Está suspensa a criação de novos cursos superiores na área da saúde

Está suspensa a criação de novos cursos superiores na área da saúde

Está suspensa a criação de novos cursos de graduação em medicina nas Instituições de Ensino Superior em Angola por terem sido “detectadas fortes deficiências nos existentes”. Em Despacho datado de 28 de Dezembro de 2018 e publicado em Diário da Republica de 8 de Janeiro de 2019, o Presidente da Republica refere que “foram detectadas fortes deficiências nos recursos educativos colocados à disposição dos cursos de graduação no domínio das Ciências de Saúde, particularmente de Medicina e Enfermagem, facto que afecta a qualidade dessas formações”, daí a suspensão.

Segundo o Decreto que vimos citando, há uma urgente necessidade de “assegurar a correcção das deficiências detectadas, bem como proceder-se a uma melhor estruturação” dos planos de estudo dos cursos de graduação no domínio das Ciências da Saúde e consequente melhoria da qualidade da ministração dos mesmos. Doravante, para a criação de novos cursos de Enfermagem e de outras na área das Ciências da Saúde, o ministério do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação deverá aprovar um instrumento regulamentar especifico que estabeleça os pressupostos para a criação e ministração dos mesmos com a colaboração do Ministério da Saúde e das ordens profissionais ligadas às Ciências da Saúde”.

A continuidade do funcionamento dos actuais cursos de Medicina e de outros das Ciências da Saúde dependerá do resultado de “uma avaliação criteriosa das condições e recursos a eles afectados”, devendo o ministério que tutela o ensino superior no país “proceder à essa avaliação de acordo com os procedimentos para a avaliação interna e externa”. Em Angola os cursos de medicina e outros da área das Ciências da Saúde são ministrados em instituições públicas e privadas mediante autorização do Executivo. Entretanto, a qualidade dos mesmos, as condições de ministração, nomeadamente quadro docente e meios laboratoriais tem sido um tema debatido de forma recorrente. Revelações de docentes e discentes envolvidos nesta área do saber apontam para estar a ser vendido “gato por lebre”. Estudantes de Medicina, Enfermagem, Farmácia e Analises Clinicas, queixam-se que concluem os cursos sem suficiente práticas profissionais o que os deixa “mal preparados” para os desafios do exercício profissional.

Nenhuma instituição em Angola reúne condições para cursos de medicina

O médico e docente universitário Domingos Cristóvão considera “acertada” a medida de se passar um pente fino aos mecanismos de licenciamento dos cursos na área das Ciências da Saúde. Para ele, a falha consistiu sempre nas “facilidades encontradas durante o processo de autorização das instituições e dos cursos. Portanto, não é correcto proibir e nem suspender, mas sim endurecer os mecanismos e os processos de fiscalização permanente”. O profissional, formado em medicina na Rússia e Argentina, recomenda às autoridades angolanas a conformarem a oferta formativa no sector ao Regulamento Sanitário Internacional.

“Neste quesito, nenhuma instituição está pronta para ministrar cursos na área das Ciências da Saúde em Angola”, asseverou. A título de exemplo, o médico e docente, que concluiu o seu doutoramento (Ph.D.) na Universidade de Buenos Aires (UBA), disse que durante a sua licenciatura fez parte de uma turma de 20 estudantes que durante as aulas de laboratórios tinha cada um 5 microscópios e 150 láminas à disposição durante 45 minutos, o que contrasta com a realidade no país, que é de um microscópio para 60 estudantes. “Na Rússia, durante as aulas práticas, tínhamos um cadáver para cada aluno. O docente selecciona o órgãos individual para cada estudante executar uma tarefa específica. No fim, o docente e a turma passam individualmente em cada um a ver o trabalho feito e receber as lições e correcções”.

Apesar de Angola ter alta taxa de mortalidade, aqui os nossos estudantes práticam na proporção de 1 cadáver para 60 alunos, exemplificou o médico, dizendo que mesmo não chegando às condições das escolas em que passou, é desejável que se melhore a situação. Domingos Cristóvão aponta ainda as condições lastimáveis em que se ensina medicina no país. “Na Rússia tinha 40 livros diferentes para consultar a título individual. Aqui distribuímos fascículos de 10/15 páginas e mesmo assim os discentes ainda reclamam dizendo que é muito material”. Na docência, no país existe uma espécie de cultura de “devolver o sofrimento”, infernizando os discentes com o pretexto de também ter sido assim durante a sua formação.

“Cá entre nós, os professores dão o troco aos alunos tentando fazê-los passar pelo sofrimento por que passaram. Nas escolas em que passei o conhecimento é uma ferramenta de partilha, onde quem sabe ensina e quem não sabe aprende. Por cá este valor está invertido”. Domingos Cristóvão é médico licenciado na Rússia. Concluiu o doutoramento na Universidade de Buenos Aires (Argentina). Dentre várias funções, já foi responsável da pasta da Saúde no município do Belas e da província do Cuanza-Norte. Enquanto docente, leccionou diferentes cadeiras nos cursos de Medicina da Universidade Privada de Angola (UPRA), Universidade Kimpa Vita e Instituto Superior Politécnico Atlântida.