Polícia acusada de matar a tiro dois cidadãos

Polícia acusada de matar a tiro dois cidadãos

A construção da sede da comissão de moradores do bairro 17 de Dezembro estará na base da intervenção policial que resultou na morte de dois cidadãos e deixou duas pessoas feridas. O Comando Provincial da Polícia Nacional confirma a ocorrência e instaurou um inquérito

POR: Milton Manaça

Dois cidadãos foram mortos à queima-roupa e dois ficaram gravemente feridos, em consequência de vários disparos efectuados, ontem, em Luanda, por uma equipa de efectivos da Polícia Nacional, alegadamente com o propósito de dispersar algumas pessoas que ocuparam ilicitamente uma parcela de terreno. Os polícias afectos ao Comando da Zona Económica Especial (ZEE), que reporta directamente para o Comando Provincial de Luanda, surpreenderam a população do bairro 17 de Dezembro ontem, por volta das 10h00, no momento em que alguns dos munícipes construíam a sede da respectiva comissão de moradores.

No decorrer da intervenção, os polícias terão efectuados vários disparos presumivelmente para dispersar a população, tendo alguns deles atingidos as vítimas, segundo o cidadão Lopes Baptista, uma das testemunhas. Contrariamente aos demais, Doroteia perdeu a vida por volta das 10:30h e até ao momento em que prestava declarações a OPAÍS (às 15:00) o corpo da vítima ainda se encontrava no local, aguardando pela viatura de remoção de corpos do Serviço Provincial de Investigação Criminal (SPIC).

“A Polícia fez os disparos e foi-se embora. Mesmo sabendo que mataram, ainda não apareceu ninguém da Administração ou da Polícia e o cadáver continua aqui”, disse o interlocutor. Quanto aos feridos, a fonte deste jornal contou que foram socorridos ao hospital pelos seus familiares, todavia, desconhecia a gravidade dos ferimentos causados pelos disparos. Referiu que não é a primeira vez que a Polícia realiza operações do género neste bairro que existe há três anos, mas as autoridades do município de Viana se têm insurgido contra a construção definitiva de residências, alegando que o terreno pertence à ZEE.

Polícia abre inquérito

O Comando Provincial de Luanda da Polícia Nacional anunciou ontem, em comunicado de imprensa, que foi instaurado um inquérito a fim de rapidamente aferir os termos da intervenção policial e de apurar responsabilidades de acordo com as conclusões. Diz ainda que tão logo tomou conhecimento da denúncia pública, fez deslocar uma equipa de averiguação ao local para apurar a veracidade dos factos. “Esta equipa constatou a existência das vítimas ora reportadas, bem como, o facto de ter havido intervenção das forças policiais afectas ao Comando da ZEE, conforme reportado”, lê-se no documento.

O Comando de Luanda confirma que em causa está a ocupação de uma parcela de terreno, classificando de mera tentativa de invasão do perímetro da ZEE. “Tendo resultado num confronto entre a Polícia e a população”. Doroteia Baptista não é a primeira cidadã que perde a vida por causa de um terreno em Luanda, particularmente no município de Viana. O caso mais memorável para os angolanos é o do adolescente Rufino António que foi morto durante um protesto contra a demolição da casa dos pais, em Agosto de 2016, no Zango. Rufino António, na altura com 14 anos, terá sido atingido ao pescoço por um dos disparos feitos pelos militares, na intenção de dispersar a multidão que contestava as demolições no bairro Walale, na zona do Zango II.