Académico distingue a língua materna da “nacional”

Académico distingue a língua materna da “nacional”

Professor Auxiliar de Língua e Literatura Portuguesa da Faculdade de Letras da Universidade Agostinho Neto, Manuel da Silva Domingos ‘Russo’ esclareceu que a língua materna de cada cidadão tem a ver com aquela de que o sujeito falante faz uso nos primeiros contactos sociais. “Por isso, não se trata apenas de ser uma língua nacional, nem da língua da mãe e, muito menos, da de origem, como é propalado por aí”, detalhou o professor Russo, como é tratado no seio académico. Segundo ele, a língua materna difere também da nacional pelo ponto de vista técnico-científico, já que, nesse contexto, é classificada quanto à aquisição.

Por seu turno, conforme avançou em seguida, o idioma nacional é avaliado, do ponto de vista estatutário, como a que cobre uma determinada área geográfica, ao ponto de, na maior parte dos casos, representar uma etnia. O docente ponderou esse pressuposto quando fez alusão ao dito do Presidente Agostinho Neto, “Um só povo, uma só Nação”, tendo adiantado que, embora cá em Angola se insista na denominação línguas nacionais, em detrimento de regionais, esta última encontraria mais lógica, uma vez que a nação angolana é só mesmo uma. As realidades da África do Sul, Namíbia, Moçambique, Zimbabwe e outros países da região austral do continente africano, onde destacou o Zulu, o Shona, Africans, Swahili e outros idiomas como os que ganharam o estatuto de língua materna e, em alguns casos, nacionais, foram realçadas pelo académico como um factor preponderante para a afirmação e reafirmação da identidade nacional dessas regiões.

Por causa disso, o professor Russo aproveitou a comemoração do Dia Internacional da Língua Materna, que se assinala hoje, para pedir aos cidadãos angolanos que considerem a língua como um património imaterial, sem a descurar, têla como parte da vida de cada um, ao ponto de ser um dos órgãos subjectivos do nosso corpo. Manuel Domingos deseja mesmo que esse dia seja respeitado e honrado como o do aniversário de cada um, de modo a conseguir-se os ideais requeridos a favor da mesma, tais como os de sua inserção no sistema de ensino angolano. “Preza-me ver os nossos irmãos de países que já citei a falarem o Inglês, Francês e Português só quando estão diante de um estrangeiro ou nos fóruns de calibre internacional”, referiu o também especialista em Língua Forense, tendo acrescentado que Angola, pela Faculdade de Letras e os ministérios da Educação e da Cultura, vai-se fazendo algum esforço para exaltar esse factor de identidade nacional.

Auto discriminação

No mesmo dia, Manuel Gaspar, no Dondo (Cuanza-Norte), argumentou que o Kimbundu constituia a língua materna dos seus conterrâneos e era quase um imperativo aprendê-la para não ser discriminado. Relativamente à sua língua materna, considerou o Kimbundu, mas revelou que nasceu em Luanda e cresceu na casa de uma tia, na Precol-Rangel, onde só aprendeu a falar o português. “Mas aos 17 anos voltei para a casa da minha mãe, no Dondo, e tive de aprender a língua materna já mais velho, foi difícil, mas era necessário, para me impor, principalmente perante os irmãos e primos mais novos”, contou Manuel, que conta, hoje, com 42 anos de idade.Luanda com português-materno Pelo facto de terem nascido numa família onde a língua de convivência é o português, grande parte dos adolescentes, jovens e até mesmo alguns adultos têm como língua materna o referido idioma.

Entretanto, colocada a questão sobre qual é a sua língua materna, quase todos são unânimes em recorrer às línguas regionais das suas terras de origem. E as justificações variam de cidadão para cidadão. Alexandra Mayassi, 35 anos, afirmou que, por não ter aprendido nenhuma língua nacional até à data desta reportagem, a sua língua materna é o Kikongo, por ser a tradicional da terra da sua mãe. Para Margarida Bolso, o Cokwe constitui a sua língua materna, pois, segundo ela, a sua mãe e avôs se expressam nesse idioma, que ela nunca teve a oportunidade de aprender. Fernando Matias, 38, tem consciência de que a língua materna é a primeira que aprendeu, na família, e com a qual contactou com a sociedade. “Mas estou triste, porque não queria que a minha materna fosse essa”, desabafou o morador do Golfe 1, município de Kilamba Kiaxi-Luanda, adiantando que ainda se esforça para aprender o Kikongu dos seus pais.

Luanda com português-materno

Pelo facto de terem nascido numa família onde a língua de convivência é o português, grande parte dos adolescentes, jovens e até mesmo alguns adultos têm como língua materna o referido idioma. Entretanto, colocada a questão sobre qual é a sua língua materna, quase todos são unânimes em recorrer às línguas regionais das suas terras de origem. E as justificações variam de cidadão para cidadão. Alexandra Mayassi, 35 anos, afirmou que, por não ter aprendido nenhuma língua nacional até à data desta reportagem, a sua língua materna é o Kikongo, por ser a tradicional da terra da sua mãe. Para Margarida Bolso, o Cokwe constitui a sua língua materna, pois, segundo ela, a sua mãe e avôs se expressam nesse idioma, que ela nunca teve a oportunidade de aprender. Fernando Matias, 38, tem consciência de que a língua materna é a primeira que aprendeu, na família, e com a qual contactou com a sociedade. “Mas estou triste, porque não queria que a minha materna fosse essa”, desabafou o morador do Golfe 1, município de Kilamba Kiaxi-Luanda, adiantando que ainda se esforça para aprender o Kikongu dos seus pais.

Falantes divididos sobre língua materna

Uma boa parte dos entrevistados de O PAÍS chegou mesmo a confundir língua materna com o idioma regional falado na localidade onde nasceram eles próprios ou os seus pais. Em alguns casos, a língua coincidia com a que ele aprendeu a falar primeiro e a das origens dos seus pais. Nessa vertente, o docente universitário, abre as tendências de classificação de língua primeira e regional, que, por sinal, tornam mais lógica a primeira e a segunda. Mateus Sacalumbo, abordado a 5 de Fevereiro, no troço Bailundo (Huambo) -Cruzamento (Cuanza Sul) disse que a língua Umbundu faz parte da sua vida, desde que nasceu, e é a que, normalmente, usa para comunicar com familiares, amigos e alguns conhecidos, optando pelo Português apenas nas circunstâncias em que está fora desse ambiente, mormente na escola, no trabalho ou nas viagens.

Aliás, o cidadão natural do Cuito, que, na ocasião, viajava para Luanda, revelou que a língua a que se referiu é de aprendizagem obrigatória para os seus conterrâneos, porque nas reuniões familiares se torna língua oficial. “Quando temos encontro, na família, os mais velhos falam na nossa língua e nós seguimos a norma, até porque o enquadramento de alguns problemas debatidos se encontra em provérbios e pensamentos da cultura local. De acordo com o entrevistado, o adulto que não se expressa na língua local quase não é considerado como adulto, porque nos alambamentos, casamentos ou outras reuniões familiares não lhe é dada a palavra.