Um professor cego que dá aulas aos que veem

Um professor cego que dá aulas aos que veem

Josemar miguel catabola, de 27 anos, professor formado no inE Garcia neto, perdeu a visão completamente aos seus 16 anos. Ultrapassando barreiras, mesmo depois de muitas situações de discriminação, lecciona a disciplina de História a alunos ‘não cegos’ da 7ª, 8ª e 9ª classes, na capital angolana

  • Texto de: Romão Brandão
  • Fotos de: Pedro Nicomedos

A história de Josemar é um dos sinais de que “fé é acreditar no que não se vê”. Ele diz ter fé em Jeová e acredita que tudo o que conseguiu até ao momento foi Ele quem lhe deu a oportunidade de ter. Mesmo cego, é professor de história, praticante de luta livre e grego-romana, cantor e estudante universitário.

Aos 16 anos de idade foi-lhe diagnosticado glaucoma (considerado como a principal causa de cegueira irreversível no mundo), primeiramente no olho esquerdo e em princípios dos seus 17 anos o problema agravou-se, tendo perdido na totalidade a visão. Tendo como guia a sua noiva, Elisate José Kamuege, de 23 anos, no dia marcado para a entrevista o interlocutor preferiu vir ao nosso encontro, perto de sua casa, no conhecido Triângulo da Tourada e dali partimos para o Colégio Magos, instituição onde o casal lecciona. A meio do caminho deparamo-nos com um grupo de alunos seus e, quando estes o saudaram, o professor identificou dois deles e chamou os seus nomes.

Normalmente o casal prepara as aulas juntos, Josemar pensa e a esposa escreve o plano de aula. Na sala de aulas, a jovem escreve no quadro o sumário e as palavras difíceis que vão surgindo; dita se tiver que ditar, faz a chamada e assina o livro de ponto, enquanto o jovem explica a matéria.

“Ele faz o plano na cabeça e eu só o ajudo a colocar as ideias no papel”, disse. Elisate também é professora, está no último ano de Língua Portuguesa e EMC (Educação Moral e Cívica) no INE Garcia Neto, enquanto o noivo, que já fez o INE, na área de Geografia e História, está no 1º ano do ISCED (Instituto Superior de Ciências da Educação).

Algumas vezes tem de se ausentar, por causa do estágio, e o professor Josemar fica sozinho. “Quando ela falta, uso o melhor aluno da sala para escrever o sumário e as palavras desconhecidas.

No momento das provas, elaboro os enunciados a partir do meu computador e a chave; na hora de corrigir, ela, para além de guiar-se com a chave, lê a resposta de cada aluno e eu dou a pontuação”, conta o professor, que com a ajuda de um narrador domina com facilidade a informática e está ligado às redes sociais.

A noiva e colega disse que não pode fazer nada relacionado às aulas de Josemar sem que ele esteja presente, sob pena de cometer um erro por não ser a sua área de formação. Nesta área quem guia é o noivo.

Já encontrou três cábulas

Josemar disse que sempre gostou de desafios, foi assim que aprendeu a manejar o computador e muitos pensam, quando conversa no Facebook, que não é ele quem escreve. Lembra que no seu primeiro ano a dar aulas os alunos da 7ª classe o encheram de perguntas porque nunca tinham visto um professor cego.

“Como é que o professor vai nos ensinar? Como é que o professor saberá o que está no livro?”, são algumas das questões, e como se não bastasse, alguns pregavam partidas para testar se o professor os via ou não. “Um levantava-se devagarinho do seu lugar e ia noutra carteira. Assustavam-se quando eu perguntava, dizendo o seu nome, por que razão trocou de lugar.

Depois acostumaram-se quando expliquei que tenho a audição muito aguçada e que qualquer tipo de barulho presto atenção”, recordou. A sua sala é a mais silenciosa, os alunos respeitam o professor que têm e quando querem opinar levantam a mão (aqui vem o auxílio de Elisate) e lhes é dada a palavra. Nos quase dois anos de aulas, pode parecer irónico, mas Josemar confessou já ter encontrado três cábulas, de alunos cujo comportamento na prova os denunciou.

‘É como um professor normal’

Luzia de Azevedo e Mauro Pereira, dois dos seus alunos, foram unânimes em dizer que ficaram surpreendidos ao deparar-se com um professor cego, mas depois começaram a entender. “Ele dá muito bem as aulas, como se fosse um professor normal, a única dificuldade que tem é de ditar (que é feito pela professora auxiliar) ”, disse Luzia. Os encarregados de educação também acharam estranho e curioso, mas os meninos conseguiram explicar. “Com base na matéria que ele dava, explicava na minha mãe e ela ficava surpreendida, pois pensávamos que por ser cego teria dificuldades”, disse Mauro.