Serviços prisionais acusados de recusarem livros para reclusos

Serviços prisionais acusados de recusarem livros para reclusos

Um grupo de activistas, que desenvolveu o projecto “Empréstimo da Confiança” foi impossibilitado de levar livros (a título de empréstimo) para os reclusos das cadeias de Luanda. Os Serviços Penitenciários responderam dizendo que estão abertos a esta parceria, desde que a organização seja reconhecida pelo Estado

POR: Romão Brandão

O grupo enviou uma carta pedindo autorização para acção cívica, aos Serviços Penitenciários, em Dezembro do ano passado, tendo recebido uma resposta negativa no dia 25 de Abril. Não lhes foi autorizada a implementação do projecto “Empréstimo da Confiança” nas cadeias de Luanda. Segundo Dito Dali, um dos integrantes do grupo, em entrevista ao jornal OPAÍS, o “Empréstimo da Confiança” é um projecto cívico concebido para intercâmbio entre angolanos, com base em trocas de livros a título de empréstimo, com o objectivo de estimular a confiança social colectiva entre concidadãos.

Com esta ideia, o grupo pretendia de levar livros aos presos, em forma de empréstimo, com o objectivo de participarem no desenvolvimento do país, uma vez que muitos que ali se encontram não estudam. Os livros, antes de entrarem na cadeia, passariam por uma vistoria, mas nem assim lhes foi permitido. Dito Dali confirmou ter contactado a directora de Assistência e Reabilitação Penitenciária, Maria Simone Álvaro do Céu Gaspar, para os procedimentos que se impõem e lhe foi dito que as normas internas dos Serviços Penitenciários não permitem a entrada, na cadeia, de pessoas que não sejam uma empresa e associações devidamente reconhecidas e formalizadas no Diário da República de Angola. Pediu que lhe fosse entregue a norma, o que não aconteceu.

“O livro não mata ninguém”, ironizou, tendo acrescentado: “estamos a retroceder, uma vez que nos outros países, quanto mais próximo do conhecimento estiver a pessoal que cumpre pena, melhor para o seu processo de reabilitação. “Sabendo que alguém privado de liberdade tem necessidade de leitura e querendo contribuir para o bem-estar psicológico destas pessoas”, os activistas pretendiam deslocar-se às cadeias uma vez por mês, para o acto de entrega e recepção dos livros deixados, conforme a carta. A intenção era fazer chegar os livros aos presos por meio dos seus familiares, o leitor ou leitora poderia ficar com o livro durante 30 dias, sendo que o familiar ou amigo deverá devolver findo esse prazo, mas mesmo para isso tinham de ter autorização.

Estamos abertos a esta parceria, desde que a instituição seja legal’

Sobre o assunto, o jornal OPAÍS contactou o portavoz dos Serviços Penitenciários, Menezes Cassoma, que começou por confirmar o pedido do grupo de activistas e a consequente recusa por parte da instituição. Para o processo de reabilitação, independentemente do papel dos Serviços Prisionais, contribui a participação da sociedade civil, pelo que é de louvar, segundo Cassoma, a iniciativa daquele grupo de jovens. Mas é importante que se cumpra a Lei Penitenciária. A referida Lei apresenta algumas cláusulas que devem reger as relações com a sociedade civil, dentre as quais a que diz que “devem ser organizações reconhecidas pelo Estado angolano”.

Do ponto de vista jurídico, os Serviços Penitenciários não receberaam nenhum documento que ateste o reconhecimento da associação dos jovens activistas, pelo que não podem fazer um “empréstimo de livros”, uma vez que estariam de 30 a 30 dias no estabelecimento prisional, e sim uma doação (cujos livros seriam armazenados na biblioteca do recinto). “Para além da legalidade e reconhecimento da organização, uma vez que a relação seria permanente, é necessário que se tracem mecanismos, pois que os livros sob a posse dos detentos podem, por exemplo, danificar- se”, disse. Por isso é que os serviços têm estado a receber igrejas, associações e outros projectos que trazem livros, e aqui destaca o “Poesia ao Pôr do Sol”, da Casa da Cultura Njinga a Nbande, para mostrar que estão abertos a esta parceria, desde que se observe a Lei.

Sustenta a sua defesa no artigo 58, nº 3, da Lei Penitenciária e no artigo 238º, nº1, do Decreto Executivo 272/16, de 21 de Junho, normas de execução permanentes da actividade penitenciária, também para responder aos activistas, quando perguntam sobre em que documento está a regra que não permitiu que “emprestassem livros aos presos”. “Não temos dificuldades em receber livros, tanto a título colectivo, quanto a título individual. Este último, se for doacção, não precisa apresentar nenhum documento. Tratando-se de um grupo de jovens, é necessário que seja reconhecida”, voltou a esclarecer.