Acesso à energia no mundo regista progresso lento

Acesso à energia no mundo regista progresso lento

O mundo não está no bom caminho para cumprir os objectivos globais da energia para 2030, definidos como parte dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, de acordo com um novo relatório de cinco agências internacionais.

“A experiência dos países que aumentaram substancialmente o número de pessoas com electricidade num curto espaço de tempo acalenta a esperança de que podemos alcançar os mil milhões de pessoas que ainda vivem sem energia”, afirmou Riccardo Puliti, director sénior de Energia e Indústrias Extractivas do Banco Mundial. O relatório faz referência que estão a ser feitos progressos reais em determinadas áreas, em particular na expansão do acesso à electricidade nos países menos desenvolvidos.

Outros ganhos significativos referidos no mesmo relatório são as energias renováveis que estão a registar progressos no sector da electricidade, mas infelizmente, tais avanços não estão a acontecer nos transportes e no aquecimento, dois sectores que, em conjunto, representam 80% do consumo global de energia. Se bem que as tendências globais sejam decepcionantes, experiências nacionais recentes em todo o mundo dão sinais encorajadores, refere o documento. O relatório lançado este mês no Fórum Energia Sustentável para Todos, é a análise mais abrangente que existe do progresso mundial com vista aos objectivos globais da energia em matéria de acesso à electricidade, combustíveis limpos para cozinhar, energia renovável e eficiência energética.

África na Cauda das Estatísticas

Mil milhões de pessoas – ou seja 13% da população mundial – ainda vivem sem electricidade. A África Subsahariana e a Ásia Central e Austral continuam a ser as áreas do mundo com os maiores défices de acesso, lê-se no relatório que revela ainda que cerca de 87% da população mundial sem electricidade vive em áreas rurais. Todavia, a parte acalentadora do relatório é a que faz referência ao facto de o número de pessoas que conseguem acesso à energia ter registado um aumento a partir de 2010, mas precisa de crescer mais rapidamente para se alcançar o acesso universal à electricidade em 2030. “Se as tendências actuais continuarem, estima-se que 674 milhões de pessoas ainda vivam sem electricidade em 2030” alerta o estudo.

O défice de electrificação da África Subsahariana começou a cair, em termos absolutos, pela primeira vez. Alguns dos ganhos mais significativos realizaram-se no Bangladesh, Etiópia, Quénia e Tanzânia, tendo todos aumentado a taxa de acesso à electricidade em 3% ou mais, ao ano, entre 2010 e 2016. Durante o mesmo período, a Índia forneceu electricidade a 30 milhões de pessoas anualmente, mais do que qualquer outro país. Dezenas de milhões de pessoas têm agora acesso à electricidade através de sistemas solares domésticos ou da ligação a mini-redes. Contudo, estes continuam concentrados em cerca de uma dúzia de países pioneiros, onde a penetração da electricidade solar pode alcançar 5 a 15% da população.

Combustíveis Limpos para Cozinhar

Três mil milhões de pessoas – ou mais de 40% da população mundial – não têm acesso a tecnologias e combustíveis limpos para cozinhar pelo que a poluição do ar nas residências, resultante da queima de biomassa para cozinhar e para fins de aquecimento, é responsável ainda por aproximadamente 4 milhões de mortes anuais, sendo as mulheres e as crianças as mais ameaçadas. “É inaceitável que, em 2018, 3 mil milhões de pessoas ainda respirem todos os dias fumos mortais por cozinharem com combustíveis e fogões poluentes. Todos os anos, a poluição do ar das casas tira a vida a cerca de 4 milhões de pessoas que morrem de doenças que incluem a pneumonia, doença cardíaca, derrame, doença pulmonar e cancro”, disse a Dra. Maria Neira, directora do Departamento da Saúde Pública, Determinantes Ambientais e Sociais da Saúde, na Organização Mundial de Saúde (OMS).

Segundo aquela entidade os pequenos resultados positivos foram em grande medida impulsionados pela difusão generalizada do GLP ou gás natural canalizado. Na Índia, Paquistão, Indonésia e Vietname, a população com acesso a tecnologias de combustíveis limpos para cozinhar registou um crescimento anual de 1% acima do da sua população. Na África Subsahariana, contudo, o crescimento da população nos últimos anos ultrapassou o número de pessoas que obtêm acesso a tecnologias limpas para cozinhar na proporção de quatro para um. O mais atrasado de todos os quatro objectivos para a energia continua a ser os combustíveis limpos para cozinhar, devido à fraca sensibilização dos consumidores, aos défices de financiamento, ao fraco progresso tecnológico e à ausência de infra-estruturas para a produção e distribuição de combustíveis. Se a actual trajectória se mantiver, 2 300 milhões de pessoas continuarão a usar os métodos tradicionais para cozinhar em 2030.

Eficiência Energética

Globalmente, a intensidade energética, que é a relação entre o consumo de energia e a unidade do PIB, caiu a um ritmo acelerado de 2,8% em 2015, o declínio mais rápido desde 2010. Este facto melhorou a média de declínio anual da intensidade energética para 2,2% no período 2010-2015. Mas o desempenho ainda está aquém da redução anual de 2,6% pretendida para cumprir um dos objectivos do milénio que é o de duplicação da taxa global de melhoria da intensidade energética em 2030. A melhoria da intensidade energética na indústria, para 2,7% ao ano desde 2010, foi especialmente encorajadora, já que se trata do sector com mais consumo de energia a nível mundial.

O progresso no sector dos transportes foi mais modesto, em particular no transporte de mercadorias, sendo um especial desafio para os países de rendimento elevado. Nos países de rendimento médio e baixo, a intensidade energética do sector residencial tem vindo a aumentar desde 2010. Seis dos 20 países que representam 80% da oferta total de energia a nível mundial, incluindo o Japão e os EUA, reduziram o seu fornecimento anual de energia entre 2010- 15, continuando simultaneamente a aumentar o PIB, o que indica um pico no consumo de energia. Entre as economias em desenvolvimento de maior intensidade energética, destacaram-se a China e a Indonésia ao apresentar uma melhoria anual superior a 3%.

Energias Renováveis

A partir de 2015, o mundo obtinha 17,5% do seu consumo final total de energia de fontes renováveis, sendo 9,6% representado por formas modernas de energias renováveis, como por exemplo, a geotérmica, hidroeléctrica, solar e eólica. As utilizações tradicionais de biomassa (como lenha e carvão) perfazem o restante. Com base nas políticas actuais, espera-se que a quota de energia renovável atinja apenas 21% em 2030, com as energias renováveis modernas a crescerem até 15%, muito abaixo do grande aumento exigido pelo objectivo de desenvolvimento sustentável 7 (ODS7). Os custos cada vez mais baixos permitiram que a energia eólica e solar competissem com as fontes convencionais de produção de energia em várias regiões, impulsionando o crescimento da quota de renováveis na electricidade para 22,8% em 2015. A percentagem de energia renovável nos transportes está a aumentar rapidamente, mas de uma base muito baixa, chegando apenas a 2,8% em 2015.

A utilização de energia renovável para fins de aquecimento praticamente não aumentou nos últimos anos, tendo ficado em 24,8% em 2015, dos quais um terço era proveniente de utilizações modernas. A partir de 2010, só o progresso registado pela China nas energias renováveis era responsável por cerca de 30% do crescimento absoluto do consumo mundial de energia renovável em 2015. O Brasil foi o único país, entre os 20 maiores consumidores de energia, a ultrapassar consideravelmente a média global da percentagem média de renováveis em todas as utilizações finais: electricidade, transportes e aquecimento. “Quando fazemos um balanço do progresso no sentido do objectivo global em matéria de energia sustentável, estes últimos dados mostram, sem qualquer dúvida, que há necessidade de mais acção e de liderança política, se quisermos cumprir a nossa promessa de não excluir ninguém” disse Rachel Kyte, Representante Especial do Secretário-geral das Nações Unidas e CEO de Energia Sustentável para Todos. O Relatório sobre os Progressos em Energias é um esforço conjunto da Agência Internacional da Energia (AIE), Agência Internacional para as Energias Renováveis (IRENA), Divisão de Estatística das Nações Unidas (UNSD), Banco Mundial e Organização Mundial de Saúde (OMS).