Fineza Teta: “Gostaria que se criassem bienais onde os artistas pudessem mostrar a sua arte”

Fineza Teta: “Gostaria que se criassem bienais onde os artistas pudessem mostrar a sua arte”

A artista plástica e designer Fineza Teta, em entrevista exclusiva a OPAÍS, revelou que uma das suas aspirações no campo das artes plásticas é que se crie no país um museu de artes nacionais, bem como bienais de artes, onde fossem exibidas as criações de artistas nacionais e estrangeiros

Texto de: Antónia Gonçalo

Inaugurou em Abril uma Galeria de Arte. Como funciona e qual a sua finalidade?

É um espaço, um projecto que desde sempre esteve nos meus planos. Tenho aqui materiais para os meus colegas, os amantes das artes e não só. Este é um conceito novo, entre galeria e loja. É fácil para mim e alguns artistas viajarem e adquirirem materiais para trabalhar, mas para outros é extremamente difícil.

Além disso, temos poucas galerias viradas para este ramo e que conheçam exactamente as preocupações dos artistas. É também um espaço para os artistas mostrarem as suas criações.

Quanto é que investiu para abrir o espaço?

Não gastei menos que sete milhões de Kwanzas. Para o arrendamento do espaço tive, graças a Deus, alguns patrocínios. Tive que adaptar a iluminação no espaço, arranjei os móveis, mandei fazer os cubos, ferros e cavaletes. Também trouxe material para petrechar a loja. Essa foi a parte inicial. O resto tenho estado a manter. Há meses complicados, mas vamos continuar. Tenho estado ainda a pagar aquilo que me foi investido.

Que outros trabalhos pretende realizar na galeria?

Estou a programar workshops temáticos. Há muita gente a solicitar que realize, quer para crianças, como para adultos e pessoas especiais. Para mestres inclusive, que também querem vir partilhar os seus conhecimentos. Apesar de ser pequeno para tantas solicitações, o espaço dá para marcar, fazer pequenas tertúlias e encontros com os artistas e amantes das artes.

Até ao momento, quantas pessoas solicitaram esse tipo de trabalho?

Temos mais de 80 solicitações de jovens que se encontram nas escolas de artes, de pais que identificaram a inclinação dos filhos, e de adultos que têm a arte como terapia. Por outro lado, há jovens que trazem obras para venda, e também artesãos. Para esses casos, fazemos uma selecção prévia.

O espaço também foi aberto com o objectivo de incentivar os novos talentos nesta área?

Com certeza. É mais para quem tem vocação para a arte e os artistas. Mostrar que com dedicação é possível viver das artes plásticas. E, como artistas, temos que despertar, porque fizemos parte da evolução deste país.

Assim como a música e o teatro, a arte plástica também é uma das disciplinas que ajudam a desenvolver o país. Existem várias pessoas desincentivadas pelos parentes, pela própria sociedade, de que ser artista plástico não vale a pena. Por isso, pretendo “acordar” as pessoas, e dizer-lhes que vale a pena ser artista e viver desta arte.

Como tem sido o processo de venda de obras neste espaço?

Não é possível vender obras todos os dias, nem todos os meses. A arte é elitista. Mas é possível dar o contributo e educação. Todos os dias vêm pessoas interessadas em conhecer o mundo das artes plásticas, o que é importante. Sendo assim, as obras estão aqui para a venda e apreciação. O que sustenta a loja, de uma forma geral, são os produtos e não os quadros.

Como assim?

As obras expômo-las por prazer, porque sei que as pessoas não estão preparadas para comprá-las, e que ao longo do tempo vão se cultivando. É preciso consciencialização, explicar e conversar para que as pessoas aprendam mais sobre as artes plásticas. Abri as portas e convido as escolas e instituições, para que façam visitas guiadas. Temos aqui os maiores e melhores tracijistas de Angola, com os seus trabalhos expostos.

Em quanto variam os preços das obras?

As obras de artes no geral não têm preço, se posso assim dizer, porque nunca é suficiente aquilo que vamos cobrar para uma obra de arte. Temos aqui preços que variam desde os 20 mil kwanzas aos 700 mil, mas tudo isso passa também pelas solicitações.

E o que define o valor de cada obra?

No nosso mercado não temos uma tabela de preços estipulada. Tudo depende da carreira do próprio artista. O nome e o traço que essa pessoa tem, pese embora o traço não seja tão importante, mas o próprio nome e a carreira do artista. Há artistas que chegam a um estágio, como o Picasso, que já não precisava de se esforçar para pintar tanto ou fazer muitos detalhes numa obra. Mas, a sua expressão e a assinatura valiam por si só. Quando o artista atinge a maturidade, aí vê-se o valor dos quadros.

Com esta falta de divisas, como tem sido possível adquirir matéria- prima para elaborar as suas obras?

Tem sido um acto heroico. Tento encontrar tudo que é amizade, ou conexões de pessoas que estão fora do país. Quando me apercebo que as pessoas vão viajar tento contactá-las, corro para comprar o dólar em lugares informais. Às vezes faço viagens rápidas aos países vizinhos, ou Lisboa, para adquirir o material. É mesmo um sacrifício.

Essa “ginástica” acaba por encarecer as obras?

Tem que se ter em conta aspectos como o valor da viagem e das divisas, a estadia e outros factores. Tudo isso acaba por encarecer as obras, tanto como os materiais comercializados na galeria. Além disso, tenho que pagar a renda do espaço em que a galeria funciona.

Como galerista e, agora, empresária, há coisas de que não tinha noção, como, por exemplo, colocar a sinalética dos bombeiros, pagar publicidade e o alvará comercial. É uma série de burocracia e de outras coisas que desencorajam. Se fosse somente o factor comercial, já teria desistido, mas por ser por paixão, continuo a lutar.

As políticas neste caso não facilitam?

Não têm estado a facilitar. Sinto que há, obviamente, uma maior atenção nos últimos anos para as artes, quer do Ministério da Cultura, como da União Nacional dos Artistas Plásticos (UNAP). Têm estado a empreender algum apoio motivacional. Têm dado muita atenção aos artistas para trabalhar. Vamos continuar a lutar. Embora tenhamos que ultrapassar uma fase que é a de perceber que os músicos e actores vivem de cachet e deixar de achar que os artistas plásticos vivem da promoção.

Qual foi a obra mais cara que vendeu?

Há quadros meus que, reconheço, agora estão mesmo encarecidos. É o caso da colecção ENSA, eles rodam o mundo e vão aos museus. Então, já estão num preço incalculável. Por isso é que digo que cada peça é uma peça, e até ela sair e ser premiada, não saberei o seu valor. Nunca sei qual é o valor que um dos meus quadros aqui tem. Tudo depende dos curadores e dos apreciadores que estiverem diante delas.

Quem são os seus principais clientes?

Os coleccionadores, sobretudo, algumas instituições e empresários, mas a camada estrangeira tem sido a que mais frequenta e compra. Os nacionais ainda têm alguma dificuldade em comprar obras de arte, mas os estrangeiros nem regateiam. Se gostarem, compram logo. Também percebemos que é uma questão de cultura.

Quais são as suas ambições nas artes plásticas?

São várias. Uma delas é que se fizesse no país um museu de artes nacionais. Gostaria também que se criassem eventos com perfis de bienais, onde se pudessem expor artistas nacionais e estrangeiros. Que as nossas artes fossem doravante documentarizadas, que as pessoas pudessem estudar a história da arte angolana. Nas escolas das artes aprendemos muito sobre as artes europeias. Não quero com isso dizer que se deva abolir, mas implementar-se também aquilo que se faz a nível das artes desde há 40 anos aos dias de hoje. Há muitos alunos a fazerem defesas de tese nesta área, mas é preciso que tenham mais dados e referências. A minha grande vontade é olhar para essas publicações, trabalhar com esses licenciados que escreveram sobre a arte angolana e fazer compilações. Porque não lançarmos um livro sobre a história da arte? Questiono-me.

E o que falta para que seja concretizado?

Não gosto de dizer esta palavra, porque acho que se tornou um pouco repetitiva: “Patrocínios”, sempre! Para compilar textos, pagar curadores ou escritores exigese cachets. Quando vais às gráficas, é preciso dinheiro para as impressões. Os estudiosos que vão a certas localidades, também são outros custos. Então, tudo gira em volta das finanças. É o factor chave.

Trabalha nesta área há mais de 15 anos. Realizou várias exposições pelo mundo e conquistou prémios. Como é que encarou essas distinções?

Tive um período negro na minha carreira. A minha primeira premiação foi em 2008. Acho que estou agora há 20 anos nas artes plásticas. Tenho quatro prémios nacionais e dois internacionais. De 2005 a 2014 foi uma fase adormecida. Casei-me, constituí família, passei por um quadro depressivo, porque a falta de materiais e as dificuldades de conciliar o meu tempo de mãe e mulher com as artes…

era um pouco difícil na altura. Vivi numa casa arrendada, quando chovesse, inundava. Perdi muitas obras nisso, então caí na depressão durante algum tempo. 2014 foi o ano do meu renascimento. Renasci com o prémio e senti que merecia. Senti que tinha muito mais para dar, que tinha muito mais do que eu pensava, porque não acreditava muito em mim.

Os prémios motivaram-na a trabalhar ainda mais?

Sim. Depois de 2014 percebi que tinha potencial que, por isso, não merecia morrer comigo. Tinha que ser partilhado, porque precisava de exteriorizar aquilo que estava dentro de mim. Então, este ano, acordei numa nova fase técnica, aberta a novas experiências, que penso que são apenas um início, porque o verdadeiro artista atinge a fama e a plenitude na maioridade. Cheguei agora à maioridade e acredito que estou na plenitude.

Actualmente há mais mulheres a trabalhar nesta área?

Há! De maneira inibida, têm surgido. A arte é um pouco complexa, tal como a música. Nós estamos a trabalhar há muito tempo nesta área. Por isso, não nos assustamos quando vemos uma artista iniciar a sua carreira e, depois de alguns anos, desaparece do mercado. Sei que as mulheres têm a dupla, tripla e difícil tarefa, de ser mãe, mulher e artista.

A maternidade chega a ser um dos factores desse afastamento?

Acredito que sim, além das dificuldades em conseguir material para trabalhar, o artista se reinventa, cria, recicla certos objectos para trabalhar, mas tens que iniciar de alguma base. Há quem esteja acostumado a trabalhar apenas com tinta, que quando lhe falta não consegue pensar em outras técnicas para trabalhar. Acredita também que a falta de conhecimento tem inibido muitas mulheres.

Como caracteriza o trabalho feito pelas mulheres na sua área?

Bom! Acredito que elas devem sair e expor os seus trabalhos. Durante algum tempo tínhamos a Marcela Costa, que é tida como a ‘mãe’ das artes. Durante o mês de Março conseguia despertar muitas mulheres adormecidas, que participavam no evento com as suas telas. Às vezes, elas também precisam de um meio para expor. Isso ajudava, mas com o fecho da Galeria Celamar, as mulheres voltaram a enclausurar-se.

Qual é a sua fonte de inspiração?

Antes dizia que me inspirava na mulher e em outras coisas. Hoje digo que é o quotidiano. Tudo vai depender do que estiver a viver, mas reconheço que Deus é a minha fonte básica de inspiração.

Como gostaria de ver o mundo das artes plásticas no país daqui a 10 anos?

Gostaria de ver renomado e respeitado. Que os artistas pudessem ter carteira assinada, que a lei do mecenato realmente funcionasse, que as empresas consumissem obras nacionais e não fotografias e cópias de outros países. Gostaria ainda que houvesse coesão entre a classse dos artistas, porque antes de qualquer pessoa ou instituição, devemos estar organizados. Sabermos que a fonte de tudo é o nosso próprio trabalho.

Que projectos tem em carteira?

São muitos sonhos, ideias e visões. Gostaria de levar a minha arte angolana além-fronteiras. Que pudéssemos padronizar as bienais internacionais e acordássemos as nossas bienais. Fernando Alvim, se estiver a ler esta matéria, que retome as bienais. E a organização do FENACULT que acorde também para dar percurso desse evento que acolhe manifestações de bairros.

Percurso

Fineza Sebastião Teta nasceu a 26 de Dezembro de 1977 na Ilha de Luanda. Décima filha entre onze irmãos, fez a instrução primária na escola São José de Cluny e desde a meninice sempre manifestou a sua vocação artística.

Aos 17 anos abandona o segundo ano do curso de ciências biológicas no PU NIV para inserir-se no Instituto Nacional de Formação Artística e Cultural (INFAC), actualmente denominado Escola Nacional de Artes Plásticas (ENAP).

Na escola, conhece um professor, com quem faz amizade, que a apresenta ao mestre das artes de pintura Guilherme Camela Simão (Kaniak). Neste período, Fineza foi tendo aulas sistemáticas de pintura num humilde atelier no Gika, (ex quartel militar).