Ernesto Mulato: não é esta Angola que sonhávamos ter

Ernesto Mulato: não é esta Angola que sonhávamos ter

O senhor é um dos pouquíssimos co-fundadores da UNITA ainda em vida. Passados 53 anos desde a sua fundação, em 1966, é esta a Angola pela qual sonharam lutar?

Olhando pela situação do continente africano, e em particular a de Angola, todas as perspectivas que estiveram na base da fundação da UNITA, sobretudo na mente do presidente-fundador Jonas Malheiro Savimbi, posso afirmar que valeu esta luta contra o colonialismo português e que culminou com a nossa Independência Nacional, mas, infelizmente, não é esta Angola que sonhávamos ter.

Porquê?

Porque os Acordos de Alvor, assinados em Portugal, entre os três movimentos de luta de libertação nacional, FNLA, MPLA e A UNITA, em que se perspectiva uma Angola democrática, fracassaram por razões já conhecidas, e, seguidamente, o país foi mergulhado numa nova guerra até em 1992, altura em que realizámos as primeiras eleições democráticas, mas mal conduzidas e cujo resultado colocou, mais uma vez, o país em guerra até em 2002, altura em ela terminou com a assinatura dos Acordos de Paz, a 4 de Abril, entre o Governo e a UNITA.

Mas valeu a pena a luta de libertação nacional…

Sim valeu a pena a luta dos movimentos de libertação nacional, porque depois houve a resistência para a democratização do nosso país e a afirmação da angolanidade, que foi feita pela UNITA para travar a expansão russo-cubana.

Que balanço faz destes 53 anos depois da fundação da UNITA?

Se for a nível do partido é positivo. Quando digo positivo não implica dizer que a UNITA não tivesse cometido erros neste seu percurso. Cometeu erros, mas aquilo que foi feito de positivo é o que mais pesa na balança durante o nosso combate para a luta de libertação nacional. Devo dizer-lhe que não só a UNITA cometeu erros, mas também os outros movimentos de luta de libertação cometeram. Mas o mais importante é o facto de todos terem lutado para a libertação do nosso país.

Depois do fracasso dos Acordos de Alvor, porquê é que a UNITA optou por ir às matas, empreendendo a famosa longa Marcha, em Fevereiro de 1976?

Tivemos que organizar o que chamávamos de Resistência Popular Generalizada para combatermos a invasão russo-cubana para se instaurar um Estado democrático e de direito em Angola, cujo sistema existe hoje no nosso país.

E se não houvesse esta resistência?

Se nós não tivéssemos feito esta resistência, aquilo que se tinha preconizado no partido único, mesmo após à queda do Muro de Berlim, e das mudanças que se operaram na antiga Europa do Leste, o país continuaria numa situação menos boa em termos de democratização, razão pela qual o doutor Jonas Savimbi disse ao Mundo que era preciso resistir contra as investidas estrangeiras, sendo ele próprio a encabeçar esta luta de resistência.

Em que momento se funda a UNITA?

Foi num momento em que as grandes potências apoiavam os primeiros dois movimentos de libertação nacional, a FNLA e o MPLA, e a UNITA surge como um intruso, na medida em que o doutor Jonas Savimbi, pela a forma sai da UPA/FNLA… A FNLA era apoiada pelos americanos, e estes não podiam ver com bons olhos a saída deste para formar um outro movimento de luta anti-colonial. Por outro lado, a União Soviética pensava que se o doutor Savimbi se juntasse ao MPLA iria neutralizar a UPA/FNLA.

Foi um acto de coragem aparecer num meio onde já havia outros partidos?

Claro que sim, na medida em que cada partido estava a ser apoiado por uma potência, e, sobretudo enfrentar Portugal que naquela altura já era membro da NATO. Entre os movimentos, a UNITA foi o único que combateu o colonialismo dentro de Angola, enquanto os outros dois fizeram- no a partir do exterior do país.

Quando é que Jonas Savimbi deixa a UPA/FNLA e funda a UNITA?

Foi depois da conferência do Cairo. E esta decisão não foi acolhida com bons olhos por alguns países africanos, porque sabiam que ia enfraquecer a luta da UPA, que eles apoiavam. Também sabiam que o facto de não ter aderido ao MPLA ia criar uma situação difícil para este movimento.

Porquê é que Jonas Savimbi esteve preso na Zâmbia um ano depois da fundação da UNITA?

Foi por ordem dos ingleses, que receavam uma possível destruição dos Caminhos de Ferro de Benguela, que poderia inviabilizar o escoamento da mercadoria da Zâmbia para o Porto do Lobito. Por isso, influenciaram o Presidente Kenneth Kaunda, mas graças à intervenção do Presidente Nasser, do Egipto, foi logo libertado, e seguiu depois para este país que o tinha acolhido para algum tempo.

Durante o tempo em que ficou no Egipto continuou com a actividade política?

Nós tivemos um escritório no Cairo. A nossa representação situava- se na rua do Zamalek. Eu, o companheiro Ornelas Sangumba (já falecido), o Tony da Costa Fernandes, e o mais velho Nzau Puna trabalhámos lá fazendo a diplomacia do nosso partido.

Esta é a Angola que projectavam durante a luta de libertação nacional?

Ainda não é esta a Angola do nosso sonho, porque apesar das diferenças que existiam entre os católicos, protestantes e animistas, todos lutavam por uma única causa: a libertação deste país do jugo colonial. Sonhávamos uma Angola onde o angolano se sentisse orgulhoso e à vontade. Nós lutámos e estudamos para ajudar os menos equipados. Era esta Angola que sonhávamos.

O que falta para concretizar a Angola dos vossos sonhos?

Um verdadeiro Estado democrático e de direito, onde o sol brilhe para todos. Ou seja, que haja igualdade de direitos entre os angolanos, reduzir ao máximo a pobreza e oferecer as melhores condições de vida às nossas populações.

A UNITA está na Assembleia Nacional com 51 deputados. Qual é a avaliação que faz do seu desempenho?

É uma avaliação positiva, na medida em que fazem aquilo que está ao seu alcance, com base no que está estipulado no Regimento Interno da própria Assembleia Nacional. Como sabe, o MPLA detém a maioria no Parlamento, e, tendo esta maioria, praticamente ele é quem manda e determina, por exemplo, em termos de votação. Ele tem 150 deputados, logo, faz o que quiser fazer, refiro-me à aprovação de leis, etc, etc.

Qual é avaliação que faz da UNITA do pós-Savimbi?

Quando morreu o doutor Savimbi, algumas pessoas pensavam que a UNITA ia acabar, porque houve um tempo em que forças externas tinham criado a ideia de que a UNITA era um homem, que era o doutor Savimbi. Tinham esquecido que ele estava a formar um leque de quadros políticos, diplomáticos e militares. Veja que, nos anos 1980, ainda nas matas, o próprio doutor Savimbi já pensava na criação do cargo de vice-presidente do partido, porque depois do presidente havia o secretário-geral, mas nós dizíamos que não era necessário porque tínhamos muita confiança nele, mas ele insistia que tinha de ter, é daí que surge o primeiro vice-presidente que foi o engenheiro Jeremias Kalandula Chitunda. É para dizer que, com base nesta dinâmica, o nosso partido não estagnou.

A morte de Jonas Savimbi abalou profundamente o partido…

Quando morreu vimos quase uma escuridão. Mas depois tivemos que levantar as cabeças e dizermos que vamos apoiar o vice- presidente António Dembo. Na altura, o secretário-geral era o Lukamba Gato. Infelizmente o vice morreu poucos dias depois… Bom, tivemos que apoiar o secretário-geral para facilitar a transição. Em 2003 houve um congresso e foi eleito o presidente Isaías Samakuva. Esta eleição não foi fácil, porque concorreu com o homem que tinha feito a transição. Mas pouco a pouco as coisas foram ultrapassadas.

É possível fazer comparação entre a liderança de Jonas Savimbi e a de Isaías Samakuva?

Não é possível, porque não podemos comparar a personalidade do doutor Savimbi e a do presidente Samakuva. O presidente Savimbi foi o que foi, participou na luta de libertação nacional, na luta das mudanças mundiais que culminaram com a queda do Muro de Berlim, enfim… Agora, desde que o presidente Samakuva começou a liderar a UNITA, ela está a subir paulatinamente. Digo paulatinamente porque ainda não chegamos ao pico da montanha, mas lá chegaremos com essa liderança. Penso que até aqui estamos bem.

A UNITA realiza o seu congresso em Dezembro deste ano, do qual sairá o sucessor de Samakuva. O senhor já vou vice-presidente, pensa concorrer?

Eu vou dizer o que muitas vezes disse o antigo Presidente da República, Eduardo dos Santos, que era um desportista emprestado à política. Eu digo o mesmo: sou um engenheiro emprestado à política. Eu não sou daqueles que aspiram lugares. Eu faço aquilo que sei fazer, e não tenho complexo de inferioridade ou superioridade. Tenho 79 anos, já é tempo de começar a escrever as minhas memórias, depois de ter publicado o meu primeiro livro. Já dei o meu contributo no partido e ao país enquanto cidadão, por isso, não ambiciono candidatar-me à liderança do partido. Vou continuar a dar o meu contributo como sempre, sem precisar de ser presidente do partido.