O Aznavour da Bohème (1924-2018): Afinal era tudo pura ilusão!

O Aznavour da Bohème (1924-2018): Afinal era tudo pura ilusão!

Morreu Charles Aznavou r, que conheci nas minhas aulas de Francês e Civilização Francesa no ensino liceal, nos meus anos de menino e moço, a ele e a outros ícones do music hall francês, de várias épocas, como Edith Piaf, Gibert Bécaud, Mireille Mathieu, George Brassens, Joe Dassin que cantou «Champs Elysées», etc. Entretanto de Aznavour fui ouvindo, sobretudo pela Rádio Nacional de Angola, canções como «Bon Anniversaire», «Et pourtant… » e «La Bohème».

POR:Arnaldo Goreva

Abaixo, à guisa de homenagem a este monstro sagrado da música internacional, e porque cada um de nós tem no fundo do coração reminiscências do bairro da sua infância, o seu Montmartre particular, transcrevo uma tradução minha da letra desta última canção, portadora de uma sentimentalidade tão original quanto universal: Eu falo-vos de um tempo Que os miúdos abaixo dos vinte Nunca vão conhecer Nesse tempo Montmartre Pendurava os seus lilales Debaixo das nossas janela E humildemente ataviada Que era o nosso ninho Dum ar matrapilho Foi lá onde nos conhecemos Eu a morrer de fome E tu a posares nua para a tela Oh a boémia, oh a boémia Nós éramos Entretanto felizes Oh a boémia, oh a boémia Nós comíamos um dia sim, um dia não Nos cafés dos arredores Éramos mais uns À caça da fama E embora pobres Com a barriga vazia Teimávamos em acreditar E quando algumas tascas À troca de uma refeição quente Aceitavam um quadro Nós recitávamos versos À volta da fogueira Ignorando o inverno Oh a boémia, oh a boémia Tu eras entretanto Muito gira Oh a boémia, oh a boémia E éramos nós todos geniais Por vezes me acontecia Passar noites em branco Diante do meu cavalete Retocando o mesmo desenho Na linha dum seio Na curva duma anca E só ao amanhecer Nos sentávamos finalmente À frente uma chávena de café Fatigados mas radiantes Era inadiável o nosso amor E o amor a vida também Oh a boémia, oh a boémia Tínhamos entretanto Vinte anos Oh a boémia, oh a boémia E nós vivíamos ao ritmo do tempo Quando com o passar do tempo Vou dar agora uma volta Ao meu antigo bairro Não reconheço mais Os muros e as ruas Testemunhas da minha mocidade Do alto de uma escada Procuro o atelier Que sumiu sem deixar rasto No seu novo aspecto Montmartre é uma cara triste E os lilases morreram Oh a boémia, oh a boémia Éramos jovens Éramos loucos Oh a boémia, oh a boémia Afinal era tudo uma pura ilusão