“Foi possível formar os meus filhos, mesmo sendo quitandeira”

“Foi possível formar os meus filhos, mesmo sendo quitandeira”

 Duas das quitandeiras da Luanda antiga, que hoje ainda vendem no mercado do São Paulo, afirmaram que no passado, apesar das dificuldades que passavam e sendo viúvas, foi possível formar os seus filhos, que dependiam apenas delas

Por: Paulo Sérgio

Em alusão aos 442 anos que a cidade de Luanda comemora hoje, a equipa do jornal OPAÍS procurou saber junto das antigas quitandeiras como exerciam a sua actividade. No mercado do São Paulo encontramos a anciã Juliana Agostinho de Carvalho, 86 anos, na sua bancada recheada de artigos e quitutes da terra.

A vovó Juliana de Carvalho explicou que começou a vender frutas na pracinha, local onde foi erguido o banco novo. Conta que, com o passar do tempo o espaço foi aumentando consideravelmente e passou a ser praça. “Decidimos cobrir em volta com sacos, apenas para nos protegermos da poeira. No final do dia guardávamos a nossa mercadoria no mesmo sítio, não sofríamos assaltos, mas quando a chuva caía molhava os produtos e alguns estragavam-se”.

Vendo a situação que atravessavam, as vendedoras com maior idade decidiram falar com um governante, que lhes prometeu a construção de um mercado adequado para realizar as suas actividades, “foi então que surgiu o mercado do Quinaxixi, algumas quitandeiras faziam o seu comércio apenas na praça e outras também zungavam nas primeiras horas da manhã, o trabalho era realizado sem constrangimentos, até para as gestantes, e no final da tarde, já com pouco negócio encontrávamos as colegas”, lembra, com alegria, a vovó.

Juliana de Carvalho contou que na altura era já viúva e tinha oitofilhos para educar e formar, disse que foi possível proporcionar este bem para os seus descendentes, mesmo sendo quitandeira, mas lamenta, porque actualmente as zungueiras enfrentam muitas dificuldades financeira e nos dias de hoje não conseguem formar os filhos.

Disse ainda que depois da praça do Chamavo, as comerciantes que viviam no Musseque sentiram a necessidade de se construir um outro mercado. As autoridades atenderam e o mercado do São Paulo foi erguido.

A equipa de reportagem falou também com anciã Josefa Dias dos Santos e Silva, 83 anos, que começou por nos explicar que vende desde os seus 16 anos, no mercado do Chamavo. Contou que na altura as quitandeiras que zungavam eram muito poucas, o número não ultrapassava 10 e comercializavam laranja, serrabulho, matete e canginca, cada uma tinha o seu negócio definido, excepto as vendedoras de frutas que estavam em maior número.

Josefa e Silva lembrou que comercializava diferentes tipos de produtos, desde a laranja, tomates, cestos, balaios, esteiras, entre outros. Lamenta o facto de que o mercado do São Paulo, onde actualmente ainda exerce a actividade comercial, não tem o mesmo rendimento em relação ao passado. “Antigamente, com o dinheiro das vendas era possível formar os meus quatro filhos em vários ramos do saber, diferente de hoje em que se vendemos mil kwanzas por dia rendemos graças a Deus”.

De acordo com Josefa e Silva, o mercado de São Paulo, no passado vendia os mais variados produtos e o comércio era mais rentável, “hoje muitas quitandeiras foram obrigadas a trocar de negócio, outras já não vendem, na praça não encontramos mais hortaliças e muito menos peixe fresco”, frisou.