Muxima, só lembrada durante a peregrinação

Muxima, só lembrada durante a peregrinação

A fuga de cérebros é um dado tão certo quanto o da falta de serviços sociais básicos, apropriados para o desenvolvimento de uma vila que só é lembrada por altura da realização da peregrinação anual ao Santuário da Mamã Muxima

  • Texto de: Stela Cambamba
  • Ffotos de: Virgílio Pinto

Ao fim da peregrinação, os habitantes da Vila da Muxima, município da Quissama, voltam a navegar numa maré de dificuldades. O poder de compra desaparece, tal qual como os turistas.

Por isso, das duas unidades hoteleiras ali existentes, uma só funciona em épocas específicas, como agora, no período da realização da peregrinação. Jerónimo Cassinda de Almeida, gestor do residencial e restaurante Katondo, acredita que é possível inverter a situação em benefício desta comunidade. que vive maioritariamente da agricultura e da pesca artesanal. Justificou que abre o referido estabelecimento nesse período porque, além de ser uma oportunidade de negócio, assume como um dever apoiar as entidades organizadoras.

Apesar de não funcionar todo o ano, disse que as reservas dos quartos começam três meses antes da peregrinação. Antes deste evento, é procurado, com mais antecedência, por algumas instituições para que se oferecem como credoras para o período da festa.

Jerónimo de Almeida explicou que em função da procura, tiveram de dividir as 40 suítes que têm disponíveis em partes iguais para organismos do Estado como o Governo Provincial, a Polícia Nacional e a direcção da Igreja, ficando cada uma com dez.

Ainda assim, os que sobraram ficaram com pessoas singulares, entre as quais peregrinos provenientes do Brasil e do Sul do país.

Baseando-se no número de pessoas que acorreram ao seu estabelecimento, estima que este ano registou-se um aumento exponencial no total de peregrinos.

“Tivermos entre 170 a 180 hóspedes nos quartos e mais de 200 pessoas acamparam no quintal, considerando que foram montadas 150 tendas”. Para dar conta da situação, o hotem teve de contratar vários trabalhadores eventuais.

De acordo com Jerónimo de Almeida, a adesão serviu de estímulo para aumentarem os preços, se comparado com os outros dias, em que a diária gira em torno de quatro mil Kwanzas para o quarto duplo e seis mil kwanzas para o quarto de casal, incluído o pequeno-almoço.

Aos visitantes que chegam em grupos adiciona-se o passeio de barco com direito a um guia, que explica tudo sobre os locais históricos ao redor da vila Nestes dias de peregrinação a diária custou 30 mil Kwanzas, com as três refeições incluídas. Quem optou por montar a sua tenda no quintal pagou mil e 500 kwanzas por dia.

Para o gestor da unidade hoteleira, a disputa pelos espaços no quintal/acampamento deveuse sobretuto ao acesso às casas de banho, escassas na região.

Já há luz na Quiçama

Há três meses que a vila tem energia eléctrica regularmente, o que pode facilitar o surgimento de novos empreendimentos, com a diminuição dos gastos com energia. Esta é também uma boa notícia para os hoteleiros, que assim podem manter o funcionamento dos seus empreendimentos ao longo do ano, tal como disse Jerónimo de Almeida.

Apesar da incerteza sobre a área a ocupar pela Basílica que vai ser construída na Muxima, não se sabendo, portanto, que construções serão demolidas, o gestor defende que a obra trará benefícios para a comunidade e as oportunidades de negócio irão aumentar. “Já recebi propostas de algumas instituições para falar do futuro”, frisou. Segundo Jerónimo de Almeida, o negócio que desenvolve na vila da Muxima, no ramo de hotelaria e turismo, é complexo e difícil, com altos, pelo facto não conseguem manter a unidade hoteleira a funcionar em pleno.

Na Estação das Chuvas, por exemplo, mantém-se encerrada, abrindo em épocas de actividades religiosas em que há grande aglomeração de crentes ou visitantes, como a Pascoa.. Crê que a falta de divulgação faz com que os turistas visitem mais as barras do Dante e a do Cuanza do que da Muxima.

“Estamos conscientes de que uma parte seja por culpa do empreendedor”, mas para mundar o quadro diz haver falta de condições para oferecer um alojamento condigno. Jerónimo de Almeida revelou que o grupo ZFA (Zona da Família Almeida) pretende instalar na área uma panificadora e outros serviços, de modo a impulsionar o turismo na Vila da Muxima e alavancar a unidade hoteleira.

Dificuldades

A Vila já contou com uma panificadora, mas os custos eram demasiado altos para a manter. Por dia, a fábrica produzia quatro mil pães, o que significava uma venda de 60 mil Kwanzas, e gasto 15 mil Kwanzas em combustível, adicionandose a este valor o custo com o transporte e outros. “Na Muxima falta de tudo um pouco, certo dia precisava de pregos, tive de me deslocar até ao mercado do 30, no município de Viana”.

Há necessidade de mais investidores e de centros de formação, acredito que a igreja deveria criar estas instituições, como oficina de formação”. Acrescentou que até tabacaria ou lugar para fazer uma fotocópia não existem na comunidade, e os estudantes enfrentam muita dificuldade, até para realizar pesquisas.

Afirmou que os habitantes sentem-se afastados pelo Estado, sendo que somente o centro da vila é privilegiada em alguns bens como a luz eléctrica e estrada asfaltada. Por outro lado, a maior parte dos funcionário das instituições públicas moram em Luanda.

Há também queixas do Estado: “não procuramos o Estado para nos apoiar porque acreditamos que também tem as suas dificuldades, e nos bancos ainda não há uma abertura, por agora procuramos parceiros para nos segurarmos”.

A qualidade da mão-de-obra também é uma das grandes dificuldades e explicou ser natural, “porque a vila foi por longo tempo um lugar fechado, apenas quando se terminou a estrada é que se estabeleceu a comunicação com as outras as áreas e se tem registado a fuga de cérebros, pelo facto de não haver aqui ensino superior.

Os jovens que fazem o segundo ciclo procuram ir para o centro da cidade no sentido de ingressarem no ensino superior e acabam por ficar por lá. Outra preocupação, neste momento, é a falta de peixe fresco vindo do rio, uma vez que o caudal do rio baixou nos últimos anos, dada a irregularidade das chuvas, o que faz aumentar o desemprego entre os pescadores, além da oferta no restaurante do hotel e noutros que fica penalizada.

Apelou a uma maior divulgaçãio da Muxima e diz que “a Muxima é mais conhecida no exterior do país pelos fiéis da igreja católica do que a cidade de Luanda”.
Boas novas Entretanto, a população deixou de pagar mil ou 1500 kwanzas para chegar até ao município de Luanda, já que estão a funcionar transportes colectivos públicos e o custo da viagem é agora de 300 Kwanzas.

Jerónimo de Almeida, 41 anos, explicou que a unidade hoteleira foi construída em 2005 e pertencia ao seu pai, Mateus de Almeida, que faleceu este ano e a deixou como herança para os seus oito filhos, dos quais é o mais novo e único que se apaixonou pela gastronomia e pelo negócio.