A barragem da discórdia entre os governos do Egipto e da Etiópia

A barragem da discórdia entre os governos do Egipto e da Etiópia

Cairo e Addis Abeba estão em rota de colisão. A causa é a construção de uma enorme barragem que as autoridades etíopes consideram essencial para o desenvolvimento do país

É um projecto ambicioso da Etiópia – a construção daquela que será a sétima maior barragem no mundo e a maior em África. Construída no principal afluente do rio Nilo, o Nilo Azul, o projecto está a originar tensões entre o Cairo e Addis Abeba sobre a futura partilha de um recurso da maior importância na região: a água.

O que motivou um encontro ao mais alto nível na última quinta-feira entre o presidente egípcio, Abdel Fattah al-Sissi, e o primeiro-ministro etíope, Hailemariam Desalegn, em que ficaram claras, mais uma vez, as divergências.

O presidente Al-Sissi expressou a sua “extrema preocupação” por aquilo que pode resultar para o Egipto da construção da barragem, enquanto Desalegn garantiu que a Etiópia “nunca causa rá qualquer dano” ao povo egípcio. O objectivo de Addis Abeba é “garantir uma vida decente para todos os filhos do Nilo” e, para isso, é fundamental a construção da barragem para a produção de energia elétrica, o desenvolvimento da agricultura de irriga-causação e melhor gestão dos recursos hídricos. Segundo um estudo de 2009 do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola das Nações Unidas, a “Etiópia perde por ano dois mil milhões de toneladas de terreno fértil devido à degradação dos solos”.

Noutro plano, Addis Abeba espera vender eletricidade a países vizinhos, como a Eritreia, o Sudão do Sul, o Djibuti e o Quénia. Também no plano interno, a produção de energia é fundamental para uma das economias que mais tem crescido a nível mundial nos últimos anos. Em 2017, cresceu 9%.

Desde Março de 2011, quando foi anunciado o projecto, que o governo do Cairo afirma que a barragem irá reduzir os mais de 56 mil milhões de metros cúbicos de água por ano que utiliza do Nilo. Estimativas oficiais referem que o consumo médio per capita irá cair de 663 metros cúbicos para 582 metros cúbicos.

A importância do Nilo para o Egipto pode aferir-se pelo facto de mais de 90% dos seus 98,5 milhões de habitantes viverem nas zonas ribeirinhas. O Cairo insiste na realização de um estudo sobre o impacto real da barragem, estando em curso negociações, mas a ritmo lento. Em 2015, foi assinado um acordo entre o Egipto, a Etiópia e o Sudão sobre a partilha de recursos do Nilo, mas o Cairo tem mantido críticas àquilo que Addis Abeba chama a Grande Barragem do Renascimento Etíope.

Com um custo estimado em 4,2 mil milhões de dólares, o projecto foi financiado inteiramente por verbas nacionais e pela emissão de obrigações junto da comunidade etíope na diáspora. Além disso, todos os etíopes no país foram convidados a dar contribuições voluntárias.

A oposição prefere falar em “pressões” e afirma que mesmo pessoas com baixos vencimentos tiveram de entregar uma parte destes para financiar o projeto. O governo de Addis Abeba nega a existência de qualquer tipo de pressões. Não foi possível o financiamento internacional por Addis Abeba não ter contemplado os padrões ambientais na construção. Esta deve estar concluída em 2019, embora originalmente a data de conclusão fosse o corrente ano.

Actualmente, os trabalhos decorrem 24 horas sobre 24 horas, em três turnos, mobilizando mais de 8500 pessoas. O projecto não origina reticências só no Egipto. A nível internacional, aquela que vai ser a maior barragem em África tem gerado críticas precisamente por causa do impacto ambiental que causará na região e pelo modo como foi planeada, sem divulgação de muitos detalhes e com o governo de Addis Abeba a garantir, à medida que forem surgindo reparos, que não faria quaisquer alterações. E não o fez até agora, quando a construção está a 70%. As tensões entre o Egipto e a Etiópia têm igualmente raízes na história.

Os dois países foram adversários em diferentes momentos; por outro lado, o Egipto herdou a grande maioria dos direitos de utilização da água do Nilo por um tratado assinado no início do século XX entre Addis Abeba e Londres, que era então o poder colonial no Cairo, impondo condições gravosas aos etíopes.