Quando higiene e segurança não dependem do Governo

Quando higiene e segurança não dependem do Governo

Uma parte da população parece ter optado por deixar-se contagiar pela tendência de fazer longos discursos criticando o Governo pelas coisas que foram mal feitas ou por repetir, por anos consecutivos, promessas que andam por cumprir. É bom que comecemos a educar as crianças a observarem os seus deveres com o mesmo rigor com que reclamarem os seus direitos, na esperança de que venham a ser jovens zelosos e menos frustrados.

Doutra forma, o país estará condenado a ter uma população dedicada a culpar terceiros pelos seus fracassos. Podemos apontar centenas de erros perpetrados por gestores públicos. Temos o direito de emitir a nossa opinião sobre qualquer tema da sociedade, até porque não é vão o descrédito em que caíram muitos renomados titulares de cargos políticos e até castrenses, que enchiam de garantias os seus discursos, os quais, muitas vezes, foram proferidos para uma população paupérrima e de tão baixo nível de instrução que mal percebeu o signifi cado dos “defi cits”, “prognósticos”, “estatísticas” e “outrossins” que preenchem os tais enunciados.

Temos, sim, o direito de opinião. Usuários costumeiros dos transportes públicos, mais comummente dos autocarros, comboios e taxis, observam com frequência pessoas de vários estratos, algumas em trajes mal cuidados, ou mal higienizados, opinando sobre a governação. Fazem-se ali acesos debates políticos, que muitas vezes enervam e irritam, algo que para uns é irrelevante e para outros, lamentável.

Os que lamentam gostariam de fazer compreender, principalmente aos jovens, que os aludidos políticos a quem chamam ladrões e responsabilizam pela evasão do erário, mesmo que possam citar provas, não estão nos meios de transportes públicos, nas ruas e nos locais de ser viço onde tais conversas têm palco. Perdem assim boas oportunidades de falar de negócios, de aumentar o networking, de motivar-se com histórias de vidas mais dignas de aplausos. Se de facto andamos preocupados com a nossa qualidade de vida, demonstremos isso nas coisas mais simples.

É difícil conceber que alguém que não se importe com a sua higiene pessoal, com a sua nutrição espiritual, esteja preocupado com o país. Não pode ser real a preocupação das pessoas que, nestes tempos de COVID-19, gastam horas de conversa sobre a falta de condições nos hospitais mas negam-se a usar correctamente as suas máscaras faciais, como se isso fosse de somenos importância.

A higiene pessoal e o cuidado com a aparência seriam só duas amostras do que depende de nós e não do Governo (pelo menos, não em primeira instância). Não será difícil encontrar, num transporte público, numa rua e mesmo em ambiente laboral, pessoas que sonegam essa realidade. É prudente usar da honestidade para enumerarmos os aspectos da nossa vida que não estão bem por nossa própria causa, desleixo, desatenção ou impaciência, muitas vezes com consequências que abrangem ao nosso agregado familiar.

Queremos muito que alguém, por esta Angola, ajude os cidadãos a despertarem para as suas responsabilidades, como contribuição para o Índice de Desenvolvimento Humano que, ao contrário de iniciar com a acção governativa, como muitos pensam, inicia nas nossas casas, com o desenvolvimento individual de cada membro do agregado e, consequentemente, de cada família de toda uma nação.

Alguém nos alertará convenientemente que, por via das dúvidas, melhor será dedicarmos mais tempo ao cuidado da nossa higiene e protecção pessoal em lugar de nos entretermos nas conversas de rua donde nos alimentamos de informação perniciosa, perdendo motivação para ler mais, empreender de forma tenaz, buscar a independência financeira na esperança de, com isso, ver melhorada a nossa qualidade de vida? Note-se que uma das hipotéticas razões que leva muitas pessoas a oferecerem horas do seu precioso tempo falando sobre os erros da governação do País é não estarem prontas para falarem dos seus próprios males, fracassos e frustrações. Se se proclamar o “Dia da Introspecção” ou “Dia Nacional de Não Falar dos Outros” muitos fi cariam o dia inteiro sem ter o que dizer de si mesmos porque mal se conhecem, não assumem as suas fragilidades.

Em casos mais graves, o que sabem de si mesmos é desolador. Entrar num transporte público, logo nas primeiras horas do dia, sentir o odor a suor de quem fala alto, sem máscara, proferindo montes de acusações contra o governo, é, no mínimo, paradoxal. É uma espécie de imoralidade alguém apontar detalhes dos erros alheios, mesmo que rotineiros, estando completamente descuidado de si mesmo.

Fere a alma de quem esforça-se por ser bem-educado e não rebaixar o seu semelhante aconselhando-o que, ao invés de focar e encetar críticas contra todos infi éis desta pátria, é prudente fazer o melhor de si por si mesmo, como o simples cuidado com a higiene e a aparência, à medida possível.

Podemos sonhar com uma sociedade onde cobradores de táxis, só por exemplo, não andam com roupas sujas logo ao amanhecer, como muitos fazem hoje. Os engraxadores e mecânicos têm mesmo necessidade de já iniciar a jornada com roupas sujas? Isto é um exemplo claro do que se quer dizer com “descuido”. Imaginemos se os médicos já iniciassem a jornada com as batas sujas de sangue?! Há cuidados com a nossa higiene e segurança que não dependem do Governo.