Ambição em facturar “à tailandesa” transforma-se em pesadelo

Enquanto os cidadãos expatriados envolvidos na alegada linha de financiamento internacional de 50 mil milhões de dólares procuravam “facturar” em detrimento de altos funcionários do Governo, o sub-chefe da Polícia Nacional Cristinan Albano viu neles e nas pessoas que se juntaram a eles uma oportunidade para amealhar alguns valores.

A ambição de ficar com 5 por cento (equivalente a 25 milhões de dólares) dos 50 mil milhões de dólares que o grupo de cidadãos expatriados liderados pelo tailandês Raveeroj Richtchoneanan dizia ter disponível para investir em Angola, ter-se-á transformado num dos piores pesadelos do cidadão eritreu Million Issac Haile, 29 anos. Para ser aceite no grupo e participar nas reuniões com representantes de diversas instituições angolanas, de acordo com a acusação do representante do Ministério Público junto da Camara Criminal do Tribunal Supremo, Million desembolsou 23 milhões de Kwanzas.

Entretanto, em vez de ganhar os 25 milhões de dólares, acabou envolvido suma situação que levou os peritos do Serviço de Investigação Criminal (SIC) a retirá-lo do luxuoso quarto do hotel Epic Sana, algemado, para o “internar” na cela de um dos estabelecimentos prisionais de Viana. E, com isso, deixou de ter o privilégio de desfrutar das variedades que comportam o cardápio do referido hotel e obrigado a contentar-se com o menu da cadeia, enquanto aguarda pelo julgamento. De acordo com a acusação, sobre ele pesam os crimes de associação criminosa, cumplicidade no crime de bula por defraudação na sua forma frustrada, e exercício ilegal de funções públicas ou profissão titulada neste mediático processo em que estão também envolvidos o antigo Chefe de Estado-Maior das Forças Armadas Angolanas, Geraldo Sachipengo Nunda, e o porta- voz do MPLA, Norberto Garcia, na condição de arguidos.

“O arguido Million Haile conheceu os arguidos tailandeses no bar do hotel Epic Sana, tendo sido abordado pelo arguido Manin Wanitchanon”, diz o procurador José Coelho, sem especificar o dia e mês em que tal ocorreu. De acordo com a acusação, a vontade de Million ganhar dinheiro em Angola, sem se importar com os meios, levou-o a prestar apoio à organização, tendo inclusive abandonado a sua residência para se instalar no hotel Epic Sana, a fim de ficar mais próximo dos seus novos parceiros de negócNo entanto, este cidadão eritreu é o único integrante do suposto “gang de burladores”, que vai agora responder pelo crime de exercício ilegal de funções públicas ou profissão titulada, porque, “enquanto esperava pela grande oportunidade que surgiu com os tailandeses, prestava serviço de contabilidade para empresas dos seus conterrâneos residentes no país sem estar inscrito na Ordem dos Contabilistas (de Angola)”.

De Vítima a “vilão”

As informações preliminares prestadas pelo SIC, aquando da detenção do grupo, apontavam Million Haile como uma das vítimas. Teria sido aliciado com 5 por cento das acções da sociedade comercial Centennial Energy-Comércio e Prestação de Serviço que estava em vias de legalização em Angola. Essa empresa estaria encarregue pela aplicação dos 50 mil milhões de dólares pagos por via de um cheque do Banco Central das Filipinas com o número 4518164, datado de 24 de Novembro último, isto sem esquecer que outro cheque de 99 biliões de dólares foi apreendido no hotel. Em troca dos 5 por cento, teria de investir 50 milhões de Kwanzas, uma vez que, alegavam os seus sócios tailandeses, tinham mobilizado um carregamento de arroz proveniente da Ásia. Embora não lhe tenha sido apresentada documentação relacionada com essa operação, aceitou, entregando os 23 milhões de Kwanzas. “O dinheiro foi entregue a eles. Há documentos que atestam a sua recepção e há contratos formalizados entre as partes. Portanto, só a partir dessa amostra podemos tirar ilações sobre o que provavelmente ocorreria, tendo em conta a quantidade de propostas em posse deles”, revelou à imprensa o então chefe do Departamento Central do SIC, superintendente-chefe Tomás Agostinho, aquando da apresentação pública do caso, em Março do corrente ano.

Cristinan, o polícia que mais terá facturado com a alegada burla

Contrariamente a Million Haile, que perdeu dinheiro com os tailandeses, o seu “amigo” e companheiro de processo Cristinan Albano de Lemos, 49 anos, terá conseguido amealhar uma boa quantia financeira com o esquema. O sub-chefe da Polícia Nacional, apesar de ter sido contratado pela empresária Celeste de Brito para trabalhar simplesmente como tradutor e segurança dos dez cidadãos estrangeiros envolvidos no caso – que tinham chegado ao país no dia 27 de Novembro último -, acabou por se tornar num dos principais promotores, remunerado, de encontros destes com altos funcionários do Estado.

Com o afastamento de Celeste de Brito da relação com os arguidos tailandeses, Christian passou a trabalhar, alegadamente, para altas patentes das FAA, com o general José Arsénio Manuel, presidente da cooperativa de militares Njango Yetu, um dos três arguidos que respondem em liberdade provisória. Durante esse período, o general Arsénio pagou a renda, no valor de 700 mil Kwanzas, da casa em que Christian vivia, bem como passou a entregar-lhe outros valores monetários que não foram contabilizados.

“O arguido Christian também recebia dinheiro do arguido Raveeroj Richtchoneanan, que serviria para facilitar os encontros deste com as autoridades angolanas”, descreve o procurador junto à Camara Criminal do Tribunal Supremo. Enquanto trabalhou para a empresária Celeste de Brito, Christian participou em todas as actividades realizadas entre ela e os referidos cidadãos estrangeiros. Aproveitou-se dos contactos que possuía e interpelou o director do Serviço de Migração e Estrangeiro, comissário- chefe Gil Famoso da Silva, a fim de obter vistos de trabalho para os arguidos, mesmo não reunindo os requisitos necessários, tendo-os posteriormente levado a uma audiência nessa instituição. Sobre este mesmo assunto, segundo a acusação, contactou o então presidente do Conselho de Administração da extinta Agência para a Promoção de Investimento de Exportações de Angola (APIEX), Belarmino Van-Dúnem, que anuiu ao seu pedido e também os recebeu em audiência. “Foi igualmente por intermédio do arguido Christian de Lemos que o então comandante-geral da Polícia Nacional, Alfredo Mingas “Panda”, tomou conhecimento da existência dos tailandeses no dia 11 Dezembro”, diz a acusação. O outro oficial da Polícia que também manteve contacto com os tailandeses por intermédio do subchefe Christian é o comissário-chefe José Alfredo Chingango, que, à semelhante de Panda, foi arrolado ao processo como declarante.