Crónica (de repartição pública)

Crónica (de repartição pública)

Nessa Vª. feira, 10.00h de 24.04.2006, o cartório notarial registava pouca enchente – contrariamente ao que tem sido hábito. Gente a transpirar, olhos esbugalhados, na expectativa dos papéis, digo, documentos, lhes chegarem às mãos, o mais rápido possível: homens, mulheres (mais homens do que mulheres), jovens, adultos, todos estavam aí, sob o controlo de um «segurança» que, consoante o ritmo de atendimento dos funcionários, ora abria, ora fechava a porta, para deixar entrar e sair as pessoas já atendidas e as que deviam dar entrada dos respectivos documentos. Isso no rés-do-chão.

No 1º. andar, pelo contrário, encontrei uma calma deveras inusitada. Havia alí três compartimentos onde funcionavam: a conservadora, depois a área das escrituras – com duas funcionárias, onde D. Ana pontificava, soberanamente – e uma outra, a das certidões, etc., com cerca de quatro senhoras.

Como a área se encontrava praticamente vazia, não me foi difícil entrar, para efectuar o levantamento das certidões de «alteração da denominação social» da «empresa» «suku wa nzumba», para «jovibar», conforme há precisamente uma semana me garantira a senhora que me atendera. Só que, infelizmente, nesse dia ela encontrava-se ausente!

A outra, que me atendeu, procurou, remexendo o montão de papelada sobre a secretária da senhora ausente mas do raio das certidões, nem pó! Entretanto, enquanto folheava, entrou um jovem, todo mal amanhado. – Ontem fugiste, n´é!? – interveio uma das funcionárias.

– Não! Só estava lá em baixo! – ripostou o jovem, provavelmente elo de ligação, nas habituais jogadas esquemáticas da gasosa «instituída».

Passados alguns segundos, a senhora que andava a procura das minhas certidões diz-lhe: – Xico, vai-me comprar sumo; mas não traz aquele sumo de anemia; traz de sabor a manga, cenoura ou maracujá. – Mas isso porquê!? Por acaso a senhora é diabética? – interveio um militar, fardado, que, junto de uma outra funcionária, tentava também resolver a regularização de uma procuração que lhe facultasse fazer levantamentos bancários, em nome dos restantes cinco sócios: – Mas esta procuração é em nome individual ou colectivo? Ou seja: com uma só assinatura posso fazer o levantamento dos cinco sócios ou são necessárias cinco procurações individuais para o tal levantamento?….

A conversa estava a correr nessa direcção quando o militar decidiu meter também a sua colherada na conversa do sumo. E prosseguiu: – Mesmo nós, antigamente, chupávamos açúcar e nunca ouvimos dizer que alguém ficava doente por isso ou por aquilo. Não é verdade!?

O açúcar do branco era bom! – É mesmo verdade! – ajustaram, em uníssono, as demais funcionárias e, quase em coro, prosseguiram: – Antigamente os homens eram elegantes, não tinham barrigas grandes. – É! Dizem que é da cerveja. – ripostou uma das senhoras, logo logo contestada pelas demais: – Cerveja o quê! Então também antigamente não se bebia cerveja?! Hoje porque é diabete, porque é cancro, porque é SIDA….

Dantes nunca ouvimos nada disso! Outra reforçou: – mesmo as mulheres gordas a gente só via já na altura da gravidez; agora, olha só! – e, dizendo isso, indicava a sua barriga e as das outras que, de facto, já aparentavam proporções avantajadas, excepto a da mais nova, talvez nos seus 20/30 anos, que ainda mantinha uma linha na verdade elegante e que também decidira reforçar a conversa das kotas: – Até os homens, hoje em dia, já sentem dor de bexiga! Eh!! – Ora vejam só! – exclamaram as outras.

A dado momento, a mais nova acrescentou: – Eh! Basta já de conversa. Vamos mazé trabalhar! – Obrigado. Então volto amanhã. (Saí da repartição notarial, a pensar na «batalha» do dia seguinte!) Luanda, 29.11.2018