Lula, um mês preso e uma dor de cabeça cada vez maior para as eleições

Lula, um mês preso e uma dor de cabeça cada vez maior para as eleições

O ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva completou nesta Segunda-feira (7) um mês preso, em condições áusteras, mas flexíveis, que lhe permitem ver televisão, tomar banho de sol e ler García Márquez, enquanto se torna uma verdadeira dor de cabeça para as eleições de Outubro.

O líder da esquerda, de 72 anos, está confinado num espaço de 15 metros quadrados preparado especialmente para ele na sede da Polícia Federal, em Curitiba, isolado dos outros 22 presos do edifício. Com um televisor de plasma próprio, banheiro particular e uma mesa com cadeiras, Lula não tem horários. Contudo, costuma levantar- se às 07h00, toma o café da manhã vendo o telejornal, caminha pela sala para se exercitar, lê “O amor nos tempos de cólera”, do vencedor do Nobel de Literatura Gabriel García Márquez, e pode sair para tomar banho de sol duas horas por dia, quando desejar, segundo a revista Veja. Até agora recebeu a visita dos seus familiares e advogados e, com muito mais restrições, de figuras do PT, como a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, e o ex-governador da Bahia, Jaques Wagner.

Lula já ficou preso por 31 dias em 1980 por liderar uma greve maciça de metalúrgicos durante a ditadura militar. Apesar de permanecer atrás das grades previsivelmente por um tempo muito maior, Lula continua a liderar as pesquisas para as eleições presidenciais, com 31% das intenções de voto, muito à frente do deputado federal Jair Bolsonaro. Isso, apesar de ser uma figura que polariza o Brasil e de não ter gerado grandes mobilizações desde que foi para a prisão, no dia 7 de Abril. O PT reafirma que Lula, condenado a 12 anos e um mês de prisão por ter alegadamente aceite um tríplex da construtura OAS, envolvida no escândalo da Petrobras em troca de favores políticos, continua a ser o seu candidato.

“Não há plano B porque Lula é inocente”, insistiu Hoffmann, confiante de que os tribunais superiores emitirão sentenças favoráveis aos recursos de Lula. Há duas semanas foi revelada uma carta do ex-presidente, lida por Hoffmann, na qual Lula, desejoso de recuperar a sua liberdade, autorizava o PT a retirá-lo da disputa eleitoral. Para o professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Michael Mohallem, essa parece agora uma possibilidade remota. “O PT não tem nenhum outro candidato com tanta aprovação como Lula, mas (manter essa estratégia) depende de uma grande judicialização das eleições”, disse Mohallem à AFP.

Divisões

O partido está dividido entre os radicais que cerram fileiras com Lula e os pragmáticos que querem começar a pensar em planos alternativos no caso de o ex-presidente ser oficialmente considerado inelegível pela justiça eleitoral em Agosto. A Lei da Ficha Limpa impede que condenados em segunda instância, como é o caso de Lula, possam disputar as eleições. Jaques Wagner, um dos nomes que aparecem com mais força para substituí-lo, assim como o do ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, provocou um terramoto ao sugerir na semana passada que veria com bons olhos um eventual candidato alternativo do PT como vice-presidente do candidato de Ciro Gomes, ex-governador do Ceará e ex-ministro de Lula e de Fernando Henrique Cardoso. Wagner também disse que não fecharia o diálogo com a possível candidatura do ex-ministro do STF Joaquim Barbosa.

“O PT vai sustentar a candidatura do Lula até que alguém diga que ele está interditado definitivamente. Ninguém traça uma estratégia já pensando em plano B”, quis minimizar o ex-governador. Com o favorito às eleições na prisão e cerca de 15 candidatos de todas as esferas políticas em disputa, a votação de 7 de Outubro prevê-se como a mais incerta desde o retorno do Brasil à democracia. “Se o PT se unir a Ciro Gomes seria uma candidatura muito forte, principalmente porque é uma eleição de ultra-fragmentação, tanto no campo da direita, do centro, como da esquerda. As candidaturas que conseguirem fazer coligações têm boas chances de chegar à segunda volta”, considera Mohallem. Enquanto isso, Lula prepara-se para uma possível transferência para uma penitenciária com muito menos privilégios. A vigília realizada perto da sede da Polícia em Curitiba por dezenas de seguidores do ex-presidente provoca tensões. Em 28 de Abril, duas pessoas que participavam no protesto foram feridas a tiros.

Lula assume-se “candidatíssimo” à presidência

No dia em que completou um mês de prisão, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) confirmou que continua “candidatíssimo” às eleições presidenciais de Outubro próximo. “Diga aos jornalistas que sou candidatíssimo”, pediu o ex-Presidente, que continua a liderar todas as pesquisas de intenção de voto, ao teólogo Leonardo Boff, seu velho amigo, que teve permissão nesta Segunda-feira para visitá-lo na sua cela “especial” na sede da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba (Sul do país). Após o encontro, Boff afirmou que Lula está “muito bem” e com entusiasmo para se manter na luta. Segundo ele, o ex-Presidente “tem uma indignação justa, de quem sofre por causa de falsificações, distorções e mentiras com o objectivo de liquidar a candidatura dele e enfraquecer o mais possível o PT”.

Boff tinha tentado visitar Lula no dia 19 de Abril, mas foi impedido. Conseguiu agora devido a que o líder do Partido dos Trabalhadores (PT) foi autorizado na semana passada a receber “assistência espiritual” às Segundas-feiras, além de visitas de dois “amigos” às Quintas. “Lula avisou que só renunciaria à candidatura no dia em que Moro (juiz Sergio Moro que o condenou) apresentar uma única prova de que ele é dono do apartamento”, relatou Boff. Lula foi condenado em segunda instância a 12 anos e um mês de prisão por supostamente ter recebido um apartamento no balneário do Guarujá, litoral de São Paulo, da Construtora OAS, em troca de suposto favorecimento em contratos da empresa com a Petrobras. Segundo o teólogo, o ex-Presidente disse ainda que, se voltar ao Governo, “vou, não só repetir aquelas políticas sociais que fiz, mas fazer com que sejam políticas de Estado, que entrem no Orçamento, que o centro do poder económico e político seja orientado para aqueles que sempre foram excluídos”.