Tribunal de Luanda adia julgamento de jornalistas

O antigo Procurador-geral da república, João Maria Moreira de Sousa, e os cidadãos Adriano Henriques Mendes, Bernardo Maneco e Domingos Luís Artur Kalufele estão arrolados como declarantes neste processo

Por: Paulo Sérgio

O Tribunal Provincial de Luanda adiou, sem data, a primeira audiência do julgamento dos jornalistas Mariano Brás e Rafael Marques, agendada para Segunda-feira, 5, a pedido dos advogados do antigo Procurador-Geral da República (PGR), João Maria de Sousa. Mariano Brás declarou ontem a OPAÍS que recebeu esta informação na Sexta-feira, via telefónica, de um dos oficiais de diligência da 6ª Secção de Crimes Comuns.

Os jornalistas são acusados de terem cometidos os crimes de “injúria contra autoridade pública” e “ultraje ao órgão de soberania”. “Apesar disso continuamos expectantes pelo desfecho deste caso, conscientes de que não cometemos crime algum, uma vez que só publicamos um texto de opinião do Rafael Marques que tem provas materiais sobre aquilo que escreveu”, frisou.

O anúncio do arranque deste julgamento serviu de mote para diversos profissionais de comunicação social organizarem uma manifestação com o intuito de exigirem o respeito à liberdade de imprensa e de expressão. Pelas redes sociais, jornalistas de órgãos públicos e privados prontificaram-se a comparecer no Palácio Dona Ana Joaquina, na Segunda-feira, trajados de branco, a fim de fazerem tal exigência.

O jornalista Eduardo Gito, promotor da iniciativa, disse que com o adiamento da sessão viram-se obrigado a suspender temporariamente “a missão de solidariedade” para com os seus colegas e que tão logo seja remarcada, darão sequência”.

Assim que for anunciada a data, segundo ele, os promotores darão continuidade à campanha de mobilização para que um número considerável de jornalistas compareça no Palácio Dona Ana Joaquina, às 8horas, a fim de protestarem de forma passiva e ordeira. “Essa manifestação foi organizada por jornalistas da nossa geração, o que demonstra que há cada vez mais solidariedade no seio da nossa classe. O que o pessoal fez não tem preço”, declarou Brás.

O processo em causa

O processo, com o número 805/17-MºPº, foi movido em razão de uma notícia divulgada pelo site Maka Angola, de Rafael Marques, e pelo jornal O Crime, dirigido por Mariano Brás. “Procurador-Geral da República envolvido em corrupção”, assim se intitulava, em 2016, o artigo publicado no site que alertava a sociedade sobre o suposto envolvimento do general João Maria de Sousa na compra de um terreno de três hectares, com vista para o mar, localizado no município do Porto Amboim, província do Cuanza-Sul.

Pelo facto de o jornal O Crime ter publicado o referido artigo no espaço opinião, após o seu director, segundo a acusação, ter tecido “algumas considerações pessoais sobre a mesma”, tendo-a destacado na primeira página, exibindo a imagem do antigo Procurador Geral da República (PGR), João Maria de Sousa, envergando o seu traje oficial (a beca), sob o título: “Procurador- Geral da República acusado de corrução”, Mariano Brás é arrolado no processo como arguido.

Na acusação, o Ministério Público junto ao Tribunal Provincial de Luanda diz que, em virtude de tais publicações, fez-se a respectiva participação criminal, tendo- se, no decurso das diligências efectuadas, apurado junto do Departamento do Instituto Geográfico e Cadastral de Angola (IGCA), no Cuanza-Sul, que o general requereu “efectivamente, e foi-lhe deferido o título de concessão de Direito de Superfície com o número 435, sob o processo 144/ KS/2011, datado de 25 de Maio de 2011”, lê-se no documento.

Seguidamente, explica que passado um ano, por falta de pagamento dos emolumentos, o contrato atrás referido deixou de ter validade, “tendo, deste modo, o ofendido João Maria Moreira de Sousa perdido o título de concessão do direito de superfície a favor do Estado.

A tipicidade dos supracitados crimes é fundamentada com o facto de, na data de publicação dos referidos artigos, o general exercer a função de PGR, tendo sido nesta qualidade que os arguidos as publicaram, tanto no site, como no jornal. “No mesmo sentido foi mencionado o Presidente da República, que, na qualidade de órgão de soberania, foi tratado de um modo ultrajante pelos arguidos”, fundamenta a acusação.

A magistrada do Ministério Público que dirige o processo considera que os jornalistas “agiram de modo livre, consciente e deliberado”, na acusação datada de 12 de Maio de 2017.

Foram arrolados como declarantes João Maria Moreira de Sousa, antigo Procurador-Geral da República, Adriano Henriques Mendes, Bernardo Maneco e Domingos Luís Artur Kalufele. Refira-se que sobre Rafael Marques de Morais, a notícia foi publicada no Maka Angola acompanhada pelo questionário alegadamente enviado ao Procurador- Geral da República.