Oncócua: um ‘cemitério’ de gente viva

Oncócua: um ‘cemitério’ de gente viva

Oncócua é o nome da capital do município do Curoca, a 333 quilómetros da cidade de Ondjiva, província do Cunene, na região Sul de Angola.

POR: João Katombela, enviado ao Curoca

Parece não ser por acaso a escolha do nome da comuna sede do município de Curoca, pois as condições agrestes a que estão entregues os 15.460 habitantes, segundo o censo de 2014, denuncia as péssimas condições de vida. As condições precárias em Oncócua, traduzidas na falta dos principais serviços sociais básicos, como a ausência de água potável para o consumo humano, a inexistência de medicamentos no único hospital da municipalidade, bem como a falta de professores nalgumas escolas do interior do município, remetem a inexistência de vida, tal como o sugere o nome Oncócua, na língua local herero, que em português significa cemitério.

A falta de água potável na sede da comuna, a ausência de medicamentos no único hospital de que o município dispõe, bem como, o débil fornecimento de energia elétrica, são alguns dos problemas com o quais se debatem os munícipes de Curoca. Estes problemas afectam em grande escala as minorias himba, mukuissi e herero, cuja actividade principal se resume na criação de gado bovino, caprino, e ovino, que, em função das alterações climáticas que assolam a região Sul do país, tem sido desenvolvida com muitas dificuldades. A seca que castiga o município do Curoca, no Cunene, fez com que os pastos escasseassem e as zonas de  de abeberamento do gado ficassem sem água, causando a morte do único bem deste povo, na ordem das 30 cabeças diárias.

Para a sua sobrevivência, estes povos contam com o apoio de pessoas singulares que de forma intercalada têm levado alguns bens alimentares e alguns medicamentos. Nem mesmo com a ajuda destes filantropos tem sido fácil minimizar as vicissitudes do povo himba, mukuissi, vátua e herero, já que a necessidade de alimentos é diária. Para se alimentarem quando a ajuda dos filantropos não chega, muitas famílias consomem frutos silvestres e algumas folhas de árvores que resistem às altas temperaturas. O soba da comuna de Oncócua, Joaquim Mutyila Kaliva, diz que o Governo abandonou a sua comunidade, e conta que as minorias que perderam o seu gado por conta das alterações climáticas alimentam-se como animais.

“Parece que o Governo se esqueceu deste povo, desde 2015 que nos havia ajudado com alguns saquinhos de fuba, até aqui nunca vimos mais ninguém, deixamos de ver pessoas do Governo, apenas no tempo da campanha eleitoral! A administração não nos apoia, algumas pessoas de bem, como é o caso da Dona Filomena Oliveira, é que têm estado a nos ajudar com alguma comida, e quando ela não está o povo come Nomphe, e algumas folhas, mas depois apanham diarreia” disse. Por outro lado, aquela autoridade tradicional do município do Curoca, pede a intervenção do Governo Central, no sentido de se evitar que essas minorias desapareçam.

Escola Primária fechada por falta de professores na localidade Waluhu

Uma escola com 6 salas de aulas encontra-se encerrada desde o ano passado por falta de professores, na localidade de Waluhu, a 20 quilómetros da sede municipal do Curoca. O facto está a preocupar os pais e encarregados de educação da referida localidade, que vêm no encerramento da Escola a morte do sonho de uma futuro melhor para os seus filhos. O ancião Muanaidongo disse à nossa reportagem que, com o fechar da única escola do ensino primário na sua localidade, as crianças foram obrigadas a voltar às actividades de pastorícia. “Quando colocaram aqui esta Escola, nós ficamos felizes, porque acreditávamos que os nossos filhos fossem deixar de pastar para ir estudar, no princípio do ano passado vinha um professor que trabalhava uma vez por semana, dai nunca mais lhe vimos” explicou A par da escola encerrada na referida localidade, o nosso interlocutor lamenta também o encerramento do posto de saúde. “Aqui também o hospital fechou, por falta de enfermeiros e medicamentos” revelou.

Hospital Municipal sem condições de trabalho

Os técnicos de saúde colocados na sede municipal do Curoca estão a trabalhar com enormes dificuldades, tudo porque o hospital municipal não reúne condições para a plena execução das suas tarefas. Entre várias dificuldades, os homens formados para salvar vidas apontam a falta de medicamentos, material gastável e de um gerador que facilite os trabalhos nocturnos. A falta de energia elétrica no Hospital Municipal do Curoca, segundo a enfermeira Verónica Generosa Matias, faz com que diversas vezes os partos no período nocturno sejam assistidos à luz de lanternas.

No entender da também responsável pela maternidade do Hospital Municipal do Curoca, que diariamente atende 35 pessoas em consultas pré-natais, a falta de energia elétrica no período nocturno coloca em risco a vida da parturiente, e do bebé. “A falta de energia nos preocupa muito, porque a luz facilita o nosso trabalho. Tem aqui no município um gerador que se liga das 18 até à meia-noite. E nós usamos lanternas na hora do parto, sobretudo de noite, e aí corremos vários riscos, com a lanterna na mão ficamos divididos, ou pegas a lanterna, ou pegas o bebé que está a vir.

Nessas condições só mesmo Deus tem sido nosso mediador”, informou Falta de serviços sociais básicos preocupa munícipes A falta dos principais serviços sociais básicos no município do Curoca, particularmente na comuna sede, Oncócua, preocupa os seus moradores que apontam, entre muitas dificuldades, a falta de uma bomba de combustíveis, água potável, falta de energia elétrica e ainda a ausência de um banco.

Segundo explicou o professor Pedro Artur, a falta de um banco no município de Curoca faz com que muitos funcionários abandonem os seus locais de trabalho para se deslocarem ao município da Kahama. “Como se vê, isso aqui é um mato, nós estamos quase na cauda do país, nós temos várias dificuldades, desde a falta de combustível, aqui não tem banco, e quando o salário cai temos de nos deslocar para Kahama, mas também as vias de acesso não estão em condições, há vezes em que passamos duas a três noites de viagem pelas condições do troço e o chefe marca faltas” revelou Lídia Vitumala, de 27 anos de idade, disse que a vida no município do Curoca não é fácil, pois não há medicamentos, água para o consumo humano. “Aqui falta tudo, falta medicamento, precisamos de água, aqui está tudo mal” desabafou.

Péssimas condições do troço Kahama-Curoca deixa-o isolado do resto da província em épocas chuvosa

A sede de Oncócua está ligada ao município de Kahama pela comuna de Otchinjau, a uma distância de 180 quilómetros. A argila preta que se confunde com o asfalto é apenas uma das suas péssimas condições que não permitem a livre circularão de pessoas e bens, principalmente em épocas chuvosa. Esta realidade, deixa a sede municipal do Curoca isolada do resto da província, sobretudo em períodos como este em que a chuva cai com frequência no troço que liga Kahama ao Curoca. Evaristo Amândio contou à nossa reportagem que em função das condições, os 180 quilómetros de estrada são feitos em 4 horas de viagem no tempo seco, deixando obsoletas as viaturas que ali circulam. “Daqui a Kahama nós fazemos 4 horas, isso no tempo seco, se for no tempo chuvoso, fazemos 15 dias de caminhada. Queremos pedir ao Governo que pelo menos se faça uma terraplanagem, já que asfalto não será possível”, recomenda.