Álvaro Jorge: “Falta-nos técnicos que primem pela conservação curativa das peças”

Álvaro Jorge: “Falta-nos técnicos que primem pela conservação curativa das peças”

O director do Museu Nacional de Antropologia, Álvaro Jorge, em entrevista a OPAÍS disse que, apesar do depósito composto por mais de seis mil peças, que tem servido para a conservação do acervo do museu, é necessária também a presença de biólogos para a conservação curativa das peças

POR: Antónia Gonçalo

Álvaro Jorge, que assumiu a responsabilidade de dirigir o museu há dois anos, disse que o projecto “A peça do mês”, iniciado em Agosto de 2016, deu outra dinâmica ao espaço em termos de visitas, bem como à socialização de conhecimentos do acervo e dos respectivos grupos etno-linguísticos.

Como está o museu em termos de conservação do acervo?

A conservação do acervo do museu, composto por mais de seis mil colecções é feita no depósito que foi inaugurado em 2016. É um espaço que fazia falta ao museu, porque, antes, a conservação era feita num espaço inadequado e estava a perigar a sobrevivência das mesmas. Podemos assim afirmar que não temos grandes preocupações na acomodação das mesmas. Cumprimos assim com o nosso objectivo que é de conservar a longo prazo o acervo, para que as gerações futuras possam beneficiar.

Quem faz a gestão do acervo?

É o Departamento de Museografia e Restauro, que prima pela conservação do nosso acervo e da sua gestão. Este trabalho passa pela elaboração de um inventário, fotografia, constituição das fichas, os elementos, referências de cada peça, a sua origem, o grupo cultural a que pertence, as dimensões e o estado de conservação. Elementos esses avaliados temporariamente, para aferir se, de facto, a peça mantém o bom estado de conservação. A nossa missão é de conservar o acervo, permitir com que as pessoas tirem proveito daquilo que expomos sobre a vida das comunidades.

O que acontece se a peça não estiver em bom estado de conservação?

É retirada do acervo e colocada em quarentena, de modo a não contaminar as outras. As peças, por serem maioritariamente de madeira, são atacadas por insectos que as corroem. Para combater utilizamos produtos químicos, de forma a matá-los. Há sim peças que não são bem conservadas, por causa do mau uso. O factor humano é uma das principais causas de destruição, como por via de uma queda através da má colocação, por exemplo.

Tem acontecido constantemente, a destruição através da má colocação das peças?

Não ocorre constantemente, porque as peças em exposição estão bem seguradas. Estão protegidas por uma base. O facto ocorre algumas vezes na organização do depósito. Por exemplo, em 2016, após a inauguração do nosso depósito, fizemos uma movimentação de peças. Algumas estavam no Instituto de Património Cultural e na cave do Museu de Historia Natural.

Esse depósito veio dar maior dinâmica ao acervo do museu?

Sim! Mas devemos frisar que só o depósito não é suficiente para conservação do acervo, uma vez que pretendemos que seja beneficiada pelas gerações futuras. Na verdade, o que fizemos é a conservação preventiva. Falta-nos é técnicos, sobretudo que primem pela conservação curativa das peças, devido aos insectos que as corroem.

De que técnicos estamos a falar exactamente?

O museu precisa de um biólogo para eliminar estes insectos. Já contactámos o Ministério da Cultura, mas está de mãos atadas, porque para o enquadramento seria necessário a realização de concurso público e o Governo prioriza a Saúde e a Educação. Mas pensamos que novos tempos hão-se chegar e colmataremos essa questão. Precisamos também de reforçar o museu com o enquadramento de novos quadros.

Quais são as outras questões que têm afectado o bom funcionamento do museu?

Precisamos também de reforçar a segurança do museu, porque ele guarda bens públicos. O Ministério da Cultura traçou estratégias que já estão a resultar, de se articular com o Ministério do Interior, no sentido de reforçar a segurança. Mas ainda assim sentimos que internamente precisamos de reforço, com a implementação de vídeo-vigilância e alarmes. Nós já tivemos esses instrumentos, mas procuramos reativá-los, de modo a estarem funcionais em permanência.

Já se deu o caso de durante uma visita serem furtadas peças?

Sim! Estou no museu há 28 anos e casos do género ocorreram antes dos anos 2000. Foi nos anos em que o país estava em guerra e não havia consciência de conservação, sobretudo, a socialização de que o valor do património cultural é incalculável. Talvez por dificuldades, certas pessoas eram aludidas e furtavam as peças. Há mais de 20 anos que não registamos casos do género. Acredito que hoje as pessoas estão mais consciencializadas no que toca ao valor que o património cultural representa, mas ainda assim devemos estar sempre atentos.

Como tem sido a interacção do “seu” museu com outros do país?

Tem sido boa. Temos passado por algumas experiências, dentro do plano das nossas actividades. De uma forma administrativa, dependemos da Direcção Nacional dos Museus, que traça as estratégias das políticas dos museus, emanadas pelo Ministério da Cultura. Quero destacar aqui os museus etnográficos, porque o nosso museu, em termos de representatividade do seu acervo tem maioritariamente peças Lunda Tchokwe. Deste modo, precisamos de colher mais informações sobre esse acervo. Gostaria mesmo é que houvesse maior intercâmbio entre os museus.

O que falta para que seja um facto?

Falta é definir estratégias de funcionamento a nível de cada museu. Deste modo, poderíamos articular uma base de dados em todos os museus, para permitir falar com maior propriedade um do outro.

E o projecto “A peça do mês”, como tem decorrido?

O projecto tem um impacto positivo. Começou em Agosto de 2016, com a exposição da Pedra de Hiroshima, uma réplica outorgada pelo Presidente da República na altura, o engenheiro José Eduardo dos Santos. A direcção do museu pensou em gizar um projecto que pudesse atrair a vinda de visitantes ao museu. De lembrar que foi numa altura em que fui encarregado pela ministra da Cultura, Carolina Cerqueira, de dirigir o museu.

Quantos visitantes o projecto atraiu ao museu?

Desde Setembro até ao mês em curso o museu conseguiu articular 27 mil e 875 visitantes. São resultados satisfatórios. O museu passou por uma fase difícil. Desde 2014, no seu pátio, tinha acumulado contentores de materiais de construção e este elemento, às vezes, confundiam os visitantes, pensando que estivesse encerrado. Com o arranque deste projecto o público percebeu que, de facto, o museu esteve sempre aberto.

Como é feito o processo de descrição das peças em exposição?

Tudo começa pelo Departamento de Investigação Científica, que se ocupa do estudo do acervo das colecções, onde é procedida a pesquisa bibliográfica. É ali onde temos quadros direccionados para o domínio de pesquisas, sobretudo no aspecto relacionado com a valorização do nosso Património Cultural. Se não houver um estudo profundo das nossas colecções, o conteúdo que se vai divulgar é nulo.

No caso de não existir dados sobre a peça, é feito o trabalho de campo?

Fazemos novos estudos e um dos suportes para esses estudos é o trabalho de campo. Conversámos com as pessoas, sobretudo, nas localidades onde foram produzidas as colecções. Felizmente, temos uma pequena biblioteca que sustenta os nossos trabalhos, do ponto de vista de estudos e não só. No âmbito deste projecto prevê- se a elaboração de um catálogo, em que vão constar os dados de todas as peças expostas no projecto. Pensamos que no próximo ano seja concretizado.

Para além deste projecto, existe outro, do museu?

A nossa exposição permanente é o maior veículo de informação, de transmissão de conhecimento do nosso acervo. Ela está estruturada por temáticas, começando pela pesca, como uma actividade de subsistência entre as nossas comunidades. Temos ainda peças ligadas à caça, instrumentos musicais, crenças e o poder político tradicional até aos objectos de uso domestico utilitário.

Como tem sido o contacto com as escolas para a realização de visitas?

Felizmente começa a haver uma cultura museal. As escolas aproveitam o museu não só no período extra-escolar. Organizam os alunos para preencher o vazio durante as férias, mas também na vigência das aulas. Solicitam por escrito, via telefónica ou por e-mail. Nós autorizamos e preparamos as condições internas, como a disponibilização de guias.

Como está o museu em termos de projectos?

A nível de projectos, o museu está numa fase de planeamento. O planeamento é um processo que requer tempo, para identificar o que queremos e como atingir os objectivos. Apesar dos constrangimentos, do ponto de vista do planeamento, o museu já gizou alguns projectos que estão em curso.

A que projectos se refere?

O projecto para a criação de um Website que vai permitir aos pesquisadores contribuírem, do ponto de vista do conhecimento das nossas colecções, bem como das diversidades culturais. Temos ainda o projecto sobre a elaboração e montagem de uma exposição etnográfica “Ritos de mu-lher”, assim como os que vão conferir novas abordagens das colecções etnográficas, que resulta de um workshop realizado pela embaixada alemã, em Julho. Temos também o projecto relacionado com as fichas pedagógicas, que ilustram conteúdos ligados à abordagem do nosso acervo, que poderá introduzir crianças. Os petizes, através de desenhos vão reproduzir peças em exposição, e no final premiaremos os melhores trabalhos.

O projecto “Ritos de mulher”, quando arranca?

Está previsto para 2019 e pretendemos realizar no mês de Março, dedicado à mulher. Antes da sua implementação vamos fazer um estudo, uma pesquisa sobre as colecções que farão parte desta exposição. As peças expostas serão relacionadas com a mulher, desde a fase da concepção do bebé, iniciação feminina, que ainda é usada por alguns grupos etno-linguísticos. Serão peças de aspectos antropológicos, ligadas à vida da mulher. A amostra será de caracter anual. Trata-se de uma exposição itinerante, com início no nosso museu e passará em todas as províncias do país.

O Museu

O Museu Nacional de Antropologia localiza-se no nos Coqueiros, na cidade de Luanda. Fundado a 13 de Novembro de 1976, foi a primeira instituição museológica criada após a Independência de Angola, ocorrida um ano antes. Esta instituição de carácter científico, cultural e educativo está vocacionada para a recolha, investigação, conservação, valorização e divulgação do património cultural angolano. O museu é composto por 14 salas distribuídas por dois andares que abrigam peças tradicionais, designadamente utensílios agrícolas, de caça e pesca, fundição do ferro, instrumentos musicais, jóias, peças de pano feitos de casca de árvore e fotografias dos povos khoisan. O seu acervo está ainda composto por diversos instrumentos musicais tradicionais como a marimba. A grande atracção do museu é a sala das máscaras, que apresenta os símbolos dos rituais dos povos bantu.