Empresários nacionais não devem temer concorrência em África

Empresários nacionais não devem temer concorrência em África

Chefe da equipa de negociadores do processo de adesão de Angola à Zona de Livre Comércio de África (ZLCA), Videira Pedro disse, em exclusivo ao OPAÍS, que tudo está a ser feito salvaguardando os interesses angolanos. E mais: defende que os empresários devem competir com os seus colegas, quer da região da SADC, quer do continente, de forma geral. Afirma que a abertura trará consigo benefícios para o país

Texto de: Miguel Kitari

Angola é signatária da Zona de Livre Comércio de África, no entanto, sabemos que devem ser dados alguns passos, como é que está o processo?

Para poder situar os nossos leitores, começo por fazer um historial sobre este processo: tudo começou em 1991, quando os Chefes de Estado assinaram o Tratado de Abuja (Nigéria), através do qual decidiram criar a Comunidade Económica.

De lá para cá, só em 2012 é que o dossier foi retomado, aquando da Cimeira dos Chefes de Estado, em Adis- Abeba-Etiópia. Foi nesta ocasião que se decidiu pelo relançamento do Tratado de Abuja. E, como é do vosso conhecimento, para formar uma comunidade como é esta, há várias etapas que devem ser seguidas.

A primeira etapa consiste na criação da Zona de Comércio Livre de África. Depois desta etapa será criada uma União Aduaneira Africana e, por fim, uma União Monetária. É assim que em Abuja 2015, e depois em Joanesburgo (África do Sul), foram lançadas as negociações.

Os Chefes de Estado decidiram que deviam partir paras as negociações, mas obedecendo alguns princípios. São esses princípios que nortearam este processo que ainda está em curso.

Um dos princípios que podemos aqui destacar é que são os próprios Estados que negoceiam as suas posições, sem interferência das respectivas comunidades regionais ou de outra entidade africana. Outro princípio é o da geometria variável. Quer dizer que aqueles países que estiverem prontos para entrar já, podem faze-lo. Aqueles que ainda não têm condições criadas podem aderir mais tarde. Existem ainda outros princípios, como são a reciprocidade, flexibilidade, boas práticas e outros.

Depois disso qual será o passo seguinte?

Teremos o comércio de mercadorias e de serviços. E na segunda fase teremos a política de concorrência, propriedade intelectual e cooperação nos investimentos. Neste momento ainda estamos na primeira fase.

Quando é que termina a primeira fase?

Pensamos que depois do calendário feito após a assinatura do acordo de Kigali, no Rwanada, esta primeira fase deve terminar em Fevereiro de 2019. Importa ainda referir que depois da assinatura, os Estados membros devem ratificar o acordo nos seus respectivos países.

De acordo com a Lei Constitucional de cada um deles, há países cujo documento será submetido ao parlamento, ao passo que noutros o Conselho de Ministros tem competência para o ratificar. Depois da ratificação os instrumentos jurídicos devem ser depositados na União Africana.

E, após o vigésimo segundo membro ter ratificado e depositado o documento na UA, a Zona de Comércio Livre entra em vigor. Depois deste processo, passarão a ser chamados Estados parte do acordo, e não Estados membros, uma vez que terão obrigações.

E como fica a questão da tributação?

Como disse, as negociações ainda estão em curso. No mês de Janeiro, quando os Chefes de Estado se reuniram, havia toda uma necessidade de se dar outro impulso na criação desta Zona de Livre Comércio. É assim que nos temos vindo a engajar na finalização de quatro documento, designadamente o Acordo, o Protocolo sobre o Comércio de Mercadorias, o Protocolo sobre o Comércio de Serviço e, o quarto, o documento que se refere à Resolução de Diferendos. Entretanto, os outros documentos que fazem parte do pacote vão começar a ser revisados a partir do final deste mês, em Adis-Abeba.

Aliás, o Ministério da Justiça se fará representar por um técnico que vai fazer parte das negociações. Estes documentos, e que posso citá-los, referem-se à Liberalização Tarifária, que será um anexo ao Protocolo sobre o Comércio de Mercadorias, Regra de Origem, Barreiras Técnicas ao Comércio, Barreiras Não Tarifárias, Saúde de Plantas, e outros documentos. Estes documentos vão permitir regular o mercado para que não que haja países que mais ganhem enquanto outros perdem.

É este equilíbrio que se quer, pois, os países não estão todos no mesmo patamar de desenvolvimento. Há países encravados, uns dependentes da economia azul (recursos marítimos) e outros menos industrializados.

E como será feita a liberalização tarifária?

Os países vão identificar os produtos sensíveis e elaborar uma lista de produtos por excluir. Uma coisa é certa, e que já foi definida: 90% da linha tarifária deve ser liberalizada com urgência.

Entrada para SADC é irreversível

Parece haver aqui uma contradição, Angola ainda não aderiu à Zona de Livre Comércio da Comunidade de Desenvolvimento de África Austral (SADC) mas, entretanto, já está a trabalhar numa perspetiva mais alargada. Qual é a explicação técnica? Sobre a SADC, estamos ainda a trabalhar.

Há um roteiro que foi já sinalizado, ao nível técnico, que brevemente será submetido ao Chefe de Estado ou ao Conselho de Ministros, como é norma, para a sua discussão e aprovação. E, segundo as orientações que me foram baixadas, em 2019 devemos aderir à Zona de Livre Comércio da SADC.

Ainda na SADC, importa referir que assinamos o protocolo de troca de mercadorias, que foi ratificado pela Assembleia Nacional. Só que nós fizemos um processo inverso, pois devíamos primeiro negociar as nossas ofertas, tal como os outros países fizeram. Em todo o caso, tudo depende da opção do país, como aconteceu agora com as Ilhas Seicheles, que apresentou a oferta tarifária só depois de ter assinado.

Com base na pauta aduaneira, os países escolhem os produtos que devem ser liberalizados já de imediato. Há outros produtos, que se o país entender que pode tirar vantagem produzindo localmente e para não “asfixiar” à indústria nascente, como é o caso de Angola, pode-se estabelecer um calendário de desmantelação tarifária, que consiste na redução das tarifas de forma paulatina.

Os empresários nacionais sentem- se desprotegidos sobretudo porque os potenciais concorrentes, sul-africanos e namibianos, possuem mais incentivos bancários dos seus Estados. Esta preocupação tem razão de ser?

Não penso assim. Não devemos ter medo da concorrência. Aliás, a criação da Zona de Livre Comércio vai impulsionar o desenvolvimento agrícola, da indústria e de outros sectores, fazendo com que os jovens se fixem mais no continente, e não partam para a Europa em busca de maiores oportunidades.

Mas estamos em condições de competir com quem vem de fora?

Não podemos ter medo de competir. Nós temos mecanismos que podem ser accionados caso o empresariado nacional se sinta ameaçado.

Que mecanismos são esses?

Trata-se de mecanismos que salvaguardam os interesses da indústria nacional. Se inicialmente não tínhamos protegido um determinado produto, e no momento da operacionalização da Zona de Livre Comércio notarmos que algo vai mal no sentido de asfixiar este produto da nossa indústria, seguramente, vamos accionar este mecanismo.

Não será dar um passo atrás?

Não, pois, isso está previsto no acordo. Inclusive prevê a saída da Zona de Livre Comércio também. Pode fazê-lo, mas tem regras. É um processo que só poder ser feito cinco anos depois, e a intenção deve ser manifestada dois anos antes.