Elísio Macamo: ‘Muitos países africanos estão a brincar com o fogo’

Elísio Macamo: ‘Muitos países africanos estão a brincar com o fogo’

Elísio Macamo é Professor Catedrático de sociologia e estudos africanos na Universida- de de Basileia, na Suíça. Formou-se em Moçambique, Inglaterra e na Alemanha, onde se doutorou e fez a sua agregação em sociologia geral e sociologia do desenvolvimento. É mui- to ligado a Angola, onde esteve recentemente para participar da Semana Social, realizada por uma instituição afecta à Igreja Católica, uma oportunidade aproveitada por este jornal para uma conversa sobre os problemas quase siameses que enfrentam Angola e o seu país natal, Moçambique, a política nos dois países, os movimentos cívicos e a democracia. Mais pormenores na conversa que se segue

Esteve no Huambo para lançar o livro ‘Uma análise social para leigos’. Ainda existem leigos em termos de análise social em África, em particular, e no mundo, em geral?

Sim, ainda há para tudo que tem a ver com trabalho sistemático. A análise social é um trabalho sistemático. Então, isso significa que precisa de ser aprendido. Como precisa de ser aprendido, há- de haver sempre aquele que não aprendeu esse trabalho neste senti- do técnico. Então essa pessoa é leigo. Então, há um outro sentido que faz muito sentido, passe a repetição, escrever um livro sobre análise social para leigos, porque neste momento temos acesso a muita informação, mas não creio que todos tenhamos o mesmo tipo de preparação para trabalhar com essa informação. As redes sociais têm si- do, profundamente, reveladoras destas lacunas. As pessoas têm dificuldades, por exemplo, em verificar fontes, passam todo o tipo de informação que recebem. Desde o momento que elas confirmem alguma convicção que estas pessoas têm, ela é tratada como se fosse verídica, mas também tudo que tem a ver com a interpretação de textos ou daquilo que a gente houve. Isso tem criado muitos problemas na esfera pública e baixado muito a qualidade do debate. Então, há de facto leigos.

O advento das redes sociais e a forma como as pessoas trazem as informações a público, mesmo sem confirmação, emana desta falta de preparação ou do pouco acesso que têm de informação das próprias estruturas do Estado?

Tem a ver um pouco com tudo isso. Creio que o principal problema é de credibilidade, que hoje em dia é mais forte ainda, porque é verdade que instituições do Estado em mui- tos países não são transparentes. E isso sempre alimenta rumores e boatos. Mas não creio que isso seja o fundamental. O grande problema é que há muita informação que anda por aí e as pessoas gostariam sempre de confirmar aquilo que já sabem. Quando não têm cuidado, porque infelizmente tem aconteci- do ao tratarem da informação, acabam por ir mais para o caminho de espalhar boatos, não confirmando nem fazerem o trabalho que era necessário fazer. Sabe que toda a relação com informação constitui um trabalho. Mesmo uma informação simples como dizer que ‘faz calor hoje em Luanda’ é algo que merecia ser trabalhado.

É verdade que há muita coisa óbvia, mas eu haveria de querer saber o que entende por calor? Pode ser que para mim, vindo de onde venho, o calor tenha uma outra fasquia. Tem a ver também com o facto de saber de quem obteve esta informação, se a instituição que passa é credível e se possa confiar que passou informação segura ou não. E também, em última hipótese, tem a ver com alguma intenção que possa ter de me passar a ideia de que hoje em Luanda faz calor, talvez por algum plano malévolo ou não. Portanto, toda a informação é um convite a um trabalho sério. E isso tornou-se ainda mais importante nos dias de hoje em que tudo é informação. A vi- da passou a ser informação mais do que qualquer outra coisa.

O que é que os leigos hoje querem saber ou se sentem mais inquietos?

Não diria que eles querem saber. As pessoas de um modo geral querem fazer parte de alguma coisa. Querem fazer parte, naturalmente, da sociedade e a sociedade não é mais nem menos a informação. As pessoas querem sentir que sabem o que se passa, que não estão à margem de informação essencial, querem poder conversar com outras pessoas sobre as coisas da vida. Penso que as pessoas querem participar na vida social.

Hoje fazem-no, sobretudo, nas redes sociais. Já há estudos científicos que mensuram, claramente, o poder das redes sociais e a influência que desempenham nos sentidos positivo e negativo?

Sim. Embora neste momento não pudesse indicar estudos concretos, mas se tem falado muito da existência de estudos que mostram que as redes sociais são factores muito importante de inserção das pessoas na sociedade ou de produção inclusivamente de sociedade. Cada um de nós procura os seus espaços de socialização e muitas das vezes a gente encontra estes espaços de sociabilidade nas redes sociais. Há pessoas que vivem naquilo que os especialistas na matéria chamam de ‘câmaras de ressonância’, onde a gente discute, conversa e se relaciona com pessoas que pensam da mesma maneira que nós pensa- mos. Então, criamos universos paralelos nestes espaços e passamos a acreditar que a verdade está apenas neste grupo onde estamos. Temos sensibilidade que existem outras opiniões, mas consideramos estas outras opiniões erradas.