. 177)”.

Essa omissão desagradável para quem pretende utilizar o texto para a elaboração de trabalho de fim curso de pós-graduação torna ainda mais destoada quando se verifica a seguir 24 entradas (cf. 1.ª edição) de dias sucessivos, não mencionadas na 2.ª edição: Sábado, 23 (p. 166), Domingo, 24; Segunda, 25; Terça, 26 (p.167); Quarta, 27, Quinta, 28 (p.168); Sexta, 30, Sábado (p. 169); Domingo, 1, Segunda, 2, Quinta-feira, 12, Sexta, 13 (p. 170); Sábado, 14 (p.171); Domingo, 15 (p.172); Segunda, 16, Terça, 17 (p.173); Quarta, 18 (p.174); Quinta, 19, Sexta, 20 (p. 175); Sábado, 21 (p.176); Domingo, 22, Segunda, 23 (177); Terça, 24 (178). Há mais, a extensa narrativa de 1967 (cf. 1.ª edição, pp. 179-188), igualmente não mencionada na 2.ª edição, na qual retrata a marcha epopeica da heroína, fardada e armada, do quartel de guerrilheiros do MPLA no Congo-Léopoldville a Angola, onde os lábios dela beijaram o solo da Mãe-Pátria “depois de quase oito anos de ausência” (Rodrigues, 2003: 180).

Continua na próxima edição