Os aeroportos precisam de um novo modelo de gestão

Os aeroportos precisam de um novo modelo de gestão

Com um curriculum preenchido no segmento da formação em gestão de aeroportos e aeronáutica, Julio Furtado advoga uma mudança no estilo de gestão dos aeroportos no país. Para ele, a gestão deve assentar na perspectiva do negócio e não apenas das infraestruturas.

O Executivo angolano opera e continua a operar grandes investimentos nos aeroportos do país, reabilitando, ampliando e modernizando muito deles. No entanto, fala-se muito na necessidade do retorno. Como se pode tirar o retorno a estes investimentos?

O modelo que temos em Angola está longe daquilo que se pratica no mundo. Trata-se de um modelo antigo. Dada a crise financeira que o país vive, precisamos de reformular e remodelar o modelo de negócio. No que se refere à gestão dos aeroportos, ela deve ser vista na perspectiva do desenvolvimento do negócio e não das infraestruturas. E isso requer um modelo orientado para os clientes. E os clientes são as companhias aéreas, passageiros e outros utentes dos aeroportos. Neste sentido, para o caso angolano, entendemos que deve haver um modelo moderno e com estrutura de marketing mais agressivo, que permita capitalizar todo o potencial que as infraestruturas actuais possuem, criando assim uma mais-valia para aquilo que existe no momento.

E como é que se deve começar a actuar já?

É fazer uma mudança radical do modelo de negócio. Se reparar, em alguns aeroportos não existe tráfego, e não vou citar quais. Ou seja, foram feitos investimentos em regiões onde quase não há tráfego. Portanto, há que repensar isso, aproveitar as infraestruturas existentes para outra utilidade, ainda dentro dos princípios da aviação e da aeronáutica. Aeroportos fazem falta, pois um país que não tem aeroportos modernos não consegue desenvolver-se. No entanto, eles devem ser construídos tendo em atenção os princípios basilares do marketing aeroportuário, que é diferente comparativamente ao marketing puramente comercial.

Para si, o que é um marketing agressivo?

Desculpe-me, mas não vou entrar em detalhes. O que lhe posso dizer é que a indústria aeroportuária tem um marketing específico, que é chamado de “Marketing Aeroportuário”. E quando não há conhecimentos destas ferramentas podemos implementar determinados projectos, mas eles acabam por não terem o retorno esperado, tudo porque a estratégia não se conformou aos princípios da indústria.

Fala numa estratégia de marketing, mas sabemos que a ENANA está a implementar um negócio além da aviação, que passa pelo arrendamento de lojas. É ou não uma medida acertada?

O negócio, além daquilo que é o core-business da ENANA, é uma área muito específica dos aeroportos. Portanto, agora que se está a implementar é preciso um plano de negócio, é preciso conhecer- se a realidade de cada província, fazer estudos da demanda e da procura. É em função destas análises (estudos) que fica fácil fazer projecções para o futuro. Agora, não se pode dizer que no aeroporto X ou Y vamos ter 15 milhões de passageiros por ano, quando a realidade já é outra.

Está a falar do Novo Aeroporto de Luanda?

Pode ser, mas existem outros casos cujas projecções deviam ser melhor calculadas. Tem de haver um estudo de mercado, um plano de negócios feito com conhecimento profundos, pois trata-se de uma área muito específica.

Falou em aeroportos sem tráfego. É uma discussão muito actual. No seu ponto de vista, devia primeiro chegar o aeroporto, ou primeiro a região devia estar desenvolvida?

São visões diferentes e qualquer uma delas pode adequar-se. No entanto, para o nosso caso foram construídos primeiro os aeroportos para depois levar o negócio. E poderá acontecer. Ainda assim, muito antes de terem sido feitos os aeroportos dever-se-ia fazer um estudo demográfico das regiões, cultura, pois há áreas onde as pessoas nunca viajaram e você põe lá um avião. Ninguém vai subir nele. Temos também de analisar as potencialidades que as regiões têm para atrair turistas, industriais e outros sectores, pois, como deve saber, um aeroporto torna-se num marco de alavancagem e desenvolvimento de uma região. E mais: um aeroporto numa determinada localidade pode projectá-la para o mundo. A indústria aeronáutica está intimamente ligada ao transporte aéreo. Por isso, é preciso uma boa planificação, traçar estratégia em termos de políticas de preço, demanda existente e não só. É importante dizer que não há aeroporto sem transporte aéreos. E o transporte aéreo é uma área muito específica, cuja taxa de rentabilidade é muito baixa. Deve andar entre os 4 e os 3%, no mínimo, e num máximo de 8%.

Com esses dados está a assumir claramente que os aeroportos são negócios de risco…

Começo por lhe dizer que não podemos criar um negócio só por criar. É preciso um estudo. E todo o negócio tem um risco. Portanto, é preciso analisar, antes de tudo, a viabilidade do preço. Por exemplo, se eu for ao restaurante dentro de um aeroporto e o refrigerante custar-me mais de Kz 500 e lá fora, a 300 metros, a mesma bebida custar Kz 200, seguramente eu bebo lá fora. Por outro lado, os aeroportos não são espaços abertos para todos, isso tendo em atenção ao grau de segurança que deve ter para conter determinada acções que possam perigar as operações aeroportuárias e do próprio negócio. Com isso quero dizer que não se pode criar negócio nos aeroportos com cantineiros, mas sim com marcas consagradas que atraem clientes. Não quero com isso dizer que não pode haver venda a retalho, mas que ela deve estar alinhada ao modelo exigido nos aeroportos.

Com a entrada de Angola na Zona de Livre Comércio da SADC e até mesmo de África, não acredita no aumento de tráfego para Luanda e nos aeroportos do sul do país?

Com este esforço do Executivo o tráfego pode até ser superior. Todavia, o que se coloca é que não podemos avançar simplesmente números. Não podemos partir para hipóteses sem que haja um estudo aturado. É essa a minha grande questão. Há aeroportos que possuem um tráfego superior a 14 milhões de passageiros/ano. Entretanto, é preciso ver o potencial existente na região. Para ser mais concreto, podemos ter menos ou mais passageiros no Novo Aeroporto de Luanda. Em todo caso, não podemos comparar a realidade sul-africana com a angolana, nos mais variados níveis, com realce para o desenvolvimento socioeconómico. Até as potencialidades turísticas, a indústria e a rede hoteleira ajudam na atracção de passageiros. E isso influencia no negócio dos aeroportos e das companhias aéreas. E é nosso desejo que isso ocorra, mas repito, isso requer uma estratégia de desenvolvimento bem alinhada.

Um académico intimamente ligado à aeronáutica

Chama-se Nome: Júlio César de Oliveira Furtado, é natural de Luanda. Desenvolvendo serviços de pesquisa, formação e consultoria independente há mais de 15 anos em paralelo com várias outras funções exercidas no passado na ENANA EP. Trabalha nas áreas de organização e gestão de empresas, criação e desenvolvimento de estratégias competitivas, reestruturação, transformação empresarial e gestão de mudança, Marketing global; psicologia industrial e comportamento organizacional. É actualmente Instrutor de língua inglesa no Centro Aeronáutico de Instrução. Julio Furtado possui um doutoramento em gestão e consultoria aeronáutica e aeroportuária (DBA), pela Breyer State University, tem mestrado em gestão e administração de empresas (MBA), pela Rushmore University. Em termos de especializações, possui formação em desenvolvimento profissional: Marketing – Portugal, Gestão aeronáutica – Canadá, Gestão de Aeroportos – Canadá, Gestão Estratégica de Aeroportos – Canadá, Inglês académico – E.U.A Foi docente na UPRA – Universidade Privada de Angola 2015-2007, onde lecciono Psicologia das Organizações, Sociologia do Trabalho e do Emprego, Gestão de Recursos Humanos, Comportamento Organizacional, Estratégias de Marketing e língua inglesa. * Foi membro da Academia Americana de Gestão – AOM –American Academy of Management entre 2001-2003. A sua folha de serviço refere ainda passagens, designadamente, pelo gabinete do PCA da ENANA, onde foi Director, nos anos 2010/ 2011; Assessor da Direcção de Navegação Aérea DNAV, 2000- 2003, e Director do Centro Aeronáutico de Instrução C.A.I. da ENANA, 1991/2000.