Moisés, o único professor da escola de Nganga Zuge

Moisés, o único professor da escola de Nganga Zuge

A povoação possui apenas uma escola com uma sala de aulas, numa estrutura herdada da era colonial e que alberga duas turmas em cada período

POR: Alberto Bambi

Adão Moisés revelou a OPAÍS que, desde 2016, ano em que viu o então director da escola 6041 na povoação Nganga Zuge, município de Icolo e Bengo, em Luanda, a entrar no regime de reforma, ficou como único professor do referido estabelecimento de ensino a leccionar para as crianças dessa localidade. “Há dois anos que o director ficou reformado, por isso eu estou mesmo aqui a aguentar sozinho as quatro classes, ou seja, da 1ª a 4ª”, adiantou Adão Moisés, tendo sublinhado que a estratégia que encontrou para viabilizar o seu ministério passa por leccionar duas classes no período da manhã e outras duas no da tarde. Importa referir que a única escola de Nganga Zuge possui apenas uma sala de aulas, o que obriga a direcção desta instituição a matricular as duas turmas para a mesmo compartimento.“Não existe outra alternativa, porque estão proibidos os três turnos diários, por isso, os alunos da 1ª e a 2ª classe estão na mesma sala de manhã, sendo que os da 3ª e a 4ª também partilham o mesmo compartimento, de tarde”, explicou o docente, admitindo que não são poucas as vezes que esta partilha acaba por dificultar o seu trabalho.

Aliás, isso foi visível na ocasião em que OPAÍS marcou presença na sala em causa, onde, na tarde de Quarta-feira passada, os alunos da terceira e quarta passavam do mesmo quadro as respectivas provas de professor para os seus cadernos. Durante esta actividade não foram poucas as vezes em que as crianças chamavam o professor para esclarecer se haviam de escrever ou não uma das questões. Houve ocasiões em que estudantes de uma turma passavam algumas perguntas da outra classe. Por causa desta confusão, o professor Moisés teve de traçar uma linha divisória no quadro. “Ainda assim, é mesmo só para minimizar o problema”, realçou, acrescentando que a tipicidade do ofício o obriga a prestar muita atenção à actividade dos pupilos, ao ponto de, certas vezes, se ver obrigado a passar conteúdos ou provas no caderno dos alunos que tinham mais dificuldades. Esta prestação foi suplicada por alguns alunos que, embora não tenham falado a este jornal por terem sido submetidos a avaliação, deixaram escapar, a seguir, o seu clamor, pedindo que se aumentasse mais um quadro e se construíssem mais salas de aulas na escola.

Mais educadores, requere-se Segundo Moisés Adão, a solução passa pelo envio de mais professores comprometidos, pois, em anos idos, já se verificou a presença de pessoal, alegadamente de reforço à instituição escolar local, que, em pouco tempo, acabou por desistir. “Apesar de termos uma casa de passagem que serve para os professores evitarem as idas e voltas diárias, é necessário que os que vêm trabalhar aqui tenham mesmo vocação, porque, se não, dificilmente conseguem vencer o desafio”, alertou o professor Moisés, tendo revelado que entre Terça e Sexta-feira de cada semana abandona a sua família, para não somar gastos avultados com o transporte. O professor disse ainda residir fora do município de Icolo e Bengo e informou que desde o ano de 2012, que se encontra destacado nessa escola, passou a conceber a Segunda e a Sexta-feira como dias de viagem, sendo o primeiro para chegar e o segundo para sair de NGanga Zuge.

Lembrou, entretanto, que da sede de Cassoneca ao bairro onde trabalha tem de andar a pé, visto que a zona não possui qualquer alternativa de transporte, fora dos particulares que dificilmente concedem boleia aos transeuntes. Uma das questões que sempre se faz, segundo confessou o interlocutor deste jornal, é como é que uma escola que herdou as estruturas do colonialismo nunca mereceu atenção para se construírem mais salas de aulas, tendo, contudo recebido o número 6041, que a qualifica como uma instituição independente do ensino primário, teoricamente concebida para três ou seis salas de aulas, a julgar pelo contexto da Reforma Educativa. A falta de professores em números compatíveis aos das quatro classes oficialmente leccionadas em Nganga Zuge é outra pergunta que o professor Adão Moisés tem colocado no ar, razão por que já chegou a cogitar que oficialmente poderão existir docentes primários colocados nessa escola, mas que nunca chegaram a trabalhar como tal. Quando estas e outras preocupações são apresentadas aos responsáveis da Direcção Municipal da Educação de Icolo e Bengo, os dirigentes prometem reverter o quadro, foi o que soube OPAÍS do seu entrevistado, que, por sinal, daqui a poucos anos entra para a reforma. Rebatendo sobre o assunto, alguns moradores da área falaram da presença de estagiários na instituição que se apresentaram como possíveis reforços, mas que não chegaram a ser colocados.

Remetido a serviços administrativos

Pelo facto de actualmente ser o único funcionário da escola, Adão Moisés está obrigado a fazer os trabalhos administrativos do estabelecimento de ensino, como participar em algumas reuniões de carácter municipal, programar o ano lectivo, formalizar relatórios e estatísticas, bem como velar pela infra- estrutura, que se apresenta desgastada pelo tempo. “É um trabalho que não pode ficar para ninguém, porque não há outro, então, tenho de arranjar tempo para o fazer, mesmo que sacrifique algum tempo de aula”, relatou o professor que antes beneficiava do apoio de uma escola da sede de Cassoneca. Apesar da grande distância que os separa da sede do município, Moisés referiu-se às ocasiões em que teve de deixar as sessões de aula para ir buscar cadernetas, boletins de aproveitamento, modelos de pauta, de relatório e estatística, bem como fazer cópias para formalizar as fichas de inscrição ou matrícula. Outros meios de ensino como mapas, cartão ilustrativo, giz e apagador ficam por sua conta. Relactivamente ao envio de um director, referiu que já se acostumou a ficar sozinho e não tem grandes esperanças, porque, em 2012, quando chegou ao local, foi enviado com um técnico da Educação que só trabalhou durante um mês e morreu. “Fiquei alguns meses, só depois me enviaram outro director que não fez dois anos e foi à reforma”, desabafou, para dar a entender o curso do abandono a que está submetido.

“Não vejo a inspecção”

Adão Moisés aproveitou a ocasião desta reportagem para dizer que gostaria de ver os inspectores na sua escola, a fim de ajudá-lo a superar alguns obstáculos que a realidade do meio lhe apresenta. “Infelizmente, não vejo aqui os inspectores e eu preciso de ajuda, de modo a melhorar ou adequar os meus métodos de ensino à situação de Nganga Zuge”, lamentou, lançando o repto às entidades de direito para atenderem a sua causa. A falta de manuais de ensino é outra necessidade que o professor quer expor aos seus superiores, porque dificulta ainda mais a aprendizagem dos alunos.