Decisão política vs. Realidade socioeconómica: o caso do subsídio nos combustíveis

Decisão política vs. Realidade socioeconómica: o caso do subsídio nos combustíveis

O fim dos subsídios aos combustíveis é um tema que parece ter voltado à mesa. Nos últimos dias fez eco, na imprensa especializada em economia, a informação segundo a qual o Executivo angolano tenciona acabar com a subvenção nos combustíveis muito em breve. Numa altura em que os cintos dos angolanos já se encontram apertadíssimos. A notícia do fim da subvenção nos combustíveis não é de todo má porquanto se trata de um sofrimento para um bem maior, mas não se deve negar as considerações mais abaixo. Por agora referir que, no geral, sou favorável ao fim dos subsídios nos combustíveis, entre outras, pelas três razões abaixo mencionadas. A primeira razão tem que ver com o facto de o preço do combustível em Angola ser o mais barato na região da SADC. O que de per si encoraja o contrabando, como aliás, tem sido prática recorrente junto às zonas fronteiriças, sobretudo, na região norte do país. É preciso igualmente referir que o contrabando em nada ajuda o país. Pelo contrário, é uma prática com perdas irreparáveis na economia e sociedade angolanas.

A segunda razão, e conforme dados da petrolífera estatal angolana, cada litro de gasolina deveria custar perto de 400 Kz em vez dos 160 Kz actuais, e cada litro de gasóleo deveria custar cerca de 337,4 Kz em vez dos 135 Kz cobrados actualmente. Esse preço real – entenda-se sem a subvenção do Estado -, ainda coloca Angola no top três de países da região SADC com o preço do combustível mais barato. Equivalendo por isso que o país pode continuar a ser competitivo nesse particular ou até mesmo tirar vantagens comparativas se considerarmos o advento da adesão à zona económica daquela comunidade de desenvolvimento da África austral. A terceira razão tem que ver com o facto de os milhões de dólares que o Estado gasta anualmente para subvencionar os combustíveis poderem ser canalizados para outros investimentos estruturantes e prioritários. Como são os casos, a título de exemplo, das ligações por terra entre as sedes comunais e municipais ou destas às provinciais. A medida talvez peca pelo timing e o contexto em que se pretende implementar.

Vamos dizer de outro modo, se levarmos em conta o facto de o angolano perder, diariamente, o seu poder de compra, percebe-se não ser o melhor timing e contexto para implementação desta medida. Por isso, e para o caso vertente, ajusta-se bem a frase segundo a qual em economia vale sempre olhar para o contexto antes de qualquer movimento pró ou contra. Logo, não seria nenhum disparate se afirmássemos que o político adiou a tomada de decisão numa altura em que seria o mais avisado, isto é, o intervalo entre 2006 – 2013; para hoje todos nós pagarmos o ónus daquele infeliz adiamento. Aliás, o timing e o contexto tornam-se particularmente mais adversos quando avaliamos a medida de eliminação da subvenção olhando para factores externos com impactos consideráveis internamente. É o caso de vectores como o preço do petróleo no mercado internacional e a evolução da pandemia do novo coronavírus. Que transformam qualquer análise económica, mas essencialmente as do tipo angolano, num verdadeiro mar de incertezas, por isso, recomenda-se a todos os níveis a prudência. Outrossim, se considerarmos que a eliminação da subvenção duplica o preço actual dos combustíveis. Significará que a realidade socioeconómica vivenciará uma alteração na sua estrutura de preços nos variadíssimos serviços e produtos com impacto directo na vida das pessoas.

Portanto, emerge daí aquilo que podemos chamar de uma dúvida no processo de eliminação do subsídio aos combustíveis. E esta remete-nos objectivamente para compromissos políticos como são os casos da implementação das autarquias locais e da realização das eleições autárquicas ou ainda das eleições gerais em 2022. Ou seja, retirar a subvenção nos combustíveis é, queiramos ou não, uma medida impopular. E as evidências demonstram que os governos muito dificilmente avançam com medidas impopulares em fases eleitorais ou pré-eleitores. Por isso, embora sejamos partidários e ou favoráveis ao fim da subvenção nos combustíveis não podemos ignorar que vivemos, nos dias de hoje, um contexto de incertezas, sobretudo no quadro da geoeconomia global; claro, sem ignorarmos a perspectiva geopolítica e geoestratégica. Logo, a lógica da prudência na decisão política deve casar impreterivelmente com o economicamente mais racional.

POR: Mateus Paulo Congo