Os problemas da economia começam na má contabilidade

Os problemas da economia começam na má contabilidade
  • Entrevista de Miguel Kitari
  • Fotos de Pedro Nicodemos

Qual é a análise que faz da actividade contabilística em Angola? Durante os últimos tempos a contabilidade teve uma evolução. Não acima de 50%, mas houve uma evolução assinalável.

O referido avanço dependeu muito do esfoço da Ordem dos Contabilistas de Angola, no sentido de tornar autónoma e dinamizar aquilo que são as condições necessárias e imprescindíveis que um contabilista deve ter. As universidades têm contribuído muito, fornecendo contabilistas para as empresas. Entretanto, ainda temos sérios problemas.

Temos um desfasamento comparativamente ao que se faz noutros países, refiro-me às normas universais da contabilidade, bem como ao funcionamento normal da mesma a nível das empresas. Repare que hoje temos contabilistas com maior performance a fazer contabilidade voltada para o fisco e não uma contabilidade voltada para as empresas.

Trata-se de um problema muito grave da nossa contabilidade. E é um problema que atrapalha a dinâmica da nossa economia, uma vez que a contabilidade é o motor da empresa. Ela tem como objecto de estudo o património da empresa, orientando os empresários para as decisões futuras.

E quais são as consequências?

Quando isso não ocorre o país ficará em recessão devido aos prejuízos que as empresas terão. No mesmo sentido, a contribuição, em termos de impostos, vai-se registando de forma deficitária.

Quando diz que a contabilidade em Angola é mais fiscalista e menos empresarial, é uma justificativa para o insucesso de muitas empresas nacionais?

Os contabilistas estão também ligados ao desenvolvimento das empresas. Todavia, acontece que através de uma forte pressão do sistema fiscal e dos empresários muitos quadros estão mais virados para a fiscalidade.

Por exemplo, o Estado tem estado mais incisivo nas contribuições fiscais, facto que tem obrigado os empresários a adaptarem-se à nova realidade. É a partir daí que consultam os contabilistas, facto que leva a que muitos profissionais da contabilidade estejam a trabalhar com maior enfase, nas questões ligadas ao fisco.

Apesar deste quadro, esquecem-se, os contabilistas, que ao trabalharem para o fisco precisam de ter dados concisos relacionados com a empresa. Muitos nem se importam. E empresários há que preferem ficar pela contabilidade superficial, aquela que atende apenas ao fisco. Fornecem dados irreais só para reduzir a carga tributária. Portanto, não pode haver dupla contabilidade. A contabilidade é única: serve como elemento de gestão e como base de determinação dos impostos. É preciso saber quando estamos a fazer uma ou outra coisa.

Onde é que está o problema da economia angolana?

O problema começa na contabilidade. Hoje falamos de corrupção, défice orçamental, défice fiscal, défice humano, e são questões ligadas a contabilidade.

Então a nossa contabilidade está a ser mal feita?

Sim! Um país com contabilidade séria e exacta, certa, é um país organizado. Portanto, é por isso que temos muitos níveis elevados de corrupção.

A contabilidade deve ser chamada, deve ser vista com respeito para podermos combater a corrupção. Repare: o nosso Orçamento Geral do Estado é contabilidade, pois estima os níveis de receitas a arrecadar e as despesas. É a contabilidade que dita a saúde financeira de um país, através da contabilidade pública.

Essa questão do foco dos contabilistas no fisco não estará relacionada com o facto de o Executivo estar a afinar os mecanismos de pagamento de impostos? O desarranjo na contabilidade não está muito ligado às empresas, mas sim ao ambiente económico que tínhamos antes, que oferecia uma despreocupação.

Não eram pressionados do ponto de vista dos impostos. Hoje, o cenário é diferente, pois o Estado também está apertado e precisa de ir buscar dinheiro a várias fontes. E o imposto é uma delas.

É uma questão também que tem que ver com a relação com o FMI…

É verdade. A relação com o Fundo Monetário Internacional (FMI) tem regras, e, na perspectiva de se cumprir essas exigências, o Estado impõe algumas medidas. Trata-se de uma organização profunda.

O Estado vai financiar o nosso tecido económico, mas quererá retorno para conseguir pagar os empréstimos que solicitou ao FMI. Para tal, terá de exigir aos empresários maior transparência no pagamento dos impostos, o que obriga à existência de uma contabilidade organizada.

É este cenário que faz com que os empresários estejam todos preocupados em ter contabilidade, inclusive aqueles que pouco ou nada sabiam sobre o assunto. Mesmo a “Operação Transparência” está a ajudar a impor a legalidade no comércio.

A legislação é branda ou nem por isso?

Temos uma legislação robusta e muito exigente.

A nossa legislação fiscal, através do código 21/14 de 22 de Outubro, contém penalizações brutais do ponto de vista das exigências para aqueles contribuintes que se furtaram ao pagamento dos impostos.

A contabilidade já atrai muitos jovens que entram para as universidades?

Sim! As medidas que o Executivo tem vindo a tomar visam fomentar o sector empresarial. Com isso vão surgir muitas empresas e novos postos de emprego, sobretudo para contabilistas.

E importa referir que as empresas não vão andar por si só, elas terão o controlo do Estado, terão de pagara impostos. É por esta razão que os jovens e as universidades se sentem pressionados a apostar na contabilidade, melhorando, inclusive o plano curricular do curso.

E que papel a Ordem dos Contabilistas pode jogar no incentivo aos jovens para aderirem ao curso de contabilidade?

Ela tem criado alguns empecilhos, tudo porque o fisco entende que só podem assinar as declarações fiscais aqueles contabilistas que estão inscritos na Ordem dos Contabilistas. Sendo assim, só é contabilista aquele que possui a cédula de inscrição. É muito comprometedor, uma vez que somos muitos com formação a nível do país.

A Ordem precisa de abrir-se, melhorando o acesso, gerando dinâmica e não impondo condições que dificultem o ingresso dos candidatos na organização. Precisa também de ser mais dinâmica na relação com o empresariado, sobretudo do sector privado.