‘Agressores sexuais são conhecidos pelas vítimas’

‘Agressores sexuais são conhecidos pelas vítimas’

Diariamente são registados no país, pelo menos de forma oficial, cerca de cinco violações por dia. Só em 2018, o país registou um total de 1.750 casos de violação, correspondendo a dois por cento do total dos crimes, tendo um aumento de 242 casos de crimes em relação ao ano anterior.

Os dados constam do Relatório de Segurança Pública de 2018, apresentado recentemente, em Luanda, pelo director do Gabinete de Comunicação Institucional e Imprensa do Comando Geral da Polícia Nacional, Orlando Bernardo.

De acordo com o relatório, 454 crimes ocorreram na via pública (mais 122 do que no ano precedente) e 1.296 (mais 120 do que em 2017) no interior de residências, estabelecimentos comerciais e outros locais reservados, em circunstâncias que escapam à vigilância policial.

A falta de atenção aos menores por parte dos pais, uso de droga e consumo excessivo de bebidas alcoólicas, circulação isolada na via pública e lugares isolados durante a noite e crenças no feiticismo e práticas obscurantistas são apontados como principais factores de violação.Segundo as estatísticas, o horário de maior ocorrência foi o das 12 às 18 horas, com 42 por cento igual ao período anterior com 18 por cento.

E a faixa etária das vítimas mais afectadas foi a compreendida entre os 2 aos 17 anos de idade e dos criminosos dos 25 aos 45 anos de idade. Em entrevista a OPAÍS, o psicólogo-criminal Gelson Daniel explicou que os agressores sexuais não se parecem com pessoas detestáveis, ou são pessoas que apresentam uma série de comportamentos criminais ou ainda determinadas características físicas que os denota como perigo para as crianças e adolescentes.

“Pelo contrário, o abuso sexual, frequentemente, é realizado sem o uso de força física, havendo coacção, sedução, que, muitas vezes, não deixam marcas físicas visíveis nas vítimas, o que torna difícil a identificação do acto, bem como do agressor (Santos, 2008) ”, disse.

Estudiosos acreditam na existência de diversos tipos de agressores

Disse ainda que os estudiosos acreditam na existência de diversos tipos de agressores, os quais diferenciam-se um dos outros pela estratégia de agressão, perfil de menor que escolhe para abusar, recursos que utilizam para manter o silêncio da vítima (e em alguns casos da família também) e os rituais que levam a cabo para concretizar os abusos de modo repetidos.

“Geralmente, os agressores são do sexo masculino, embora haja também, de forma bem reduzida, relatos de abusos realizados por mulheres. Muitas vezes, são pessoas conhecidas da vítima, pessoa que a vítima aprendeu a amar e que de certa forma exercem certo poder sobre a mesma, quer sejam família ou não”, afirmou.

Um grande número de abusadores sexuais tende a apresentar distorções cognitivas, as quais podemos entender como formas destorcidas de pensar que o indivíduo usa para benefício próprio. Assim sendo, os abusadores sexuais geralmente criam padrões errados de pensamento que distorcem a realidade e permitem que eles evitem sentir responsabilidade pelos seus crimes.

Exemplificou, por exemplo, um abusador pode afirmar que a
sua vítima vestia roupas sugestivas, mesmo que esta tivesse quatro anos, ou que a vítima goste de sexo violento, ou ainda que sua esposa não foi receptiva às suas investidas sexuais e, então, a sua filha era uma aceitável alternativa, etc.

Todas essas maneiras de pensar são distorções cognitivas que podem servir, de certo modo, como motivação para o indivíduo perpetrar o abuso sexual. No que se refere à realidade angolana, o psicólogo-criminal afirmou que a maioria dos agressores sexuais obedece aos seguintes perfis: são pessoas muito próximas das vítimas, destacando, pai, primo e vizinhos.

“A ocupação do agressor também foi levada em conta na nossa apreciação, sendo que, verificamos, uma parte dos agressores é empregado. Outro especto importante a descrever é que os agressores não apresentaram um grande índice de precedentes criminais, sendo que os poucos que têm registo criminal, este resume-se em crimes pequenos, como furto, danos matérias e ameaças”, disse.

Consequências a curto prazo da violação

As consequências a curto prazo podem ser agrupadas em psicológicas e físicas, podendo os efeitos psicológicos desaparecer num período de aproximada mente 12 a 18 meses após o abuso sexual, explicou o especialista.

Entre as consequências psicológicas destacam-se as dificuldades de adaptação interpessoal, principalmente com pessoas do sexo oposto, visão distorcida do sexo, pensamentos suicidas; sentimentos de culpa ou auto-condenação, problemas académicos, ansiedade, pesadelos, depressão, alteração do sono, perturbação do comportamento alimentar empobrecimento das habilidades socias.

Gelson Daniel falou ainda da distorção cognitiva, como uma das características que uma vítima de abuso sexual apresenta. Tendo referido que a vítima pode criar uma visão de um mundo altamente perigoso e desenvolver assim, também, uma visão negativa de si mesmo e de suas potencialidades.

“Deste modo, a percepção de perigo e desamparo estão sempre presentes para este indivíduo, dado o facto de que o abuso ocorreu numa fase em que o mesmo se apresentava psicologicamente e fisicamente incapaz de se defender”, disse.

As vítimas em geral têm poucos amigos

O educador social e psicólogo criminal, Gelson Daniel, explicou que as vítimas sofrem de alterações relacionais, ou seja, em geral, têm poucos amigos, apresentando uma relação distante com os demais, obtêm pouca satisfação sexual do parceiro e, normalmente, manifestam relacionamentos sociais pobres (isolamento, medo, desconfiança, falta de intimidades com sexo oposto, etc.).

Também apresentam comportamento de evitação de memória, ou seja, normalmente os indivíduos que tenham sido vítimas de abuso sexual apresentam determinados comportamentos que visam fugir das memórias ou reduzir a tensão que elas exercem sobre as suas vidas. Normalmente este comportamento caracteriza-se por amnésia, uso e abuso de drogas (lícitas e ilícitas), fuga do lar e em última instância, o suicídio.

O psicólogo criminal referiu ainda que algumas raparigas que já tenham sido vítimas de abuso sexual podem apresentar comportamentos sexualizados, o que de certa forma influência para sua própria revitimização.

Portanto, é possível constatar que em consequência do comportamento sexualizado apresentado por elas, muitas raparigas acabam tendo um início precoce nas relações sexuais (elevando o índice de gravidez indesejada), um elevado número de parceiros sexuais, relações sexuais irresponsáveis, portanto, apresentando assim uma série de comportamentos que podem elevar a hipótese de revitimização.

Realçou outros efeitos a longo prazo que podem ser prostituição, bulimia, anorexia, homofobia, alteração da orientação sexual, falta de poder, estigmatização, distúrbios sexuais, delinquência, conduta violenta, sequelas físicas, futuros abusadores sexuais.