Yuri Quixina: “O carnaval seria um nicho de investimento se não fosse do Estado”

Yuri Quixina: “O carnaval seria um nicho de investimento se não fosse do Estado”

Nesta edição, o Economia Real analisa os principais temas que marcaram a semana económica e financeira, com destaque para o fórum de auscultação sobre as estratégias para as exportações e importações, o carnaval e o alerta da Moody’s sobre a economia nacional.

POR: Mariano Quissola I Rádio Mais

O país e o mundo festejaram ontem o carnaval. É possível fazer do carnaval um nicho de mercado ou de investimento?

Seria um nicho de investimento se o carnaval não fosse do Estado, porque o carnaval angolano é do Estado e só funciona com o Estado. Os grupos carnavalescos reclamam verbas ao Ministério da Cultura. Saímos do carnaval do povo para o carnaval do Estado. Os nossos impostos também pagam o carnaval, que não era assim no passado.

No passado…

No passado, as pessoas saíam dos municípios até aos pontos de desfile e ninguém gastava muito dinheiro com o carnaval. Agora estamos a gastar muito só para um dia e temos muitos problemas orçamentais para cobrir e ainda temos de meter no carnaval. Penso que devíamos recorrer às raízes para perceber como fazíamos o carnaval no passado, nos anos 80. Até nos anos 90 o Estado não gastava muito. Estamos a fazer hoje um carnaval que não é económico nem comercial, mas estamos a tirar dos poucos impostos. No Brasil e noutros países criam-se até empregos temporários.

Que estratégia propõe para torná-lo nessa máquina económico-comercial que sugere?

Primeiro, o Estado deve sair da economia e se sair vai aparecer empreendedor por necessidade ou por oportunidade. De modo geral, o investimento vai muito para os estados onde o governo não faz economia, porque é mais credível, não há negociata política. Os carnavais são económicos quando há envolvimento de toda a sociedade e o Estado fica apenas como o guarda noturno. Se continuarmos por este caminho , os próximos carnavais serão um fiasco.

O desafio da promoção das exportações e substituição de importações foi analisado em fórum. O que se pode esperar daí?

Primeiro, devo saudar o Ministério da Economia por estar a auscultar os agentes económicos. Existe um documento que prevê a aposta nas exportações e uma importação mais equilibrada. É fundamental comunicar. Agora, o PRODESI, que é o programa que dá corpo a esse desafio, é muito vago, devia ser mais profundo do ponto de vista de estratégia, porque apresenta-nos uma perspectiva de que quem importa e quem exporta não são as famílias e as empresas, mas sim o Estado. Deve- se identificar os sectores em que somos mais fortes. Como os países não importam nem exportam tudo, a estratégia que adoptam é focar-se nos sectores em que são fortes. Por outro lado, substituição das importações dá um ar de proteccionismo.

O Plano Intercalar prevê, por exemplo, o fomento das fileiras produtivas da banana, do café, cereais e outros. Não responde à sua inquietação?

O Plano Intercalar está contra o PRODESI. Se o PRODESI visa promover as exportações não pode aumentar os impostos às empresas, mas deve identificar empresas estratégicas que têm pujança para exportar, como a indústria das bebidas, por exemplo. Porquê que não se criam políticas e estratégias de internacionalização dessa indústria, para facilitar a entrada de divisas, porquê não estimular impostos? O Plano Intercalar mostra uma consolidação orçamental via imposto, com aumento das taxas de exportação. Nenhum país ficou pobre reduzindo a taxa aduaneira, pelo contrário enriqueceram. O Plano Intercalar devia estar em linha com os outros programas.

O rating de Angola pode cair abaixo do lixo, segundo a Moody’s, motivada pela reestruturação da dívida e de outros desequilíbrios. O B2 já torna a economia ‘não recomendável’ para investir. Que solução?

Antes vou referir-me ao comunicado do Ministério das Finanças, segundo a qual a Moody’s acredita no mercado angolano, apesar desse cenário. A Moody’s sempre vai acreditar porque Angola é cliente. Todos os países cadastrados na Moody’s para prestação de serviço de análise de risco no mercado financeiro internacional, são seus clientes. Qualquer investidor para investir num mercado leva em consideração os rating das agências de notação de risco. Mas convém também referir que as agências de rating são muito pro-cíclicas, quando a economia está a cair atribuem nota negativa e quando está a crescer atribuem nota positiva, mesmo que o crescimento não seja estrutural, se calhar é uma bolha. O alerta da Moody’s é normal, não precisamos de ficar arrepiados, devemos sim alterar os factores de risco como a redução do défice da balança de pagamento, que o FMI diz que ficará em 4,5% este ano e em 2022 prevê-se estar em 4,1%. São previsões e devemos alterar o comportamento.

Mas a preocupação consiste no facto de o alerta classificar a economia como não recomendável para investir. Se a nota B2 é lixo, o que esperar se a economia cair abaixo do lixo?

Bem, se o rating de Angola baixar para abaixo do lixo, pressupõe que a taxa de juro dos empréstimos será acima dos 20%. Devíamos ter uma estratégia para reverter a situação que passa por uma reforma económica que dá segurança ao mercado. O mercado não está interessado no crescimento da economia, mas também observa se há o trabalho de casa que permite potenciar as famílias e as empresas para amanhã serem ricas e milionárias. Porque o pagamento da dívida é amanhã. Amanhã são as novas gerações que vão pagar a dívida daqui a 10, 30 anos.

O mercado internacional estava no vermelho, pior que do últimos dois anos…

A semana passada foi tudo vermelho, mas as economias não estavam vermelhas. Os indicadores da economia real estavam positivos. Contraditório. Ou seja, desemprego a cair na Europa, nos Estados e a economia americana a crescer aproximadamente 2%.

Porquê dessa contradição, se o mercado financeiro reflecte a economia real?

Nem os analistas da Bloomberg conseguiam explicar de forma considerável, diziam que era resultado da expectativa do aumento da taxa de juros dos bancos centrais e o aumento da inflação. Os bancos centrais recuperaram a economia mundial de forma artificial, porque o dinheiro que colocaram na economia, quase 14 trilhões dólares, para supostamente salvar a economia mundial, não foi direccionado para o sector produtivo, foi para o consumo. Houve uma quebra entre a oferta e o consumo. Ainda podemos voltar a ter crise financeira mundial nos próximos tempos, se o comportamento dos bancos centrais continuar.

Sugestão de leitura.

“Depois da Tempestade”, de Ricardo Amorím. É um livro interessante, demonstra a crise brasileira, idêntica a angolana, porque o modelo assentou também nas matérias-primas e no consumo explosivo. Refere que quando a Dilma tomou posse, em 2010, as esperanças eram grandes, mas as frustrações também foram enormes depois. Explica a crise brasileira e faz vários questionamentos como ‘que erros nos levaram à crise’; ‘como sairemos dela’; ‘porquê a recuperação económica surpreenderá pela força’… Ricardo Amorím está entre as 100 pessoas mais influentes do Brasil. Aconselho os ouvintes do ‘Economia Real’ e os leitores do Jornal O País a lerem-no.