“Medicamentos tradicionais curam quase tudo”

“Medicamentos tradicionais curam quase tudo”

Há 16 anos que Maria Delfina Ernesto, de 46 anos, comercializa no mercado do Waku-Cungo, capital municipal da Cela, medicamentos tradicionais que acreditar serem capazes de curar quase todas as doenças que apoquentam milhares de angolanos espalhados pelo país, a baixo custo. Por apenas 200 Kwanzas, segundo ela, é possível adquirir “medicamentos naturais” que curam infecções urinárias e pulmonares, hemorroides e infecção do útero, para as mulheres que sofram abortos espontâneos com frequência. No caso dos rapazes que padecem de impotência sexual ou que desejam aumentar a potência, também é possível obter o “santo remédio” com esse montante. Na lista de doenças dos produtos naturais comercializados por mulheres, maioritariamente com idades acima dos 40 anos, no mercado municipal da Cela, figuram ainda os que tratam miomas, febre tifoide, malária e tuberculose.

“Temos muitos clientes que procuram maioritariamente os medicamentos que combatem a febre- tifoide e a malária, entre outros que curam hemorroides”, explicou Maria Ernesto. A nossa interlocutora detalhou que “essas curas milagrosas” podem ser realizadas com raízes, caules, capins, óleos, peles, e fezes de animais, caracóis e uma série de líquidos coloridos que se pode encontrar em enormes quantidades no referido mercado, cujos preços vão dos 200 aos 4.000 Kwanzas. “Nós aqui curamos quase tudo. Até as mulheres que não estão a alcançar, os homens com problemas sexuais, como ejaculação precoce”, garante a comerciante Maria Ernesto. Apesar de os anti-maláricos serem os mais procurados, declarou que os medicamentos que visam curar o problema de infertilidade feminina também tem uma procura acentuada. No cômputo geral, disse que à procura de “medicamentos” justifica a sua presença massiva em diversas bancadas deste mercado. É com esses remédios que, sempre que necessário, médica os seus 10 filhos.

O domínio dos medicamentos naturais a que considera “milagrosos” e os seus benefícios para os citadinos do Waku-Cungo, locadade onde nasceu, cresceu e sempre realizou tal actividade, mereceu o reconhecimento da Câmara Profissional do Terapeutas de Medicina Tradicional Natural e Alternativa Não Convencional de Angola, que lhe atribuiu um certificado. Este documento visa também certificar que está habilitada a exercer tal actividade e a sua participação em vários seminários de capacitação de técnicas de realização de medicina natural, promovido pela Câmara que os congrega.

Pomada do eucalipto

Entre os diferentes produtos arrumados aleatoriamente por cima da sua bancada, está a pomada de Eucalipto que, segundo conta, serve para a pele, constipações, febres, infecção urinária, dores musculares e da coluna. Disse que a mesma ajuda a combater e prevenir infecções e doenças do couro cabeludo, podendo ser utilizada a partir dos 12 anos de idade. “A folha do Eucalipto ajuda ainda a combater a tosse e eliminar bactérias da boa que causam mau hálito. Basta mascar as folhas”, frisou, tendo acrescido que “as suas folhas e óleo são essencialmente conhecidos em vários países pelos seus usos medicinais ou cosméticos”, frisou Maria Ernesto. Realçou ainda que a mesma é indicada principalmente para tratar ou combater doenças respiratórias e trás outros benefícios para a saúde. Na sua bancada sobressai também o Quilolo (um medicamento para dores de barriga, vómitos, cólera e febre tifoide) e o Lomepé (serve para dor de barriga, peito tosse e giba).

De forma pausada, Maria Ernesto explicou que o Ocunhabambe, outro fármaco, serve para curar qualquer tipo de feridas, infecções urinárias e pulmonares, hemorroides, bem como infecção do útero para aquelas mulheres que sofram abortos espontâneos com frequência. A presença do Jimbo (fezes de animal) também não passou despercebida. Explicou que além de servir para curar o sarampo, anemia aguda e malária, afasta os invejosos e os marginais. Quanto à sua utilização, esclareceu que é necessário cavar um buraco na porta ou portão de casa e depois colocá-lo, misturado com outros medicamentos, nomeadamente, Raca e o Kalitangue. “Assim, nenhum marginal ou mau olhado entrará na sua casa”, garantiu. Já o Ukulhungu é um tipo de erva que, segundo Maria Ernesto, cura miomas e epilepsia, vulgo gota. “É só tomar diariamente meio copo, como se fosse chá, e em fracção de segundos o efeito surge. A pessoa começa a lançar. O bicho que provoca tais doenças poderá sair pela boca ou por via anal, com diarreia”, detalhou.

Alegada cura para a “afamada” tala

Outros medicamentos tradicionais comercializados por Maria Ernesto são o “Pau Cerveja” e o “Brilhante”, que diz servirem para curar a tala, designação atribuída a uma doença tradicional. Para curar essa “enfermidade”, dependendo da especificidade, usa técnicas próprias, geralmente, misturando-os com o “Pau Salvador”. “Aqui a tala é um problema sério e tem ceifado a vida de muita gente. As pessoas que mais me procuram são as que apanham a tala no pé e peito. Essa última mata rapidamente, se não for tratada a tempo”, frisou. Disse que muitos pacientes que são acossados por tala no peito não conseguem sequer falar. Já a tala do pé começa com uma inflamação ligeira que, a posterior, provoca uma ferida e, quando mais avançada, acaba por gerar bichos se não for tratada atempadamente. Por outro lado, garantiu que a pele de elefante serve para curar o sarampo.

“Aqui nos nossos bairros temos muitas crianças que padecem dessa enfermidade e que têm sido curadas com esse recurso. Fervemos a pele e em uma porção de colher de chá demos à paciente e fica curada. É de certeza um bom antídoto”, garantiu. Acrescentou ainda: “os meus medicamentos têm muita saída neste mercado”. Contou que muitas vezes os doentes a procuram aflitos e que não só os consulta como os médica e acompanha o tratamento. Em muitos casos, vai ao encontro deles, quando estão impossibilitados de irem à sua procura. É também no mercado municipal da Cela que a jovem Juliana ganha a vida há oito anos, vendendo desde o tradicional gengibre à ‘ngadiadia’, para febre tifoide e dores de barriga, entre outros medicamentos.