Se não abrir a boca, morre

Se não abrir a boca, morre

Acreditando nos milagres que os bispos e pastores da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) têm propalado tanto nos seus templos, como em alguns órgãos de comunicação social, Joelson recorreu à “água milagrosa” mas sem sucesso. A família clama por ajuda

O rosto do pequeno Joelson Lituai André, de oito anos, está completamente deformado. Não sente dores, mas corre risco de morte sempre que dorme, pois não consegue respirar pelas vias nasais, sendo a boca o seu único refúgio. Para evitar o pior, Esperança Lituai, mãe, não prega o olho sempre que o seu filho tenta desfrutar deste privilégio, a que todo o ser humano tem direito: sono.

“Ele não consegue sentir o cheiro das coisas, nem respirar pelo nariz. As carnes cobriram-lhe o nariz. Eu não durmo praticamente. Tenho de ver se ele está a dormir de boca aberta, caso feche a boca por descuido, procuro abri-la”, detalhou. Mais adiante disse, com o semblante triste, que tem sido frequentemente confrontada pelo seu sexto filho com algumas questões a que não consegue responder.

Dentre as quais, “mãe, por quê não fico melhor? Por quê sou o seu único filho que está sempre doente?”. Sem respostas, Esperança limita-se a chorar. Há quatro anos que a vida da família de Joelson mudou completamente ao ser diagnosticado Displasia Fibrosa Óssea, caracterizado pelo desgaste ósseo resultante em deformidades externas, no Instituto Nacional de Controlo do Cancro, junto ao Hospital Josina Machel.

Até então, a doença era desconhecida por esta família, que reside em Saurimo, Lunda-Sul, e a sua designação nem sequer fazia parte do seu léxico. Esta era a hipótese que jamais haviam levantado, diante das aparentes crises de sinusite. Em Luanda, e só com o pequeno Joelson, dona Esperança recebeu do médico Armando Baptista, que o consultara, garantias de que a doença seria curada com uma intervenção cirúrgica.

Recorda, em declarações a OPAÍS, que por essa razão o dia 17 de Junho de 2014 passou a fazer parte das datas que não esquece. No mesmo ano Joelson foi operado aparentemente com sucesso e regressaram à Saurimo. Os dois anos seguintes, isto é, 2015 a 2016, foram normais para o pequeno e nem sequer imaginava que o pior estava por vir. Em 2017, no momento em que menos esperavam, o nariz voltou a aumentar de tamanho e o temor a apossar-se da família.

Rapidamente deformou-lhe o rosto. Preocupada, dona Esperança e o pequeno Joelson retornaram a Luanda em busca de solução para o problema. Na instituição onde fize-ram a cirurgia, em 2014, já não encontraram a equipa que o operou. Acreditando nos milagres que os bispos e pastores da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) têm propagado, tanto nos seus templos como em alguns órgãos de comunicação social, dona Esperança recorreu à tão propalada “água milagrosa” mas sem sucesso.

“Até à água da Igreja Universal recorri e nada”, disparou. Face a esta situação, voltou a depositar a sua esperança nos médicos e clama por ajuda para que o seu filho seja devidamente assistido. “Me abusam muito, por isso não estudo” Sentado numa cadeira azul de plástico, em casa de uma tia, no bairro Hoji Ya Henda, Cazenga, onde está hospedado, Joelson contou que o seu maior desejo é voltar a estudar, mas vê-se impossibilitado.

Se não fosse o problema de saúde, agravado com a descriminação que sofre sempre que sai à rua, estaria a frequentar a terceira classe. “Na escola me abusam muito, por isso não estudo”, desabafou o menino. Auxiliando o filho, pelo facto de o som das suas palavras sair na tonalidade nasal, Dona Esperança acrescentou que “ele vai brincar, mas algum tempo depois regressa triste porque as outras crianças abusam dele. E não só, há mais velhos que olham para ele de um modo diferente.”

Elenco da Paz na causa

O grupo musical do estilo kuduro, Elenco da Paz, comovido com o estado do menino, entrou na causa. Dona Esperança reconhece que eles têm ajudado muito. “ Foram eles que me deram o dinheiro de transporte para chegar até aqui. Há dias deram-me 10 mil kwanzas para comprar iogurte para o Joelson.

Eles estão a ajudar muito”, frisou. Contactado pelo OPAÍS, o porta-voz do grupo, Manda Chuva, afirmou que estão muito comovidos com o estado do menino. “Nós acreditamos em dias melhores.

O Joelson vai ficar bem.” Segundo o músico, o grupo está a realizar um show com o intuito de angariar fundos para ajudar o menino. A dona Esperança, mãe de 7 filhos, está desempregada. Diz que o seu marido também não tem emprego e o pouco que consegue, em biscates, serve para assegurar o sustento dos filhos.