isaías Samakuva: “transferência do poder indicia fraude nas eleições autárquicas”

isaías Samakuva: “transferência do poder indicia fraude nas eleições autárquicas”

O líder do maior partido da Oposição, Isaías Samakuva, em conversa exclusiva com este jornal, à margem das sétimas jornadas parlamentares que decorrem na cidade de N’dalatando, fala do actual momento político do país, das autarquias e dos desafios futuros do seu partido

Texto: Norberto Sateco/ enviado a N’dalatando

Senhor presidente, como descreve o actual momento político que se vive em Angola? Tenho estado a dizer que o momento é interessante e também empolgante. Porque parece que o país está a viver um momento de transição e de mudança. Nós vamos continuar a esperar para ver se as mudanças que parecem estar a acontecer são tendentes a salvar o MPLA ou então o país.

Como encara a luta contra a corrupção?

O combate à corrupção é algo que nós andávamos a reclamar há muito tempo. É bom que agora está a ser posto em prática e esperamos que não seja selectivo, mas que seja unipessoal. Nós estamos a ver pessoas que, naturalmente, participaram em actos de corrupção que estão ilesas e nunca foram tocadas. Por isso, defendemos que o processo não devia ser selectivo.

Em termos de mudanças ainda persistem muitas dúvidas?

Temos muitas dúvidas sim. Por exemplo, o acto que mereceu uma cerimónia solene de transferência de poderes da administração central para administração local, parece-nos ser a expressão de uma estratégia tendente a adiantar candidatos para as autarquias nos municípios que passarão depois para as autarquias.

Porque as competências a serem transferidas fazem parte das competências previstas no processo do gradualismo previsto na Constituição deviam ser passadas para aqueles que foram eleitos como autarcas. O MPLA já tem administradores nomeados aos quais dará estas competências, para além dos meios suficientes para se firmarem no terreno e começarem a fazer a sua campanha eleitoral. Os meios deviam ser entregues aos eleitos para fazer tarefas que os administradores municipais nunca conseguiram fazer por falta de meios.

Parece uma manobra antecipada para as autarquias?

Absolutamente. Querem ganhar vantagens no processo das autarquias antes de este ter começado. Se há possibilidade de fazer a desconcentração e dar os meios a um administrador que não foi eleito, porque então que não fazemos as autarquias agora?

Algumas vozes na Oposição defendem ser positiva a operação “transparência” contra a imigração ilegal. O senhor tem a mesma avaliação?

O momento é interessante e, este é um deles, porque a entrada destes estrangeiros em muitos casos foi denunciada por nós. Em épocas eleitorais, o Estado permitiu, pelo menos na fronteira com a República Democrática do Congo (RDC), que pessoas entrassem livremente pelas fronteiras, transportadas em camiões e receberam cartões de eleitores e bilhetes de identidade. A intenção era para votarem no MPLA e agora estão a ser retirados. Não é a primeira operação.

Quando o MPLA quer aumentar o número de eleitores a seu favor traz do estrangeiro e depois no fim devolvem-nos. Entretanto, é bom que o país se liberte de pessoas que entram ilegalmente no país para se dedicarem à exploração ilegal de recursos, mas isso aconteceu sob o olhar indiferente do MPLA.

A par desta problemática, o Estado tem vindo a demonstrar vontade de pôr fim às Igrejas ilegais. Qual é a sua visão sobre esta matéria? É empolgante. Temos de um lado a nossa Constituição que permite a liberdade de expressão e de religião e, por outro lado, temos efeitos per
A versos destas liberdades. Mais uma vez o partido no poder facilitou a criação de igrejas ilegais para facilitar o voto.

Conheço um pastor que depois de lhe terem legalizado a sua igreja e apoiado com os seus fiéis aquele partido voltou para nós. Enquanto cidadão defendo que os angolanos devem procurar fazer coisas sérias. Têm de procurar ser mais sérios do que têm sido, se quisermos que o país se dignifique.

Que caminhos sugere para esta seriedade que perpectiva?

Temos de agir de forma séria. Mas se pensarem que, por estar no poder, devem usar manobras que ao longo do tempo criam problemas para o país, assim não vamos a lado nenhum.

Qual é o estado actual do “Galo Negro”?

Nós estamos unidos. Estamos a trabalhar para questões importantes. A Comissão Política vai reunirse agora para tratar de inovações no Congresso que, certamente, irá agigantar o nosso partido para ter bons resultados nas eleições autárquicas em 2020 e gerais em 2022.

Em alguns círculos políticos aventam a hipótese da estratégia da nova governação ter silenciado a UNITA. As pessoas pensam que fazer Oposição é só falar da corrupção.

Como o Presidente da República está a falar de corrupção, a Oposição ficou esvaziada?

Oposição é muito mais do que isso, existem muitas ideias das situações que o país atravessa e que podem ser bastante úteis para ajudar o próprio Governo a melhorar. A Oposição não está esvaziada pois as escolas continuam em mau estado.

O que acha de um reposicionamento estratégico face ao contexto?

Não há reformas. Se o Governo adaptou as reclamações que a UNITA fazia, significa que estávamos num bom caminho. Tínhamos razão. Se afinal a UNITA é aquele que diz as coisas com antecedência e os outros só aceitam passadas décadas, afinal nós é que vemos melhor. Já no passado dizíamos que era preciso adoptar o multipartidarismo e o sistema democrático, foram precisos 16 anos de guerra para virem dizer que este é o melhor sistema. Tenho estado a dizer que devem copiar também na prática.

Expectativas do Congresso que irá decidir a liderança do partido?

Há novas ideias para resgatar o partido. O Congresso normalmente traz eleições e ali tudo acontece. Uns ficam de fora outros passam.
Caso seja vontade dos militantes ainda sonha continuar na liderança do partido? Eu não perguntei aos militantes e não me interessa perguntar agora.
Espera continuar na liderança? Eu já falei sobre isso diversas vezes, penso que já não é assunto.