Fiscais da Barra do Cuanza acusados de passarem multas aleatórias

Fiscais da Barra do Cuanza acusados de passarem multas aleatórias

Os proprietários de obras em curso no Bairro Novo, município de Belas, em Luanda, queixam-se, igualmente, de não receberem qualquer notificação de embargo e suspensão de obras

Texto de: Alberto Bambi

A maior parte dos relatos colhidos de cidadãos cujas residências ou parte das mesmas se encontravam em construção, sobretudo no Bairro Novo, apontam para uma postura exagerada por parte dos fiscais que, segundo contaram, chegam mesmo a notificar os proprietários das obras, obrigando-os a irem à administração do distrito para adquirir a licença de construção.

“Mas, postos aí, não se fala do tratamento de nenhum documento, pedem-te apenas um dinheiro, de 40 a 60 mil Kwanzas, que, em função das tuas súplicas, pode ficar em 25 ou 30 mil”, revelaram os moradores ouvidos por O PAÍS, que pediram o anonimato, para não verem condicionada a continuidade das suas respectivas construções.

De acordo com os mesmos, tal situação acontece com alguma frequência, porque os fiscais que se deslocam bairro adentro para realizar este tipo de trabalho não são assalariados pelo Governo. “Primeiro víamos mais de 20 agentes da fiscalização a andarem pela sede da comuna e a maior parte deles sem uniforme completo, apenas vestindo a camisa.

Depois, verificamos a redução para apenas 12 e, agora, só vemos cinco”, detalhou um dos queixosos, tendo informado, logo a seguir, que alguns deles tinham desistido por falta de salários e outros dispensados, mais tarde, pelas mesmas razões. Embora reconheçam que o procedimento legal seria tratar uma licença antes de erguerem as suas casas, os interlocutores deste jornal consideraram que a administração local não agiu de forma diferente, ao destacar para o trabalho de fiscalização agentes que não faziam parte do quadro efectivo do Governo.

Aliás, disseram não se espantarem muito com a atitude dos fiscalizadores que impunham as cobranças de maneira aleatória, porque terão percebido que desta actividade dependia o sustento diário dos fiscais, que, segundo as fontes, às vezes, deixavam escapar desabafos do género na hora das suas actuações. Outra situação bastante reclamada tem a ver com a entrada em cena de um suposto topógrafo da administração, a quem os moradores têm de pagar 35 mil Kwanzas, no caso de as suas obras serem embargadas ou suspensas.

Descontentes, os queixosos apelam ao bom senso da Administração local e de quem de direito para pôr fim a essas práticas, de modo a evitarem uma série de problemas que podem afectar directamente o grau de convivência entre os habitantes do distrito em causa, já que parte desses trabalhadores reside na Barra do Cuanza.

“É problema antigo”

Benjamin Celestino informou que se trata de um problema que se regista na área desde 2016, quando as tendências de construção começaram a contemplar a parte mais a Norte da comuna-sede. “Isto de os fiscais cobrarem dinheiro da forma que querem é um problema antigo, até porque, antes de 2016, não ouvíamos falar muito desses agentes, eles começaram a aumentar à medida que o povo foi decidindo construir na área.

O residente contou que a 27 de Julho do ano antepassado os fiscais apareceram na sua casa, embargaram a obra e notificaram-no a comparecer na Administração local, tendo sido, ilegalmente, impedido de continuar com a construção. “Na verdade eu não tinha licença e fui lá, para ver se me ajudavam a tratar os documentos, porque nem sabia como fazê-lo, mas quando lá cheguei, exigiram que eu pagasse 70 mil Kwanzas e eu disse que só conseguia 50.

Então, eles me pediram este dinheiro e autorizaramme a construir”, revelou Benjamin Celestino, tendo adiantado que esperava receber um documento que atestasse o pagamento e a consequente autorização, para não ter outros incómodos, mas nada disso foi feito.

Ainda assim, contentou-se, já que depois dessa negociação se sentiu livre das empreitadas da fiscalização, pois via os fiscais a notificarem as obras dos vizinhos do Bairro Novo deixando a sua fora da mão pesada da lei.

O entrevistado arrependeu-se pelo facto de não ter concluído a construção da sua residência em dois anos, porque, no dia 14 de Setembro do ano em curso, assistiu novamente as paredes da sua propriedade a serem pintadas com a tinta vermelha usada pelos agentes da administração que, desta vez, timbraram a suspensão da obra.

“Na Terça-feira passada, fui à Administração e pediram-me, novamente, 55 mil Kwanzas. Eu discuti o preço e ficou por 30 ou 35 mil, assim mesmo tenho de arranjar este dinheiro para lhes dar, no prazo de oito dias”, disse Benjamin Celestino. O notificado pede aos órgãos competentes para ajudar a Administração da barra do Cuanza a cumprir a lei e ajudar os moradores a tratarem o documento, para não estarem toda hora a pagar.

“Só recebemos cinco mil”

Alguns moradores recrutados pela Administração local para exercer o trabalho de fiscalização, mas que estão dispensados do anterior encargo, disseram que, durante mais de um ano que estiveram ao serviço do distrito não receberam nenhum salário, razão pela qual apelaram aos responsáveis do município de Belas e da província de Luanda para velarem pela sua causa.

Quando entrou por via da Administração Distrital da Barra do Cuanza, em 2015, Luís Chaia Binda já encontrou um contingente em formação, mas foi aceite porque reunia condições para tal e lhe foi dado, logo a seguir, um uniforme. “Passado um ano, fomos reclamar os nossos direitos, mas só recebemos cinco mil Kwanzas do administrador do distrito, segundo ele, para não passarmos a quadra festiva sem nada”, lembrou Binda.

Questionado sobre a actuação bastante reclamada pela população que ele e os colegas faziam aos construtores, o antigo fiscal assegurou que a sua equipa não dava notificação nenhuma, mas limitava-se a passar uma convocatória para o convocado marcar presença na secção fiscal, onde, sob a orientação dos seus superiores, se negociava o preço da penalização, que, uma vez concordado pelo autuado, ditava a libertação do material de construção e a respectiva autorização para a continuidade da edificação.

Jorge Luís Binda detalhou dizendo que ao proprietário da obra não se atribuía nenhum talão de pagamento, muito menos licença de construção. “Levavam a mesma convocatória que era assinada pela fiscalização, para ele mostrar a outros funcionários que o notificassem novamente”.

Relactivamente aos preços cobrados, os ex-fiscais foram unanimes em referir um preçário estabelecido entre 30 e 150 mil Kwanzas, em função da dimensão da obra. Ele confessou que os próprios agentes da fiscalização serviam de intermediários para negociar a redução das multas com os seus superiores hierárquicos, quando de familiares, amigos e conhecidos se tratasse. “Caso o chefe não quisesse entender-nos, cobrava o preço que ele bem entendesse”, realçaram.

Até aos ex-fiscais também se cobraram 50 mil Kwanzas para darem prosseguimento da suas em preitadas que projectaram ainda no activo, um valor que os mesmos se recusam a pagar, alegando que ficará na conta das dívidas que a Administração tem com eles. Jorge Fernando recordou que trabalhava numa equipa composta por 12 funcionários que foram alegadamente dispensados, há mais de três meses, por ordem dos dirigentes municipais, porque não viram as suas dispensas formalizadas em documento algum.