Katrogi Nhanga Lwamba: ‘Cada um de nós tem que tirar a cidadania do modo de vôo’

Katrogi Nhanga Lwamba: ‘Cada um de nós tem que tirar a cidadania do modo de vôo’

MC K, 37 anos, é um dos mais notáveis rappers angolanos de intervenção social e política – autor de três álbuns. Katrogi Nhanga Lwamba, de seu nome de baptismo, que em Julho próximo vai lançar o seu quarto rebento: “Valores”, e na ressaca do show ‘Proibido ouvir isso’, com este jovem formado em Filosofia e Direito, OPAÍS abordou questões ligadas à democracia, à transição presidencial, no MPLA, o repatriamento de capitais e outros temas candentes da actualidade

POR: Dani Costa fotos de Daniel Miguel

Qual é o balanço que faz do espectáculo realizado recentemente em Luanda?

Fizemos um balanço positivo, tudo porque o espectáculo esteve acima das nossas expectativas, isso se considerarmos as incertezas por causa do momento económico e financeiro que o país atravessa e afecta-nos a todos. Estávamos com alguns receios, havia muitos salários em atrasos e muitas pessoas a reclamarem por uma situação praticamente de falência ou de declaração de falência. A data do espectáculo também coincidiu com o clássico Barcelona-Real Madrid. O clássico deu um empate, mas nós vencemos no Cine Atlântico. Conseguimos ter mais de 3 mil pessoas, por isso o balanço é mesmo super-positivo. Além do facto de termos conseguido reunir três das grandes referências do rap de expressão portuguesa: MCK, Valete e Azagaia.

Há quatro ou cinco anos, quando lançaste o disco ‘Proibido Ouvir Isso’, dizias que o teu grande desejo era fazer um grande show no país ‘caso as autoridades permitissem’. Ainda se recorda?

Lembro-me perfeitamente.

O que aconteceu no Cine Atlântico foi mais desejo do MCK ou o país é que permitiu um concerto do género, que reclamavas há quatro anos?

Eu acho que é um bocadinho das duas coisas. Mesmo quando disse isso há quatro anos, nós tínhamos leis que permitiriam fazer o meu espectáculo. Entretanto, vivíamos numa situação de muito abuso de poder e violação das normas. Porque fiz uma declaração e estamos com as mesmas normas. Olhando para trás, o que se assistiu é que eu não estava errado. Algumas pessoas é que verificaram que estavam erradas, estavam em contra-mão com a Lei e passamos para a normalidade constitucional. Repare, a nível do artigo 40º ou 42º, sempre manifestei esta abertura para a realização de shows, entretanto, existia ou existe o Decreto Presidencial 111/11, que regula os espectáculos ou os divertimentos públicos, sofria uma aplicação contrária para o MCK e Luaty Beirão. Eram os dois artistas que não podiam fazer concertos, mas todos os outros faziam. Então fazer com que o país entre na normalidade constitucional, no meu ponto de vista, não é nada de extraordinário. É o normal.

O Cine Atlântico esteve praticamente abarrotado. Pensou que já não fosse proibido ouvir determinadas coisas?

Parece que começa a não ser ‘Proibido Ouvir Isso’. O albúm ‘Proibido Ouvir Isso’ saiu em 2011, num momento em que alguns activistas cívicos e os rappers viviam muita perseguição política. Foi num momento de muitas liberdades coartadas, que culminou com a detenção dos 15+2. Naquela altura, fazia todo o sentido fazer um álbum ‘Proibido Ouvir Isso’, por causa do momento que estávamos a viver. Hoje estamos a preparar um álbum com uma perspectiva exactamente diferente, que é o ‘Valores’. Sai em Julho, porque muito do cenário do passado alterou com o novo figurino presidencial. Entretanto, eu sinto que ainda temos um caminho a percorrer no que diz respeito ao espaço vazio na mente dos angolanos de valores.

O que pensa que ainda é proibido ouvir neste país?

Acho que existem vozes, no meu ponto de vista, que não vão passar de proibidas para autorizadas da noite para o dia. Vou só recapitular: a título próprio, o MCK, por exemplo, as minhas músicas mais críticas ainda não passam na rádio e na Televisão Pública de Angola.

Mas tem-se notado uma grande intervenção em órgãos de informação públicos, como por exemplo na própria Rádio Luanda. O que se passa?

Nota-se. Sempre fui a estes espaços com as músicas menos críticas, mas não com a mesma regularidade como agora. Mas, uma música como ‘Teknicas, causas e consequências’, que levou à morte a Cherokee, não vai tocar tão cedo na Rádio Nacional nem na Televisão Pública de Angola. Uma música como o ‘País do Pai Banana’, que está no último álbum, não vai tocar tão cedo. Uma música como ‘Nzala’, com Paulo Flores, também não. O que acontece é que há claramente mais abertura, mas a crítica contundente ao regime ainda não vai ter um espaço de abertura. Por exemplo, repare que estamos neste momento com a tónica do combate à corrupção, a denúncia ao tráfico de influência, e temos algumas figuras que sempre marcaram presença a fazer isso, como o Rafael Marques. Pessoas como Rafael Marques sempre denunciaram crimes de corrupção, em alguns casos ganham prémios de integridade lá fora e deviam ser, igualmente, premiados cá dentro. Premiados não só com estas distinções, mas também com abertura na cadeia pública, uma vez que é um combate levado a cabo pelo partido no poder.

Continua a sentir-se uma voz quase solitária em Angola?

Sim. Se considerarmos o número de músicos com preocupações sociais, os artistas engajados, ainda é um nicho muito reduzido. Contam- se pelos dedos e nem terminam as mãos. O grosso dos artistas tem mais preocupação com o mercado.

É isso a que chama o seguidismo americano?

Sim, sim. As modas, as futilidades e as festas. Na maioria dos casos é um falso orgulho, porque não é uma realidade muito nossa. Tens artistas muito pobres a mentirem que são ricos na música, por exemplo. Tens artistas que vivem na casa dos pais a venderem uma falsa ideia de milionários. Eu acho que neste sentido é mau. Num passado recente, isto é, na década de 60 e 70, tivemos uma geração de músicos engajados muito alargada. Quase todo o artista do semba tinha uma intervenção social muito forte. Tínhamos artistas como Artur Nunes, David Zé, Urbano de Castro, os Kiezos, Alberto Teta Lando, Bonga e outros. Todos, além da arte, tinham sempre uma preocupação tangente ao contexto da actualidade que era, por exemplo, o combate à agressão colonial, as lutas pela independência. Acho que cada geração artística deve marcar a sua época. Estamos a viver uma época de três anos consecutivos de crise. Uma crise sem justificação lógica e que tem culpados. Estamos neste preciso momento a abraçar o combate à corrupção. Eu já faço isso desde o meu primeiro álbum. Acho que todos os outros músicos deveriam estar estimulados pelo contexto actual. Não diria fazer um rap mais político, mas um rap com uma preocupação social maior, que documentasse o contexto que estamos a viver.

‘A Lei de Repatriamento de Capitais é frouxa e beneficia o infractor’

O espaço entre a publicação do ‘Nutrição Espiritual’ e o ‘Proibido Ouvir Isso’ foi de cinco anos. E no intro do último disco pode ouvir- se ‘que se retiraste do movimento porque não estavas inspirado’. Houve muita inspiração para o ‘Valores’, o disco que vai sair em Julho?

Hoje há muita inspiração. O disco de Julho na verdade está pronto desde o final do ano passado.

O que é que aconteceu entre o ‘Proibido Ouvir Isso’ e o ‘Valores’ que lhe deixou tão inspirado?

A grande diferença entre um álbum e outro vai ser marcado fortemente pelo fim do consulado longevo, de 38 anos de poder, de José Eduardo dos Santos. Sem sombras de dúvidas, foi o grande acontecimento que ocorreu. Entretanto, o espaço entre o ‘Proibido’ e o ‘Valores’ foi o que muito sofri como artista ao nível de privação de liberdade. Fui chamado como declarante num caso em que absolutamente nada tinha a ver, que é o dos 15+2. Foi super marcante. Sofri uma interdição ilegal. Fui proibido de viajar ao Brasil para fazer um concerto por conta do caso 15+2. Tive mais de quatro espectáculos proibidos num só ano. Tive um show proibido no cine Tivoli, um no Lubango, outro no Namibe. Enfim, foram muitas coisas que marcaram negativamente naquilo que diz respeito à violação do mais humilde dos direitos: o de liberdade num Estado Democrático e de Direitos. Entretanto, também fiz muitos concertos. Foi um ano que marcou a maior expansão internacional da minha carreira. Fiz concertos em Moçambique, com o Azagaia, com o Bonga, Paulo Flores e Valete, em Portugal, estive em quatro momentos a fazer concertos no Brasil. Fui à Espanha, África do Sul e Namíbia. Foi o momento maior da internacionalização da minha carreira.

Quando diz que tentaram calar o MCK, chegou-se ao ponto de ter aparecido uma mulher como a ‘Quarentona atraente’ do Riviera, tentando tirar-lhe a vida?

Normalmente não vão damas. É com assédio político, a darem dinheiro e pedir para que deixasse de cantar. Aconteceu isso. Em todos os momentos pré-eleitorais os artistas de intervenção social são muito assediados pelos partidos políticos de um modo geral. Tem convite para o ingresso, abraçar campanhas ou mesmo para deixar de cantar. Mas, acho que, apesar deste assédio todo, ameaças e perseguição política, a longevidade da carreira deu para mostrar que o objectivo não é material nem comercial. O objectivo tem um valor imaterial, pedagógico, académico superior a todas estas propostas que recebemos até hoje.

Chegou a temer pela vida e encontrar Mfulumpinga, Cherokee, Nha Lizandra e outras pessoas que diz ter visto na música ‘Tou na fronteira’?

Sim, claramente. Crescemos nesta atmosfera de medo, de muitas atrocidades e violações cíclicas de direitos que assistimos. Obviamente que o medo é um senso humano. Como tal, eu também tive durante muito tempo. O que nos estimulou a continuar é o facto de termos uma coragem superior ao volume de ameaças e a todas as sementes de medo que colocaram no nosso caminho. No meu ponto de vista, depois da morte de Cherokee, 2003, eu passei de um simples rapper a activista cívico. É daquelas coisas que se diz: se não te matar vai te fortalecer. Daí em diante, toda a minha vida foi orientada no sentido de me fortalecer e matar a vulnerabilidade que tenho como um cidadão comum. Por exemplo, se Cherokee não tivesse sido morto, eu não teria feito um curso de direito para compreender melhor as leis, perceber os meus limites de intervenção e fazer uma coisa com maior propriedade. Muita coisa foi feita neste sentido. O facto de ter uma exposição com a imprensa e algumas associações cívicas internacionais também reduziu um bocadinho a esfera da nossa vulnerabilidade. Hoje, por exemplo, MCK é uma marca que actua em rede. Um problema meu passa a ser também de Valete, em Portugal, e de Azagaia, em Moçambique. É um problema de Mano Brown no Brasil.

MCK é um activista cívico ou um revolucionário emprestado ao rap?

É um rapper que usa a música como o seu instrumento de exercício da cidadania. Rapper e activista. Não o contrário.

O que é o ‘Caminho de Luta’ que tanto propaga?

O caminho de luta é um caminho de busca de liberdade, paz e justiça. É o colocar de uma semente para a construção do sonho de uma Angola inclusiva, onde as pessoas possam falar de forma livre. Onde as pessoas vivam com uma distribuição de renda equitativa, onde a justiça não seja um bem de luxo para quem tem dinheiro para pagar advogados, mas o cidadão comum também. Uma Angola em que se reduza os abusos do poder, onde as pessoas muito ricas não possam passar por cima de tudo e todos. Onde os angolanos possam sonhar e deixar de tratar um simples paludismo ou dor de cabeça na Namíbia ou Portugal. De onde os angolanos decidam sair apenas em passeio. É um combate. É construir uma Angola com legalidade e qualidade de vida, saneamento básico, e o angolano se sinta feliz e se orgulhe do seu país.

O que espera da Lei de Repatriamento de Capitais?

Acho que é uma lei muito frouxa e que beneficia o infractor. É quase como encontrarmos alguém a roubar a nossa botija, cumprimenta-lo e dizer-lhe que pode ir com a nossa botija: ‘Mas não faça isso mais’. Até entendo que haja o perdão criminal ou o fiscal, mas devolver o dinheiro tirado do erário público para a esfera dos criminosos não é certo. Para mim, não faz sentido. Não faz sentido dar o dinheiro a alguém que tenha tirado da saúde, onde morreram pessoas de febre-amarela, cólera e do paludismo.

Existem hoje muitos ‘Pedros a colocarem unicamente as culpas em Cristo’, quando eles também andaram por lá?

Claramente. Hoje, por exemplo, tens muita gente que dizia amém a José Eduardo dos Santos, a condená- lo. Muitos que diziam amém ao roubo e à corrupção ou aos grandes desvios a fazer um papel de bom samaritano. É por isso que, na minha opinião pessoal, em vez de termos alternância presidencial, o país precisa de alternância governativa. Somos mais de 25 milhões e ter durante mais de 40 anos as mesmas pessoas a governarem representa um atraso.

Na música ‘Na fila do banco’ levanta três questões: o racismo, a prostituição e o tráfico de drogas. Persistem os mesmos problemas?

As pessoas ainda têm algum receio de falar sobre questões rácicas em Angola. Há pouco tempo estivemos num restaurante aqui ao lado onde as pessoas da nossa cor têm poucas hipóteses de estar presentes, por força de uma discriminação salarial. Continuamos a viver com falta de dignidade salarial se comparados com um estrangeiro, mesmo quando estamos em igualdade de circunstância. Um angolano competente e um estrangeiro competente, o angolano ainda é posto à parte. Isso quer dizer racismo. Ainda há situações no quadro bancário de discriminação das pessoas mais escuras. Acho que não devemos ter vergonha de falar de forma aberta sobre estas questões rácicas. A outra questão é o tráfico de influência e o branqueamento de capitais. Ainda existem muitos negócios ilícitos a serem conduzidos aqui, empresas que sabes que claramente não têm rendimentos suficientes para justificar a ostentação de bens, meios e viagens que as pessoas fazem. Por forças destas novas aberturas, temos de ter a coragem de falar sobre determinados assuntos. Exigir igualdade de direitos não é pedir superioridade.

O circuito abriu-se de alguma forma?

O circuito abriu-se, mas não foi nenhum favor. Foi uma conquista, uma imposição, porque continuamos a ser artistas de imposição artística, como fiz referência.

E a época do sim, Chefe, como cantou, mantém-se?

A época do sim, Chefe, para nós nunca existiu. Nós sempre fizemos na contra-mão. Repare que um artista como eu, para fazer um show no Atlântico, tem as mesmas dificuldades de exigência de documentos, de falta de patrocínio e de aberturas institucionais.

‘Faz todo o sentido dar o benefício da dúvida a João Lourenço’’

O Presidente da República, João Lourenço, tomou posse há sete meses, mas o disco ‘Proibido Ouvir Isso’ foi lançado anos antes, durante a vigência do então Chefe de Estado, José Eduardo dos Santos. Na obra reconhece que houve mudanças significativas em Angola. Que tipo de mudanças ocorreram?

Duas coisas muito fundamentais. José Eduardo dos Santos tomou o poder durante uma situação muito crítica, com muito poucos recursos, principalmente os humanos. Tínhamos a pena de morte na nossa Constituição, porque éramos um país monopartidário com fortes motivações socialistas. A pena de morte é eliminada no consulado de José Eduardo dos Santos, por um lado. Por outro lado, acho que se deve atribuir a José Eduardo dos Santos, sem sombra de dúvidas, a sua participação activa enquanto condutor dos destinos de Angola na construção da paz e da reconciliação nacional. Tivemos experiências ao nível do nosso continente em que o vencedor da paz acabou eliminando as forças contrárias. Obviamente, há coisas que correram muito mal. Mas no meu ponto de vista, José Eduardo dos Santos, Holden Roberto, Jonas Savimbi e Agostinho Neto, todos participaram activamente na edificação daquilo que ainda é o Estado em construção, a Nação que é Angola.

O que é que correu mal?

No meu ponto de vista, correu mal a gestão unipessoal de José Eduardo dos Santos. Durante muito tempo construiu uma bola de cristal à sua volta e um culto de personalidade. No meu ponto de vista foi um mau gestor da vida económica do país. Tivemos uma oportunidade impar depois da paz em 2002, até mais ou menos em 2012, em que a nossa economia crescia a dois dígitos. Tínhamos uma taxa cambial controlada durante muito tempo. O chamado saldo de 10 é muito por força do facto de 100 dólares terem sido 10 mil Kwanzas. O saldo já não é 10 há muito tempo, mas continuamos com a expressão. Tínhamos uma produção de petróleo muito forte, deixamos de gastar com guerra, armas, minas e outras coisas que nos destruíam. Entretanto, não se canalizou estes investimentos para a felicidade dos angolanos, para que todos tivéssemos um bocadinho mais. Foi nesta fase que aconteceram os grandes crimes de corrupção, os grandes desvios. Fizemos, por exemplo, contratos de negócios com a China muito maus, como as estradas que não duraram cinco anos. São estradas de muito má qualidade. Fez-se uma reconstrução da rede aeroportuária, mas acima de 25 por cento desses aeroportos estão fechados, não proporcionam valores ao Estado. Os comboios idem. Não houve rigor e coerência na gestão do volume de recursos que a gente teve com o petróleo. Não se diversificou a economia e se perdeu muito dinheiro. Foi nesta fase que Isabel dos Santos se tornou a mulher mais rica de Angola e de África. Foi nesta fase que a família do Presidente da República enriqueceu muito e o seu círculo de amigos, como Dino e Kopelipa, e nunca se questionou isso. Os grandes parceiros de José Eduardo dos Santos nesta altura eram: para Portugal José Sócrates e no Brasil Lula da Silva. Os dois têm processos. Os dois chegaram a experimentar o calabouço. Em Angola não há sequer uma única tentativa de investigação sobre a gestão de José Eduardo dos Santos.

Hoje, já não se vê ‘o kota com capacete e talocha”. Quais são as expectativas em relação ao Presidente João Lourenço?

Se considerarmos que José Eduardo dos Santos ficou 38 anos no poder, faz todo o sentido dar o benefício da dúvida a João Lourenço. Ele pega o país numa situação muito crítica, difícil e de incertezas económicas. No meu ponto de vista, João Lourenço não vai fazer milagres, mas entretanto apresenta sinais de vontade política muito fortes. Neste curto lapso de tempo desbloqueou as nossas fronteiras com os vizinhos. Os moçambicanos há mais de 15 anos, por força dos acordos da SADC, circulam aí na região da África Austral sem vistos. A livre circulação de pessoas e bens pode estimular negócios, a entrada de divisas para o nosso país. Esta abertura é muito forte, um sinal de vontade política e desejo de quebrar monopólios. Abrindo a nossa fronteira para investimentos exteriores que podem incentivar a concorrência e proporcionar novos postos de emprego. João Lourenço não vai fazer milagres porque pertence ao partido que gere o país há mais de 40 anos. É do MPLA. Não podemos esquecer isso. Foi eleito por uma máquina fraudulenta do MPLA ao usar meios do Estado na campanha. Sentimos a utilização desigual dos tempos de antena dos meios públicos. João Lourenço nunca condenou isso. Com o Congresso Extraordinário do MPLA que se avizinha, no meu ponto de vista, João Lourenço tinha uma grande oportunidade de fazer diferente de ‘Zedu’, legitimando o seu poder, oferecendo-se à possibilidade de um escrutínio interno. Fazer eleições internas, obviamente que por força da popularidade que tem, ganha, para ter uma coisa que o MPLA nunca teve: eleições.

‘Nomes, rimas e palavras’. O que acha dos nomes que integram a equipa montada por ‘Mourinho’? Difere das anteriores?

Há poucas diferenças. Por exemplo, perdemos ao nível do equilíbrio do género. Há menos senhoras tanto no Parlamento como no Governo. Perdemos parcialmente. Acho que peca por defeito por ter o mesmo do mesmo. Há muito dos mesmos nomes, pessoas com idade avançada e ligados à gestão ilícita ou danosa. Estas pessoas deveriam ser afastadas por força do discurso de luta contra a corrupção e o nepotismo prometidas por João Lourenço. Entretanto, há sinais também muito bons: pessoas que estiveram afastadas no passado, como Lopo do Nascimento, Marcolino Moco, acho que a figura de João Lourenço estabeleceu algum consenso. Houve uma reentré de algumas figuras como Vicente Pinto de Andrade e outras que estavam completamente desiludidas com o MPLA. Sente-se também a entrada de mais jovens no Governo. O que é muito positivo.

A chuva e o lixo continuam a ter mais força que a Oposição?

Claramente. Nos meses de Fevereiro e Março sentimos isso. Acho que é muito mau, ao nível da gestão do nosso país, que ano após ano, por exemplo, as reclamações que fiz no álbum ‘Trincheira de Ideias’ em 2002, permanecerem actuais. Sempre que tivermos chuvas vamos ter uma água castanha e imprópria para consumo e febre-amarela. São irmãs gémeas.

Onde tem andado a Oposição?

A Oposição, no meu ponto de vista, hoje tem mais espaço para intervir, mas não tem responsabilidades governativas. Não tem recursos. Vai fazendo uma oposição político-partidária no Parlamento, críticas sociais, apresentar propostas a título de sugestão, fiscalizar hoje os actos do Governo por força das aberturas que João Lourenço dá, mas não pode fazer mais do que isso. Por exemplo, a Oposição não consegue dar luz eléctrica às nossas casas ou água às nossas torneiras. Agora, a Oposição tem é que melhorar a qualidade da crítica, as sugestões, para termos ofertas de maior qualidade. Tem que aumentar a pressão política ao Executivo, fiscalizando e sendo mais actuante.

O Presidente João Lourenço comprometeu-se combater a corrupção e a impunidade. Numa das músicas do último álbum, ‘Proibido Ouvir Isso’ ouve se que ‘a tolerância zero só está a apanhar taínha’. O peixe grosso continua a andar por aí?

Até agora o cenário parece que sim. Tivemos declarações muito sérias ao nível da nova administração da Sonangol e não temos nada até agora. Hoje, com estas aberturas de João Lourenço, cada um de nós tem que tirar a nossa cidadania do modo de vôo e exercê-la, exigindo transparência nos actos de governo, nos actos de justiça e naquilo que acontece ao nível do Parlamento. Por exemplo, as declarações sérias do actual Presidente do Conselho de Administração da Sonangol, num país normal, deveria resultar em inquérito- crime e nós estaríamos a acompanhar isso. Mas até agora não se sabe como é que isso anda. Quanto à administração da TPA, foram feitas acusações muito sérias em relação à Semba/Westside e não sabemos o que aconteceu logo a seguir. Houve também o caso do desaparecimento dos 500 milhões de dólares do Banco Nacional de Angola, que envolve os nomes de Walter Filipe e José Filomeno dos Santos, com autorização soberana de José Eduardo dos Santos, e se fossem actores sociais comuns já seriam detidos. Porque é um crime de peculato, tendo em consideração os valores em causa. Enfim, continuamos a viver uma situação do maquilhar da realidade que tem que acabar. Deve haver igualdade de tratamento e de direitos no que respeita à condu-