Em entrevista ao jornal O PAÍS, o Mestre Internacional angolano, Eu- génio Campos, falou do estado do desporto ciência em Luanda e um pouco pelo país, assim como apontou caminhos para tornar os profissionais angolanos mais fortes nas com- petições internacionais. Eugénio Campos, que este ano ficou em terceiro lugar no torneio para deficientes em Belgrado, na Sérvia, conquistando medalha de prata e de bronze, em 2022, esteve em Ashod, Israel, onde também elevou o nome de Angola. Agora, prepara-se para um torneio na Polónia, de 18 a 28 de Agosto próximo, no sistema suíço em nove jornadas
Qual é o estado do xadrez em Luanda ou em Angola?
Esta é uma pergunta muito panorâmica, abstracta e ampla, mas devo dizer que o xadrez, enquanto desporto ciência, continua e não morreu, porque volta e meia vão surgindo novos talentos. Creio que a grande diferença é que anteriormente tínhamos mais torneios nacionais e internacionais e talvez, em termos organizativos, a estrutura estivesse melhor, na medida em que começávamos com o torneio interno do clube, Campeonato Provincial e depois o Campeonato Nacional. E daí chegava-se à Selecção Nacional. Hoje em dia, há poucos torneios internos. Isso era obrigatório. Portanto, o número de clubes de xadrez actualmente é muito reduzido.
Qual é a razão?
Não sei exactamente o que se terá passado para se chegar a este esta- do. Talvez a mudança para o sistema capitalista, antes estávamos no sistema monopartidário, e tem si- do difícil o desporto adaptar-se, na medida em que o nosso mecenato, que é uma prática virada à produção artística e desportiva, que consiste no financiamento de obras e projectos, tarda a despertar, salvo honrosas excepções, como é o caso da Sanlam Angola Seguros que me tem patrocinado para ir ao Campeonato do Mundo para deficientes. Não vejo assim tanta sensibilidade. Basta ouvir os diários desportivos, as queixas são sempre as mesmas.
Apesar das dificuldades por que passa a modalidade, já se pode falar de uma Angola “desporto ciência?”
Angola tem um Campeonato Nacional que dá acesso aos jogadores das outras províncias. Não há uma grande limitação. Quanto aos resultados e jogadores, com uma força própria, é o que não temos visto muito.
Há alguma ausência de talentos ou mantém-se o nível dos anos anteriores?
Se quisermos ter jogadores fortes, temos que ter muitas competições. Devemos adoptar modelos mundiais. Neste momento, a China e a India investiram for- temente no xadrez e o primeiro é campeão mundial em femininos, ao passo que o segundo é o que mais vai formando jovens mestres. Há uma tese de Garry Kasparov, Grande Mestre e ex- campeão mundial, que diz “o xadrez acompanha o desenvolvimento dos povos”.
Em Angola essa tese vai de encontro e não ao encontro?
Risos… Se for verdade, temos que ter em conta o nosso nível de desenvolvimento. Citei Garry Kasparov, mas, se recuarmos à Atenas de Péricles, na Grécia antiga, onde se forjaram os Jogos Olímpicos, já se sabia que o desporto traduz qualidade de vida. Isso no xadrez está bem reflectido. As nações do topo são Estados Unidos da América, Rússia, China, India, Alemanha, França e outros…
Mesmo com as dificuldades evidentes, que contributo é que o xadrez dá ao país?
Trata-se de uma modalidade que é praticamente um “trivium” o qual representa arte, desporto e ciência. E isto deve reflectir na personalidade das pessoas, porque mesmo em gestão pode-se fazer várias comparações. Sempre que se fala em tomada de decisão, o modelo par- te quase sempre do xadrez. Toda a evolução da inteligência artificial deu-se muito com o impulso do xadrez. Houve “matches” entre o Garry Kasparov e o “deep blue”, um computador criado pela IBM para jogar xadrez. Hoje em dia, os computadores chegam a ser mais fortes que os humanos. Todo o pensamento lógico das máquinas “roubou-se” do xadrez.