Sonhos de Carolina e Silva enterrados na fossa

Sonhos de Carolina e Silva enterrados na fossa

Ser uma pessoa de bem e dotada de valências técnicas para contribuir em determinada área do saber no desenvolvimento de Angola era um dos maiores desejos de Carolina Joaquim de Sousa e Silva, que, aos 21 anos de idade, concluiu a licenciatura em Direito, arrancando 19 valores do corpo de jurados, através da brilhante apresentação que fez da monografia. As pessoas que testemunharam esse feito, que a levou a estar registada como uma das melhores estudantes que passaram pela Universidade Gregório Semedo, dizem que não foi por acaso ela ter sido uma estudante brilhante.

O histórico escolar de Carol, como era carinhosamente tratada pelos mais próximos, da iniciação à licenciatura, descreve, de per si, quão dedicada aos estudos ela era. Nunca reprovou e sempre teve notas altas. A paixão pelo estudo, de acordo com a sua mãe, Maria Armando, levou-a, muitas vezes, a furtar-se das responsabilidades domésticas, como lavar a loiça, para fazer as tarefas escolares que levava para casa. Outra marca sua, durante a fase de formação, foi a simplicidade. “Era uma estudante universitária sem vaidade. Não andava de saltos altos nem usava roupas de marca e dizia: o que vale é o que eu levo na mente, mãe.

O que conta não é o exterior, é o que se sabe fazer”, recordou a mãe, em entrevista a OPAÍS, mergulhada numa dor profunda pela perda da sua terceira filha, entre cinco irmãos. Maria Armando contou que a sua filha estava focada nos estudos por, desde cedo, se ter apercebido que era necessário fazer sacrifícios para estar entre os melhores quadros deste país. Entre as várias recordações que guardará da filha, recordou a frase: “mãe, estou a estudar para ser alguém nesse país”… “E precocemente perdi a minha filha”. A Carol manifestara no seu círculo de convívio mais restrito que conseguiria concretizar os seus sonhos, uma vez que trilhava os caminhos espinhosos que a levariam a um dos “pódios da vida” para ser galardoada pelos seus feitos, caso não fosse impedida de continuar a marcha de forma tão cruel.

A advogada, que completaria 27 anos de vida no próximo dia 30 de Janeiro, primava de tal forma pela organização que, desde muito cedo, regia os seus afazeres através de agendas e defendia que os seus familiares e amigos deveriam proceder da mesma forma. Era, primeiramente, exigente consigo própria, e depois com os outros. “Planificava tudo, diferenciava as tarefas cumpridas das por cumprir, bem como a graduação do seu cumprimento”, contou. Ainda em choque pela forma bárbara como sua filha foi arrancada do seu convívio, Maria Armando descreveu-a como tendo sido uma excelente conselheira. Uma pessoa que, desde pequena, optava por ficar no seu canto. “Não era de fazer muitas amizades, todavia, era amiga dos seus amigos.

Respeitadora”. O seu jeito de ser e encarar a vida resulta da educação que recebera dos pais, ambos líderes religiosos da Igreja Pentecostal. “Ela era humanista acima de tudo. Era uma excelente pessoa”. Sobre o seu carácter, segundo a progenitora, sobressaia também a disciplina e a dignidade, como qualidades que influenciaram algumas das pessoas que com ela privaram. “Não vendia a sua dignidade por nada. Se a Operação Resgate começou agora, a Carol já era contra a corrupção há muito tempo”, desabafou a diaconisa Maria Armando, depois de ter dado por encerrada a entrevista que a levou, por alguns minutos, a vaguear pelas lembranças que guardará para sempre na memória.

Jovem casal era líder religioso

Olívio e Carolina e Silva, que namoraram durante 10 anos e casaram há dois, mantinham uma forte relação com a Igreja Assembleia Pentecostal do Kilamba Kiaxi, de onde são originárias as suas famílias. Já a senhora Priscilia, que testemunhou o casamento de ambos, descreveu-a como sendo uma jovem cristã dedicada à igreja. Recorrendo à Bíblica sagrada, sublinhou que em cumprimento da orientação divina, segundo a qual “um dia deixaremos a casa dos nossos pais e nos uniremos a um homem, formando uma só carne, ela contraiu o matrimónio”. O empenho do casal no cumprimento das tarefas que lhes eram incumbidas, segundo a dona Priscilia, levou a direcção do templo que frequentavam a atribuir-lhes algumas responsabilidades acrescidas.

“A direcção da Igreja viu que a capacidade que eles tinham demonstrava que poderiam ir expandir o evangelho na área missionária para onde foram enviados (em Viana)”, frisou. No dia em que Carol foi dada como desaparecida, a 29 de Novembro, os fiéis participavam numa vigília, pelo que foram apanhados de surpresa. Não obstante isso, permanecia a esperança de que fosse encontrada em vida. Na Segunda- feira a esperança esfumou-se ao serem informados que ela fora encontrada no interior da fossa da sua própria residência. “Como cristãos, nós estamos chorando porque a carne é fraca, mas o espírito é forte.

Pelo seu comportamento na terra, acreditamos que ela está na mansão celestial que Jesus preparou para a honra e glória do seu nome”, frisou, emocionada. Sobre o desempenho escolar de Carolina e Silva, a advogada Teresa Lusende, sua antiga colega na Faculdade de Direito, contou que lhe haviam atribuído o nome de “génia”, por se ter destacado entre as melhores da turma durante cinco anos. As notas com que concluiu o curso levaram a Universidade Gregório Semedo a convidá-la para fazer parte do grupo de docentes, ao que ela respondeu com uma recusa por ambicionar entrar no mundo da advocacia. “Era muito inteligente. Angola perdeu uma grande mulher. Uma menina que tinha uma trajectória mais do que brilhante”, declarou. Até à data da sua morte, trabalhava no escritório de advogado Legis Veritas.