Os “Monagambas” não desapareceram

Os “Monagambas” não desapareceram

Agora estou a ver o que é ressaca de passagem de ano, ainda no fulgor das férias aqui no Rio de Janeiro, Brasil. A vida ensina sempre qualquer um de nós. A vida é uma universidade, tem seus professores, seus manuais e seus orientadores que indicam caminhos bons e maus. A vida dá notas, negativas e positivas em função do desempenho de cada um e tem sempre novidades. Aulas ao ar livre. Aulas mesmo quando se fala sozinho ou se resmunga. Há sempre um sinal cúmplice, um vigilante que diz o que devemos e não fazer.

POR: Bernardino Neto

Se for coisa certa lança um sinal de entusiasmo. Se for errado, a natureza nos leva a chocar numa pedra ou a morder a língua. A vida é uma equação com tantas variáveis, onde, quer queiramos, quer não, você tem de pensar. Pensamento grande, pequeno ou até estúpido. Mas antes de pensar, prefiro cantar a música de Rui Mingas, Monangamba do poema de António Jacinto: “Naquela roça que não tem chuva/é o suor do meu rosto que rega as plantações/Naquela roça grande tem café maduro/e aquele vermelho- cereja/são gotas do meu sangue feitas seiva./O café vai ser torrado, pisado, torturado,/vai ficar negro, negro da cor do contratado!/ Negro da cor do contratado!” Pois bem, essa canção é um bálsamo aqui no Rio de Janeiro. Porque?

A vida do negro brasileiro! É ruim, horrorosa. Generalizar seja superficial. Especula, penoso. Sabular ou fabular, tentador. Xinguilar, arriscado. A vida do negro aqui é um descalabro. Vê-se o olhar pungente com que seus olhos silenciosamente cruza o nosso. Ah! Deixa-me cantar Rui Mingas: “Negro da cor do contratado!/Perguntem às aves que cantam, aos regatos de alegre serpentear/e ao vento forte do sertão:/Quem se levanta cedo? Quem vai à tonga?/Quem traz pela estrada longa a tipóia ou o cacho de déndén?/Quem capina e em paga recebe desdém fubá podre, peixe podre,/panos ruins, cinqüenta angolaresporrada se refilares?/ Quem?/Quem faz o milho crescer/e os laranjais florescer/— Quem?” A escravidão e o tráfico de escravos africanos para a América, estima-se em 11, 5 Milhões de pessoas negras, dentre eles 4,5 milhões desembarcaram aqui no Brasil. Em finais do Séc. XIX o fenómeno mais vergonhoso da humanidade foi abolido e o Brasil em m1888. Hoje em pleno Séc. XXI, as mazelas são gritantes. Oh, valhanos Deus. A poesia de António Jacinto é o meu consolo: “Quem dá dinheiro para o patrão comprar máquinas, carros, senhoras e cabeças de pretos para os motores?/

Quem faz o branco prosperar,ter a barriga grande — ter dinheiro?/— Quem?/E as aves que cantam,/os regatos de alegre serpentear e o vento forte do sertão responderão:— Monangambéée…” “Porém, eu finjo que sou surdo e não ouço; eu me faço de mudo e não falo; sou como alguém que não responde porque não pode ouvir” – Salmos 38. Será esse o destino dos africanos? Os que partiram forçados à Séculos e os que ficaram estão feitos uns algarismos para completar relatórios. O que fazer? Retorná-los a mãe África? A Libéria bem que tentou em 1847, mas o resultado não passa de enredos engano-sos. África, cinco mil anos perdidos entre faraós e façanhas, reinos e impérios, abutres e planos de intensões.

Como se não bastasse, a Líbia e o Mar Mediterrâneo a sangrar o futuro dos jovens. África, das constituições que são alteradas para prazeres individuais dos líderes ao “ninho dos vendilhões” que por trinta dinheiros, alienam a independência das nações, a dignidade do povo, prostituindo o carácter, os bons costumes e o seu bom nome, o que acaba sendo cronicamente penoso, nascer, viver e realizar-se em África. Isto não é afro-pessimismo, nem é poesia. É partir ou ficar de alguém que até a fé lhe foi roubada. Depois do abolicionismo no Séc. XIX, era expectável ao negro brasileiro uma cidadania plena. Na realidade, há muito de fantasia, ilusões, enganos e desenganos. Os Monangambas não desapareceram, segundo estudos recentes, o homem negro só terá uma vida próxima a do homem branco, (não o branco rico) daqui há 550 Anos. Sukuama! Só mesmo Rui Mingas para acalentar: – “Ah! Deixem-me ao menos subir às palmeiras/Deixem-me beber maruvo, maruvo e esquecer diluído nas minhas bebedeiras/— Monangambéée…” Um copo de cachaça.. Se isto é bom ou mau, só o tempo dirá.