Cerca de 300 mil recém-nascidos fizeram o teste de pezinho

Cerca de 300 mil recém-nascidos fizeram o teste de pezinho

Apenas as crianças que nascem nas unidades hospitalares públicas das províncias de Luanda e Cabinda fazem o teste do pezinho, por serem as únicas que têm Centros de Atendimento de Doente Anémico

Texto de: Stela Catumbela

Duzentos e 75 mil e 938 recém-nascidos fizeram o teste de rastreio do pezinho (o exame que tem como finalidade diagnosticar bebés com Anemia de Células falciforme), dos quais 25 mil foram diagnosticados com a doença, desde 2011 até a presente data, revelou ontem, em Luanda, o secretário de Estado da Saúde Pública, José Vieira Dias da Cunha.

De acordo com o governante, que prestou estas declarações à margem do acto comemorativo do Dia Internacional da Anemia de Células Falciformes, assinalado ontem, os exames foram realizados nos 21 Centros de Atendimento de Doente Anémico existentes nas províncias de Luanda (11) e Cabinda (10).

Garantiu aos presentes que as crianças têm recebido acompanhamento nos referidos centros e que pretendem expandir este serviço para as demais províncias do país. José da Cunha disse que para além desse objectivo, um dos grandes investimentos do Executivo para a prevenção e controlo da Anemia de Células Falciformes consiste na criação do Instituto de Hematologia Pediátrica, que está a ser construído em Luanda.

Explicou que essa instituição, para além de contribuir na melhoria assistencial dos doentes, vai ser elemento fundamental para a realização de pesquisas que permitirão conhecer melhor a doença e melhorar as abordagens terapêuticas dos doentes. Reconheceu, por outro lado, que apesar de terem tais projectos traçados, alguns em execução, ainda há muitos desafios a enfrentar, como, por exemplo, a disponibilidade e o acesso a penincilina (para prevenir infecções recorrentes) e a hidroxiureia (medicamento cientificamente comprovado para a redução de crises dolorosas).

Na ocasião, a directora nacional de Saúde Pública, Isilda Neves, considerou a cifra 25 mil casos, registada nos últimos sete anos, de elevada, tendo em conta que o esperado para o país é de 10 casos por cada mil nascidos vivos.

“Actualmente temos 25 por mil nascidos vivos, isto pode ser ainda o início, por temos ainda poucos casos rastreados e a medida que o número for aumentado talvez a taxa de prevalência baixe”, almeja Isilda Neves. Pelo facto de a patologia não estar listada nas doenças de notificação obrigatórias, o Ministério da Saúde tem dificuldade em conhecer as cifras reais dos doentes em seguimento, pelo que pretende incluir a patologia dentro das doenças de notificação obrigatória.

Os especialistas deste órgão ministerial acreditam que deste modo passarão a dispor de uma base de dados mais próxima da realidade angolana.

Quanto à distribuição de fármacos dentro da iniciativa da Anemia Células Falciformes, a directora Nacional de Saúde Pública explicou que o fornecimento da hidroxiureia ao país é financiado por um consórcio entre dois hospitais pediátrico do Texas (Estados Unidos da América), o Hospital David Bernardino, o Governo Angolano, a Chevron e o Fundo Lwini. Entretanto, reconheceu que são poucos os doentes que beneficiam deste fármaco (hidroxiureia).

Ácido fólico ajuda na prevenção

Caluleme Gomes, portador da células falciformes AS, pai de uma menina de 10 anos que sofre de Anemia Células Falciformes, pois é SS, explica que, até saber do quadro da criança, não sabia do seu estado de saúde, porque nunca apresentou sintomas desta patologia. Só depois de a sua filha ter sido diagnosticada é que foram, ele e a sua esposa, obrigados a fazer o teste para se aferir a percentagem de genes.

Ficaram a saber que ambos são portadores e, de lá para cá, a sua descendente passou a frequentar as unidades de saúde, em consequência das constantes crises de saúde. Caluleme Gomes revelou que enfrentou muitas dificuldades, incluindo noites sem dormir. O pior, para o casal, foi ouvir de algumas pessoas que a criança que muito amam não sobreviveria depois dos cincos anos, porém tudo foi ultrapassado. “Hoje primamos pela prevenção.

Temos adquirido o ácido fólico sem ferro que ela toma diariamente e, assim o fará para o resto da vida”. O nosso interlocutor aconselha aos pais que têm os filhos que sofrem desta patologia, a primarem muito pela informação, até porque a doença não é contagiosa, mas sim herdada.

Cláudia Lumbala, mãe de cinco filhos, entre eles dois portadores de células AS, e um que padece de anemia de células falciformes (SS), confessou que o seu filho fez o teste do pézinho mas não se importou a saber do resultado. Pelo que, apenas nove meses depois soube que este era doente.

Por agora, o menino, já com seis anos, tem tido poucas crises por estar entre os pacientes que são medicados com o fármaco hidroxiureia.

Uma doença de dores intermináveis

Anemia de Células Falciformes é uma doença hereditária causada por uma mutação que ocorre nos genes que codificam a hemoglobina e devido a esta alteração, o organismo das pessoas afectadas pela doença passa a sintetizar uma hemoglobina defeituosa, denominada hemoglobina S, ao invés da hemoglobina A, que é a normal.

A hemoglobina alterada não cumpre eficazmente o seu papel que é o de transportar o oxigénio necessário para os tecidos e órgãos. Como consequência, os seus portadores passam a apresentar anemia crónica, episódios de dor que afectam articulações, ossos e músculos, infecções recorrentes, enfartes, atraso no crescimento corporal e sexual.

Acresce-se a estas doenças, a probabilidade de contraírem acidentes vasculares e cerebrais, comprometimento crónico de órgãos, aparelhos e sistemas que de forma geral resultam no absentismo escolar e laboral, bem como na redução da esperança de vida ao nascer.