‘A administração trata-nos de ratos por vivermos no Buraco’

‘A administração trata-nos de ratos por vivermos no Buraco’

Localizado por trás do antigo Mercado da BCA, o bairro Buraco, no município do Cazenga, regista enchentes constantes, bem como mortes, causadas pelas chuvas, tendo sido vítimas, no mês de Fevereiro, 4 crianças. Um problema que os moradores não vêem a ser solucionado porque a administração os “abandalha”.

POR: Romão Brandão
fotos de Virgílio Pinto

Sempre que chove, obviamente, o Buraco enche. Não é apenas pelo facto de ser uma área côncava, mas também porque todos os outros bairros circunvizinho têm abertas valas que desaguam no bairro em destaque. Resultado: desde a grande enxurrada que se abateu sobre a cidade capital no dia 12 de Fevereiro, até à presente data, contabilizam 4 crianças mortas por afogamento. Não é um bairro novo, aliás, tem “oficialmente” o nome do primeiro Presidente de Angola, Dr. António Agostinho Neto. Só que, conforme a zona foi crescendo, as mutações feitas, principalmente para a construção da linha férrea, foi-se transformando numa “bacia de retenção”.

O bairro passou a ser conhecido por Buraco. A primeira vez que a nossa equipa de reportagem esteve no local, em finais do mês de Outubro, no tempo seco, encontramos apenas marcas indeléveis da chuva, nas paredes, bem como residências, igrejas e comités de partidos abandonados por causa dos estragos das águas. Visitamos o bairro durante estas enxurradas que se abatem sobre Luanda, e o cenário não podia deixar de ser diferente. É preciso muita coragem para viver naquelas condições. Ruas intransitáveis, residências inundadas, relatos de mortes de crianças e moradores com rostos de amargura, resultante do desespero que dizem ser provocado pela administração local.

A água da chuva, misturada com lixo, ultrapassou a altura do joelho do morador Julião Neves, que aproveitou as lentes da máquina do nosso fotógrafo para expor as dificuldades por que passam há mais de dez anos (altura em que aconteceu a primeira inundação) no Buraco. Foi na área em que escolheu ser fotografado em que encontraram os corpos das quatro crianças a flutuar. “São crianças daqui do bairro. Estavam a brincar e foram surpreendidas pela enchente. A família teve de transferir o óbito no bairro da Fofoca (Kilamba Kiaxi). Não sabemos se vamos viver assim até quando…O administrador já disse que ninguém nos mandou viver aqui, porque no Buraco é lugar de ratos e lagartos”, lamentou.

A bacia terá sido criada

O entrevistado não entende por que razão a Centralidade do Cazenga tem as casas inabitadas quando os munícipes passam mal. A morte, sempre que chove, bate à porta deles e, na sua opinião, não se está a cumprir o desiderato do Presidente da República quanto ao facto de se “melhorar o que está bem e corrigir o que está mal”. “Se Agostinho Neto dizia que o mais importante é resolver o problema do povo, não se tem acompanhado isso aqui, no bairro que tem o seu nome. Nós só estamos assim porque houve alteração na via principal e toda a água vem para aqui.

É melhor que nos partam as casas e nos mostrem um sítio para viver”, disse o munícipe António Pedro Gaspar. António Pedro Gaspar recorda-se que lhes tinha sido dito que os moradores do Buraco seriam desalojados e o destino eram as casas da Centralidade que fica no Gamek, mas mesmo depois de feito o cadastro do pessoal, passados anos, nada aconteceu. Lá se foi o tempo em que, no bairro Buraco passavam carros, tal como recorda o jovem Leandro, pois não era uma “bacia”. Depois de serem feito as obras na linha férrea, o bairro nunca mais foi o mesmo. Para além de o administrador ignorar “o nosso clamor, já nos disse que ali vivem ratos”, sentimo-nos mal com isso. Agora só procuramos sobreviver”.

Só promessas atrás de promessas

“O bairro Buraco não é indígena, pois todas as casas têm o cadastro numérico, do quarteirão e sector a que pertencem, feito pela administração do Cazenga”, dizem os moradores. Da mesma forma, têm o cadastro da ENDE e, como se não bastasse, foram instaladas torneiras, pela rede pública de distribuição de água. O levantamento feito pela coordenação local aponta para um total de 345 famílias que lutam contra as enchentes, os mosquitos, a falta de energia e de água corrente, bem como as mortes por afogamento, o desabamento de casas e doenças do tempo chuvoso. Todo o dossier foi entregue à Administração e até ao momento esperam por uma resposta. Quem normalmente os tem visitado é o administrador comunal, Simão Neto, segundo o morador Gelson Serafim. Mas, no último Domingo, Tany Narciso, administrador do Cazenga, esteve no local e prometeu resolver o problema. Promessas sempre tiveram, o grande problema é o cumprimento das mesmas.

O entrevistado é responsável pela área de evacuação das águas e diz estar cansado de viver sempre o mesmo dilema. A moto-bomba que têm, disponibilizada pela Casa Militar, está cansada e já não aguenta. Os gastos são constantes para a compra de gasolina. O modo como são tratados, dizem, dá a entender que não são cidadãos angolanos, segundo Dona Pancha, pois, desde 2007 até à presente data anda a pedir por socorro e “a Administração não se preocupa”. Para ela, o administrador não pode dizer que no Buraco vivem ratos e não pessoas, “porque na altura das eleições estiveram neste mesmo Buraco a pedir que votássemos”. Tudo o que querem é sair daquele bairro, porque mesmo que coloquem esgotos ou usem moto-bombas, o problema não será resolvido. Pedem que, pelo menos, lhes seja entregue um terreno para construírem novas casas. Em frente à casa de Dona Pancha tem uma lagoa que “nunca secou”, ela luta com os mosquitos e lembra que no ano passado técnicos da Administração deram a cada família um mosquiteiro. “Numa casa em que vivem sete pessoas um mosquiteiro, vamos dormir como?” questiona. Já a preocupação da moradora Arnélia Da Silva é onde vai dormir, porque a sua casa continua inundada.

‘Têm que deixar de construir na Bacia’

O administrador do Cazenga tem conhecimento do problema, nega ter dado o nome de ‘rato’ aos moradores e diz que estes persistem em construir naquela zona

Tany Narciso reconheceu que aquele bairro não era assim, inclusive tinha uma estrada que atravessava o mesmo, mas houve muita relutância das pessoas em construir naquele local. Chegou a falar com os populares que alegavam a falta de condições, por causa da guerra, para arranjarem outro sítio. A administração tem todo o pessoal cadastrado, já alguns moradores foram retirados do Buraco e receberam casas na Sapú. “A nossa ideia é: quando tivermos prontas as habitações sociais, retirar os moradores dali e dar a mesma solução que se deu à Bacia do Coelho”, disse o governante.

O tratamento que se vai dar às bacias do município do Cazenga é o mesmo tratamento que se deu à Bacia de Retenção do Coelho, segundo Tany Narciso. Cazenga tem uma série de bacias, dentre as quais a da Catumbela, Mabululo, Tio Kimbundo, Buraco da Sucata e da BCA, cujo tratamento não pode ser diferente. Os moradores procuram entulhar, mas, para o administrador, essa não é a solução. A solução é retirá-los e o bairro ser realmente uma bacia de retenção. “Se virmos bem, o próprio Coelho tornou-se numa bacia de retenção provocada pela inexistência de colectores. Por outro lado, se o problema da drenagem da Avª Deolinda Rodrigues estivesse resolvido, não teríamos todas estas bacias de retenção, quer do lado esquerdo, quer do direito”, explicou.

A grande intervenção neste problema será a criação de uma macro-drenagem das águas da Deolinda Rodrigues, que vai obrigar a que se partam casas e até mesmo fábricas. Os trabalhos já estão a ser feitos. “Ali sempre foi uma lagoa, embora não muito profunda. O que acontece é que a lagoa, quando baixa de volume, as pessoas constroem, e depois temos estes desastres. Outra coisa que precisam de saber é que o Cazenga tem uma série de lençóis de água e cada vez que cavam vão descobrindo”, sublinhou. Quanto ao facto de ter tratado os moradores de “ratos e lagartos” por preferirem viver no bairro do Buraco, Victor Nataniel Narciso “Tany Narciso” desmentiu esta informação, tendo acrescentado que é uma pessoa muito bem-educada, pelo que a sua formação não lhe permite dizer isso. No final, rematou: “mas o Buraco não é sítio para se viver, não é para construir casa”.